sábado, 28 de maio de 2022

PRIMOS DA FRANCISCA SÃO ESCOLHIDOS A DEDO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O depoimento escrito de Nito Alves sobre a sua participação no golpe de estado militar de 27 de Maio de 1977 tem um pormenor que mostra à saciedade a dimensão política e moral do autor. Depois de revelar quando e quem decidiu desencadear as acções armadas para a tomada do poder, assinou e datou o texto. Mas há mais duas páginas a seguir que ele intitulou “em tempo” e onde explica o porquê da sua redacção: “Perguntaram-me quem deu ordens para matar os comandantes do Estado-Maior General das FAPLA e dei-me conta que esqueci responder a essa questão. Pedi mais papel para responder agora”. E ele respondeu.

Em duas páginas extra, Nito Alves declara que José Van-Dúnem e Sita Vales deram directamente as ordens para a execução dos comandantes Bula Matadi, Dangereux, Eurico e Nzaji. Eu sei que aos mentores do banditismo político custa muito que lhes lembrem isto. Por isso mesmo, vou lembrar. 

Os quatro assassinados, a mando de José Van-Dúnem e Sita Vales, eram membros do Estado-Maior General das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola (FAPLA). O país estava em guerra pela soberania nacional e a integridade territorial contra mercenários, tropas zairenses e da África do Sul. O comandante Dangereux enfrentou as tropas do regime racista de Pretória no Leste. Ele e os seus camaradadas de armas impediram que os invasores dividissem Angola e anexassem as províncias onde existia exploração diamantífera. Depois de derrotar o inimigo na Grande Batalha do Luena, o comandante Dangereux foi nomeado vice-chefe do Estado Maior General das FAPLA.

O comandante Bula Matadi era um dos esteios da cúpula das FAPLA. Sempre ao lado do comandante Xyetu, chefe do Estado-Maior General das FAPLA. Após a assinatura do cessar-fogo com Portugal e a instalação da delegação oficial do MPLA em Luanda, o comandante Bula foi um dos mais importantes construtores do novo edifício militar que congregou as forças necessárias para a Guerra de Transição ou II Guerra de Libertação Nacional.

O comandante Eurico foi o comissário político da Frente Norte. Depois do 25 de Abril de 1974 teve um papel decisivo na preservação da província de Cabinda como território nacional. Com os comandantes Pedalé, Bolingô, Delfim de Castro, Max Merengue, Foguetão e Kimba, foi um dos Heróis da Grande Batalha do Ntó. Quando foi necessário transformar as forças guerrilheiras em forças armadas nacionais, Agostinho Neto chamou-o para o Estado-Maior General das FAPLA onde comandou o importantíssimo sector do Pessoal. Os últimos são os primeiros. Comandante Nzaji. O seu papel na área das informações militares, na II Região (Cabinda) é lendário. O MPLA percorreu até agora um longo caminho de vitórias. Parte importante desse percurso tem a pegada inapagável do comandante Nzaji.

Os golpistas de 27 de Maio de 1977 decapitaram o comando das FAPLA, quando Angola estava em guerra contra inimigos poderosos, liderados pelo estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA).O comandante Xyetu escapou à morte por um mero acaso. Do lado dos golpistas alinharam Monstro Imortal e Bakalof, comissário político do estado-maior general das FAPA. Façam as contas e vejam como ficou a cúpula das forças armadas, em plena guerra.

A fossa de longa-metragem “Sita” tem uma virtude. Entre o gado porcino não está o Carlos Pacheco. E a Francisca Van-Dúnem, libertada do papel de enfeite no governo de Portugal, também não descarregou mais umas quantas aldrabices. Quanto ao Pacheco, espero que lhe tenham cortado os 30 dinheiros. Sobre a doutora Francisca, pensei que estava mais comedida, mas enganei-me. Ela hoje voltou à carga no Novo Jornal, que acaba por ser um chiqueiro quando publica porcarias de Edgar Vales ou Carlos Pacheco.

O texto de Francisca Van-Dúnem no Novo Jornal não é à bruta, fedorento, falso. Tem até o charme discreto de quem se prepara para abancar à mesa do Orçamento de Estado, agora em Luanda. E tem afirmações que eu subscrevo, sem a mínima dúvida.

Diz Francisca que todos os anos, no 27 de Maio, “são ressuscitados lugares, factos, personagens”. Está enganada, doutora! Até 1992, ninguém tocava nesse assunto. Porque nos doía muito. Dou-lhe o meu exemplo. O comandante Monstro Imortal era um amigo de verdade. Passámos dezenas de horas analisando a situação política em Angola, em África e no mundo. Fui uma espécie de conselheiro de imprensa dele. Um dia alguém lhe trouxe do Lubango chouriços da fábrica de enchidos que ainda funcionou alguns anos após a Independência Nacional. Foi a correr a nossa casa (também vivia lá o comandante Eurico desde que chegou de Cabinda) e deixou-nos a oferta. Tirou da casa dele para pôr na nossa mesa.

Gilberto Saraiva de Carvalho (Gigi) era irmão do Armando, do João Arnaldo e da Fernanda Antonieta. Mas não eram mais irmãos dele do que eu. Foi pela mão dele que entrei no MPLA. Era profundamente pró soviético. E eu, que sou contra Deus, o Estado e a Família, por amizade, por fraternidade, não o contrariava. Foi assassinado no Luena por camaradas do MPLA. Haverá dor humana maior do que ver um irmão assassinado? Ele esteve preso no Tarrafal e depois no campo de concentração de São Nicolau (Bentiaba). E naquele dia 27 de Maio de 1977 foi assassinado. Com o Juca Valentim e o Paulinho Cavadez. Tanta dor.

Por isso nos calámos até1992. Mas quando o MPLA extinguiu a democracia popular e o socialismo, foram os familiares dos golpistas que desenterraram a tragédia. A Hora da vingança! Muitas e muitos tiraram partido da situação e foram cobertos de tachos e dinheiro. Os que foram presos e depois libertados porque pagaram pelos seus crimes, montaram um negócio repugnante fazendo do 27 de Maio uma mercadoria de alta rentabilidade. Infelizmente, a doutora Francisca Van-Dúnem não é inocente.  

Francisca fala dos sobreviventes “que escaparam à morte”. Escaparam, ninha senhora? Foram libertados pelo Estado que os prendeu, por terem participado no golpe de estado, ainda que não tivessem responsabilidades de direcção. Nem foram apanhados de armas na mão. É feio manipular, insinuar, falsificar, mentir. A senhora sua mãe, com 99 anos (espero que faça muitos mais), devia ter-lhe ensinado isso quando era pequenina. Essas coisas da honra e da dignidade não se aprendem nas escolas primárias, secundárias e universidades. É no berço.

A doutora Francisca escreve uma frase que eu subscrevo incondicionalmente: “A passagem do tempo favorece a distorção da realidade e a invenção da memória”. Verdade. Mas quem assim procede é o Carlos Pacheco, as Cabritas e outros animais raros. São os que “escaparam” à morte. Excelência, sempre lhe digo que se seu irmão José Van-Dúbnem e a sua cunhada Sita vales tivessem triunfado, não existiam plataformas, associações 27 de Maio nem aldrabões à solta. Ninguém tinha ficado para contar como foi. E tenho uma má notícia para si no que diz respeito ao Juca Valentim. 

Um dia, numa reunião do Departamento de Informação e Propaganda (DIP) do MPLA para preparação do 4 de Fevereiro de 1976, o Juca propôs que silenciássemos o Órgão Coordenador das Comissões Populares de Bairro e as estruturas do Poder Popular. A maioria doss jornalistas presentes recusou. E ele, furioso, ameaçou-nos de fuzilamento! Na parte que me diz respeito, depois corrigiu o excesso. Comigo não gastava uma bala, só porrada.

Francisca escreveu: “A omissão da verdade só ajuda à construção de mitos. A história faz-se de verdade e só com a verdade se enfrenta e constrói o futuro”. Apoiada. Doutora Francisca, a sua cunhada Sita Vales é um mito construído por si e pelos que “escaparam da morte”. Uma simples funcionária do DOM do MPLA durante metade de 1975 e o ano de 1976, é apresentada como uma grande líder do MPLA e uma heroína angolana! Anda muita droga e muito álcool no ar. 

E quanto à História Contemporânea de Angola, base segura do futuro, não foi o MPLA nem os órgãos de soberania da República de Angola que contrataram a Dalila Cabrita, o Carlos Pacheco e outros falsificadores e falsificadoras. Não foi o Estado Angolano nem o partido MPLA que puseram a circular que o golpe de estado militar der 27 de aio de 1977 foi uma pacífica manifestação de massas. Nem disseram que houve uma purga no seio do partido para matar os militantes e dirigentes de esquerda. Nem contaram um milhão de mortos, 100 mil mortos, 30. 000 mortos. Foram os familiares dos golpistas e os que “escaparam à morte”.

Doutora Francisca, eu no seu lugar provavelmente também defenderia os meus irmãos. Mas vossa excelência sabe bem que o seu irmão José Van-Dúnem, embriagado pela facilidade com que passou de soldado básico a general, queria mais, queria tudo e tudo imediatamente, mesmo passando por cima dos camaradas do MPLA. Falhou. Felizmente para Angola e o Povo Angolano, foi derrotado. E que tal acabarem todos com o negócio do 27 de Maio?

Todos os membros da direcção política e militar do golpe de estado, ante o Tribunal Marcial, assinaram depoimentos onde descrevem a sua participação nos acontecimentos. Por pudor, que compreendo, quem tem poder para tal, não quer revelar todos os documentos do 27 de Maio. É muita porcaria, muita ambição desmedida, muita mediocridade promovida aos píncaros do poder, muita covardia, muita indignidade. Mas recuso-me aceitar que para protegerem golpistas assassinos, permitam que sejam trucidados com mentiras e falsificações, os dirigentes do MPLA na época, os militares das FAPLA e os titulares dos órgãos de soberania. Como estou de férias até ao próximo mês de Agosto, fico por aqui.

Francisca Van-Dúnem, no seu negócio de hoje, refere várias pessoas golpistas que lhe eram próximas. Só lhe fica bem. De Zé Mingas, seu primo, diz que era “valente, reservado, companheiro de militância clandestina e de prisão do meu irmão”. O irmão de vossa excelência é José Van-Dúnem. E o ministro das Finanças do Governo da República Popular de Angola, Saidy Mingas, assassinado pelos golpistas, irmão de Zé Mingas, não é primo da dona Francisca? Claro que não. Como não era golpista, que morra depois de torturado. Como foi assassinado pelos golpistas, não tem sequer o estatuto de vítima. Está tudo explicado. Ódio e vingança é que vos move! Indesculpável.

*Jornalista

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