segunda-feira, 11 de julho de 2022

Portugal | O PORTO NÃO TEM HABITAÇÃO SOCIAL A MAIS?

Rui Sá* | Jornal de Notícias | opinião

No dia 4 escrevi no JN um texto - "O apartheid habitacional da IL" em que, citando um discurso do deputado Carlos Pinto, da IL, na Assembleia da República, que considerou que os pobres não têm direito a viver nas Avenidas Novas de Lisboa, dava vários exemplos que demonstravam que esta política elitista é, exatamente, aquela que é seguida por Rui Moreira no Porto. No passado dia 6, num texto intitulado "O Donbass habitacional da CDU", o vereador Ricardo Valente procurou responder-me.

Como, reconhecidamente, a habitação social não é a sua especialidade (a "sua praia" é mais o fomento do alojamento local), creio que a sua resposta se deveu ao facto de, apesar de "independente", ter sido candidato da IL à Assembleia da República.

Em suma (e esquecendo os indigentes impropérios da cassete anticomunista), o dr. Valente afirma que o Porto tem habitação social a mais e mais habitação social do que municípios liderados pela CDU. Papagueando números que esquecem as razões históricas que levaram o Porto a ter a maior percentagem de habitações municipais do país. E que se deve ao facto de, principalmente nas décadas de 50 e 60, milhares de habitantes terem sido retirados das ilhas no centro do Porto e afastados para bairros municipais na periferia - que, então, eram as freguesias de Campanhã, Paranhos, Ramalde e Lordelo do Ouro. Com o pretexto da resolução de problemas de insalubridade, mas com o objetivo claro de libertar terrenos apetecíveis do ponto de vista do mercado para a construção de habitação para ricos e edifícios de serviços.

Mas, e isso o dr. Valente não consegue entender, o problema é o da realidade que se vive no Porto. Realidade feita de pessoas e das condições em que vivem. Rui Moreira governa o Porto há nove anos. Durante este período, a câmara foi entregando, anualmente, 200 a 300 casas municipais a novas famílias. Mas, durante esses nove anos, a lista de famílias selecionadas pela câmara como tendo direito a habitação social, manteve-se, apesar das entregas, nas 1000 famílias!... Ou seja, todos os anos há 200 a 300 famílias que engrossam a lista dos que necessitam de habitação social (e não são famílias que vieram para o Porto em busca de habitação social, dado que este direito só é concedido a quem, comprovadamente, viva na cidade há pelo menos quatro anos). Tal deve-se ao facto de, em Portugal, e no Porto em particular, se empobrecer trabalhando (ao mesmo tempo que se liberalizam as rendas e se facilitam os despejos). O que se comprova pelo facto de os rendimentos médios destes agregados familiares (dados de 2019) ser de 645,48€, sendo o rendimento per capita de 292,25€! Ou seja, famílias que, sem rendas sociais, não conseguem arranjar casas dignas no mercado habitacional do Porto...

Naturalmente que compete à Administração Central cumprir o imperativo constitucional de garantir habitação aos portugueses. Mas a Câmara do Porto assinou protocolos com o Governo que lhe garantem, para este objetivo, cerca de 90 milhões de euros. Ao não os aplicar em habitação social, Rui Moreira sabe que está a condenar milhares de portuenses a migrarem para outros municípios ou a resignarem-se a viver em condições habitacionais indignas. Implementando a ideologia defendida pela IL: o mercado é que define as cidades e dita que o Porto não é para pobres...

*Engenheiro

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