sábado, 17 de setembro de 2022

HISTÓRIA DA IMPRENSA ANGOLANA -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os portugueses chegaram à foz do rio Zaire e ao reino do Congo num momento em que a nobre “arte da imprimissão” já estava muito desenvolvida no reino. D. Afonso V, o Africano, recebeu informação da invenção de Gutenberg precisamente no momento em que o mestre impressor abriu ao público a sua primeira oficina. Portugal tinha fortes relações comerciais com Nuremberga donde importava missangas, contas de vidro e artefactos em latão, que trocava por ouro em África e mais tarde por pimenta no Oriente.

O Africano era um rei culto e por isso tinha uma importante biblioteca. Quando soube que havia forma de copiar vários exemplares do mesmo livro através da “divina arte da imprimissão”, tratou logo de contratar mestres impressores germânicos que chegaram ao reino menos de um ano depois de aberta ao público a oficina de Gutenberg.

A primeira tipografia e os mestres tipógrafos chegaram a Portugal através do Colégio de Santa Cruz por intervenção directa do bispo de Coimbra, D. João da Costa.

Os frades crúzios da colegiada de Santa Cruz tinham uma delegação em Leiria onde existiam moinhos de água nos quais fabricavam papel. A oficina de imprimissão e os mestres impressores de Nuremberga foram para Leiria onde ensinaram a arte. Foi aqui que nasceram os famosos Cónegos Tipógrafos, com quem D. Afonso V tinha relações privilegiadas. 

Este rei português tinha posições dissonantes das correntes de pensamento da nobreza da época. Escreveu ele: “a Ciência e sabedoria é tão precioso dom que coisa alguma a ela pode ser comparada”. Reis e nobres de Portugal e de toda a Europa, habitualmente não sabiam sequer ler e escrever. 

Mas o Africano foi mais longe e fundou uma livraria no seu Paço de Alcáçova. Mais tarde, o soberano abriu o espaço real ao público, mas antes, como descreve o Professor Joaquim de Carvalho, “adquiriu códices, curando da sua instalação, estipendiando escrivães e iluminadores e confiando a sua guarda e conservação ao historiador Gomes Eanes de Azurara”. Estava criada em Portugal a primeira biblioteca pública.

E foi neste ambiente que no reinado seguinte, (D. João II) Diogo Cão chegou à foz do Zaire e estabeleceu os primeiros contactos diplomáticos com o reino do Congo.

Os soberanos congoleses eram senhores de um império onde florescia uma civilização muito avançada para a época. Mas faltavam-lhes os livros e uma língua escrita para difundir a sua cultura. Os portugueses, pioneiros na arte da imprimissão e na produção industrial de livros, eram os parceiros certos. 

O Congo foi inundado de livros. E no reinado de D. Afonso I (Mbemba-a-Nzinga) chegaram milhares de “cartinhas” ou cartilhas para ensinar as crianças a ler e escrever. Claro que entre os milhares de livros se encontravam catecismos para ensinar a fé cristã.

As primeiras “cartinhas” ou cartilhas de ABC impressas em Leiria chegaram ao Congo e à Ásia em 1515, em pleno reinado de D. Afonso I, do Congo. Mas ainda não foi desta vez que os portugueses enviaram para o manicongo uma oficina de imprimir.

A primeira tipografia foi para a Etiópia precisamente no mesmo ano, enviada pelo rei português, D. Manuel, ao Negus, o mítico Preste João das Índias. O soberano português enviou uma biblioteca completa e entre os volumes seguiam 2.500 cartilhas e 42 catecismos. 

O objectivo era ensinar as crianças da Etiópia a ler e escrever português e latim. As “cartilhas de ABC” foram igualmente enviadas para a escola de Cochim, na Índia, para os meninos indianos aprenderem português.

Em 1982, Laurence Hallewell publicou em Londres uma obra sobre a História da Imprensa onde confirma que no final do século XVI, chegaram as primeiras máquinas impressoras a África, pela mão dos missionários portugueses, que as instalaram nos seus colégios da Ordem dos Jesuítas, em Luanda e S. Salvador do Congo (Mbanza Congo). 

A primeira tipografia foi para a Etiópia, enviada por D. Manuel, em 1515. A oficina de tipografia dos jesuítas chegou a Mbanza Congo alguns anos depois. Mas antes, em 1490, foram de Portugal para o Congo dois mestres impressores. Levavam na bagagem caixotes com tipos e caracteres. Essa “embaixada” nada tinha a ver com os jesuítas, mas com os Cónegos Tipógrafos de Leiria, pertencentes ao Colégio de Santa Cruz de Coimbra. E é certo que começaram a imprimir cartilhas. 

Só assim se justifica a existência de muitos padres e mestres de latim e língua portuguesa, quando D. Afonso I do Congo (Mbemba-a-Nzinga) ascendeu ao trono, em 1507.

O historiador português Damião de Góis dá nota de um avanço extraordinário no sector da educação no reino do Congo. Textos históricos do bispo de Silves ou do Cardeal Saraiva, que fizeram estudos profundos sobre as relações entre portugueses e congoleses, confirmam essa realidade e revelam novos elementos que ajudam a compreender o esplendor dessa época no mais avançado império africano.

Damião de Góis escreve que “em 1504 foram enviados para o Congo mestres de ler e escrever para que abrissem escolas onde instruíssem meninos”. Na sua “Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel”, o historiador refere que “aos principais a que encarregam destes negócios, mandou entregar muitos livros de doutrina cristã”.

Jerónimo Munzer, no seu livro “Itinerários”, dá conta que em 1494 “em Portugal verifiquei grande actividade cultural junto dos congoleses”. Esta obra está escrita em latim, mas foi traduzida para português e publicada por Basílio de Vasconcelos. É uma peça essencial para se compreenderem as relações culturais entre Portugal e o reino do Congo.

Mestres impressores

Nas páginas da obra “Itinerários” é revelado um pormenor que retira aos jesuítas portugueses a primazia da arte da imprimissão no Congo. Escreve Munzer: “dois impressores alemães de Estrasburgo e Norlingen foram para o Congo tentar fortuna”. Estes dois mestres trabalhavam com os crúzios em Leiria. Já tinham feito escola e partiram para África carregados com caixotes de tipos e todos os pertences necessários à “nobre arte da imprimissão”.

Nas principais capitais da Europa da época ainda nem sequer se sonhava com tipografias, já o Congo tinha uma oficina servida por dois mestres alemães. Os europeus “resistiram” à imprensa porque a consideravam uma arte demoníaca. A Inquisição, com o seu Tribunal do Santo Ofício, encarregou-se de condenar à morte nas fogueiras ou a torturas e suplícios todos os que vissem para lá dos ditames da Igreja de Roma.

 O rei de França remou contra essa maré e declarou-a uma “arte divina”. D. Manuel fez dos mestres tipógrafos cavaleiros da sua casa real. Mas a desconfiança continuou, durante séculos.

A arte de imprimir é muito antiga. Os chineses imprimiam livros em formas (galés) de bronze. Pi-Shang, sábio do período Ching-Li (1041-1049) imprimia livros em matrizes de barro cozido.

Em 1403, o rei da Coreia, Tai-Tsung, mandou fundir tipos de bronze. No reino do Congo o bronze era um material conhecido há muitos anos. As minas do Mavoio e do Bembe forneciam abundante matéria-prima para o fabrico de artefactos em bronze, na época uma liga nobre.

 Os técnicos defendem que é pouco credível a existência de tipos em bronze. Mas na arte e no artesanato congolês abundam miniaturas em bronze. Os mestres tipógrafos alemães podem ter usado as técnicas dos coreanos na impressão de livros, cartilhas e catecismos no reino do Congo, mesmo antes do reinado de D. Afonso I (Mbemba-a-Nzinga).
As primeiras tipografias em Portugal começam a trabalhar em 1474. Mas antes já existia a imprensa e ainda antes a estampagem em papel. O primeiro livro só é editado em 1494, em Braga, pelo mestre impressor alemão João Gherlinc e tem o título “Breviarium Bracarense”.

Em 1492, D. Manuel enviou para o Congo vários sacerdotes negros que ele tinha mandado educar desde pequenos no Colégio de Santo Eloy, em Lisboa. Garcia de Resende dá nota desse facto na sua obra histórica: “foram para o Congo muitos frades e alguns deles bons letrados e com eles mandou El-Rei muitos livros. Também para lá foram dois impressores alemães”.

Garcia de Resende refere que nesse ano (1492), na escola de Mbanza Congo, “um negro natural da terra que sabia ler e escrever começava a ensinar os moços da corte e os filhos dos grandes”.
O Colégio de Santo Eloy em Lisboa (ou dos Lóios) era, segundo Garcia de Resende, “destinado aos magnatas das terras de além-mar, congoleses e indianos fazerem os seus cursos”.

Os reis do Congo receberam de braços abertos os mestres de língua portuguesa e de latim, os livros e as “cartinhas” ou cartilhas. Mas queriam muito mais. O processo foi rápido e quando D. Afonso I (Mbemba-a-Nzinga) subiu ao trono, em 1507, acelerou ainda mais. O rei do Congo era um homem culto e considerado um latinista. 

Cataldo Sículo, cronista de D. João II, escreve que nas escolas do Congo se ensinava o latim. Damião de Góis confirma que o soberano “comentava com fina graça e crítica os cinco livros das nossas Ordenações”. O rei de Portugal tinha enviado ao seu homólogo as Ordenações Manuelinas, que D. Afonso I (Mbemba-a-Nzinga) leu, comentou e criticou “com fina graça”. Só um homem com profundos conhecimentos da língua portuguesa e do latim podia ler e criticar as ordenações (leis régias).

Baltasar de Castro, cronista de D. Manuel, disse de D. Afonso I: “é mais capaz de ensinar do que ser ensinado, porque o Senhor não faz outra coisa que estudar e muitas vezes adormece sobre os livros”. 

Rui Aguiar, mestre enviado por D. Manuel para o Congo, numa carta remetida para o rei, pedia mais livros porque o manicongo “tem mais necessidade de livraria do que doutras cousas”.

Em 1514, já existiam no reino do Congo escolas em Sundi ou Nsundi, Bamba ou Mbamba, Bata ou Mbata e Pango ou Mpangu. Uma irmã do rei ensinava meninas num colégio de Mbanza Congo. Os mestres eram todos congoleses formados em Portugal nos Lóios e as cartilhas impressas nas oficinas congolesas. 

As cartilhas dessa época desapareceram ou apenas chegaram fragmentos aos nossos dias. Catecismos ainda existem, tal como chegaram aos nossos dias alguns livros da época, ainda que não tenham a chancela dos mestres impressores do Congo. O importante é que as máquinas de imprimir chegaram a Luanda e a Mbanza Congo ainda no final do século XV. A Europa só décadas ou mesmo séculos mais tarde aderiu à “nobre arte da imprimissão”.

*Jornalista


LITERATURA E ARTES PLÁSTICAS - Imprensa Nacional Farol da Cultura Angolana

Artur Queiroz*, Luanda

O Jornalismo e a Literatura ganharam uma elevada expressão em Angola, no Século IX, graças à existência de uma indústria gráfica muito desenvolvida, com experiência acumulada desde que chegaram os primeiros prelos mecânicos a Luanda e São Salvador do Congo (Mbanza Congo), no início do Século XVI. Mestres tipógrafos germânicos e portugueses criaram autênticas escolas da “arte de imprimissão”, o que justificou o lançamento do primeiro jornal, o Boletim do Governo-Geral da Província de Angola, que começou a circular no dia 13 de Setembro de 1845, era governador Pedro Alexandrino da Cunha, um oficial da Marinha de Guerra.

O jornal era impresso em oficina própria, que demorou 20 anos a ser montada. O Governo de Lisboa ordenou a criação do Boletim Oficial, mas forças mais radicais da corte achavam que era perigoso avançar com esse projecto. E tinham razão. Duas décadas depois da criação da Imprensa do Governo de Angola, nasceu a chamada Imprensa Livre, com um periódico impresso em oficina própria. Em breve, nas páginas dos jornais privados era reivindicada a independência e começou a ser forjado um profundo sentimento de angolanidade, que ganhou a sua expressão máxima no Movimento Vamos Descobrir Angola, um século depois.

No dia 6 de Dezembro de 1866, começou a circular em Luanda o primeiro jornal privado, com consistência e continuidade, que teve como fundadores os advogados António Urbano Monteiro de Castro e Alfredo Júlio Cortês Mântua. O título era A Civilização da África Portuguesa e o subtítulo Semanário dedicado a tratar dos interesses administrativos, económicos, agrícolas e industriais de Angola e S. Tomé.

Além dos dois advogados, o jornal teve ainda como fundadores João Feliciano Pederneira, comerciante de Pungo Andongo, Feliciano da Silva Oliveira, comerciante de Cambambe e Francisco António Pinheiro Bayão, funcionário público, de Luanda. Foi o princípio de um jornalismo de combate, servido por jornalistas angolanos, que na época estavam ao nível do melhor que existia na Imprensa de língua portuguesa, entre eles, Arantes Braga, José de Fontes Pereira, Sant’Anna Palma, Augusto Bastos e o príncipe do jornalismo de língua portuguesa, Pedro da Paixão Franco. Os documentos que atestam a origem da Imprensa do Governo de Angola foram coligidos e publicados por uma comissão do Museu de Angola, em 1950, presidida por Mascarenhas Gaivão e da qual faziam parte, entre outros, o notável historiador Alberto de Lemos e o padre Manuel das Neves, um dos mentores da revolução do 4 de Fevereiro, nessa altura cónego da Sé de Luanda. Quase toda a documentação oficial tinha sido coligida por Augusto Bastos, o angolano prodigioso que marcou de uma forma indelével, o jornalismo, a literatura, a música, as artes plásticas, a ciência e a política.

DECRETO DA FUNDAÇÃO

O secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Vieira de Castro, preparou o Decreto que a rainha assinou. Manda criar “debaixo da Inspecção de cada Governo-Geral, um Boletim no qual se publiquem as Ordens, Peças Oficiais, Extractos dos Decretos Regulamentares enviados pelo respectivo Ministério aos Governos do Ultramar, bem como notícias marítimas, preços correntes, Informações Estatísticas e tudo o que for interessante para conhecimento Público”.

O diploma legal foi assinado no Paço das Necessidades, em Lisboa, em 7 de Dezembro de 1836. Este documento lançou a Imprensa em Angola, mas o primeiro boletim só foi impresso em 13 de Setembro de 1845, nove anos mais tarde, depois de muita insistência do governador Pedro Alexandrino da Cunha.
No dia em que saiu a público o primeiro número do Boletim do Governo-Geral da Província de Angola (Boletim Oficial), o governador enviou um ofício para Lisboa reclamando o envio “de uma imprensa completa” e mestres tipógrafos. O equipamento que estava em Luanda, permaneceu demasiados anos encaixotado e foi atacado pela ferrugem e o salalé.

O governador não dava descanso ao Governo de Lisboa e em 22 de Setembro de 1845, enviou novo ofício ao Ministério da Marinha e do Ultramar pedindo “caixas de composição em jogo completo de altas e baixas”. As “altas” são maiúsculas e as “baixas” as minúsculas.

Pedro Alexandrino da Cunha, cansado de esperar a chegada dos tipógrafos, em 11 de Abril de 1846 enviou um ofício onde reclamava apenas um compositor porque encontrou em Luanda alguns mestres tipógrafos que contratou directamente. Em 15 de Maio, a Imprensa Nacional de Lisboa informou o governador que ia enviar para Luanda os compositores João da Silva Tojeiro e José da Costa.

ESCOLA DE TIPÓGRAFOS

Nesta época, a Imprensa Nacional de Lisboa era uma escola de tipógrafos e as suas modernas instalações tinham iluminação a gás. Este modelo foi reproduzido, três décadas mais tarde, em Luanda, na Imprensa do Governo de Angola, hoje Imprensa Nacional.

Em ofício de 3 de Junho de 1846, o director da Imprensa Nacional de Lisboa informou o governador Pedro Alexandrino da Cunha que “estão prontos os utensílios necessários para compor e imprimir o Boletim Oficial e os mestres tipógrafos podem embarcar para Luanda no primeiro vapor”. Angola teve de pagar o equipamento em quatro prestações mensais. Diz o documento: “Acha-se pronto e encaixotado um prelo de ferro, rolos e demais utensílios, tipos e outros objectos tipográficos indispensáveis para fazer a composição e impressão do Boletim Oficial de Angola. O preço total é de 600$000 reis a pagar em quatro prestações mensais”.

O Boletim do Governo-Geral da Província de Angola saía a público, todos os sábados, há mais de um ano. O governador arranjou equipamentos e mestres tipógrafos em Luanda. Finalmente, em 13 de Abril de 1847, o secretário-geral de Pedro Alexandrino da Cunha, João de Reboredo, informou a Fazenda que foi recebido o prelo em ferro, tipos e demais objectos para a Imprensa do Governo de Angola.

Em 1849, o novo governador, Acácio da Silveira, enviou ao Ministério da Marinha e Ultramar uma lista de materiais que estavam a fazer falta: “Um interduo moderno, mais as linhas e chamadinhas. Uma pandecta moderna, linhas e chamadinhas. Texto, chamadinhas, breviário miúdo, linhas e chamadinhas. Dois pontos de texto. Letra corpo 18 número dois. Zinco para as gravuras. Letra de corpo 22 número um. Cursivo de Parangona. Quadrados de texto (ocos). Um prelo mecânico em ferro, mesa e os rolos. Uma fôrma para fazer os rolos. Mais seis arreteis de tinta de imprimir e caixotes”.

A fábrica de impressão e composição crescia à medida do sucesso do boletim, que ainda em 1845, dava uma notícia social: A Assembleia de Luanda, onde se juntava a alta burguesia europeia e africana, ia dar um baile em homenagem ao governador Pedro Alexandrino da Cunha.

Mais tarde, publicava um anúncio comercial. O comerciante Valentim José Pereira dava nota pública de que era comprador de folhas de tabaco. Em 1846, o Boletim Oficial publicava a sua primeira notícia cultural. O Teatro Providência, ali na Rua dos Mercadores, levava à cena a peça “O Fugitivo da Bastilha”. Desde então, passou a ser um verdadeiro jornal, mas controlado pelo Governo-Geral. Por isso, os intelectuais africanos e europeus da época decidiram criar a Imprensa Livre, em oposição à Imprensa Oficial.

OFERTA DE UMA TIPOGRAFIA

Em 9 de Maio de 1849, menos de quatro anos depois de ser editado o primeiro número do Boletim Oficial, o governador agradeceu a Arsénio Pompílio Pompeu do Carpo, a “oferta de uma tipografia completa, papel e tintas” para a Imprensa do Governo de Angola”. O doador era um madeirense que foi deportado para Angola por ter participado numa revolta dos liberais, no Funchal. Com a doação ganhou a liberdade plena e tornou-se um dos mais ricos comerciantes de Angola, além de jornalista, dramaturgo e actor.

A Imprensa do Governo de Angola tinha ao seu serviço equipamento, papel e tinta, do melhor que existia no mundo, tudo importado de Londres por Pompeu do Carpo, que como “correspondente comercial”, tinha grandes negócios na capital britânica.

A alta qualidade da tipografia levou a que proprietários de jornais privados recorressem aos seus serviços. Mas para isso, tinham de pedir autorização ao Ministério da Marinha e do Ultramar. O Governo de Lisboa, por decreto de 8 de Setembro de 1855, dez anos depois do início da actividade da oficina gráfica, nomeou o primeiro director da Imprensa do Governo de Angola: António José da Silva Ferreira.

UM JORNAL ESTRANGULADO

Ernesto Marecos, Alfredo de Sarmento e Francisco Teixeira da Silva, fundadores do jornal luandense “A Aurora”, enviaram um requerimento ao Governo, solicitando que o periódico fosse produzido na oficina onde era composto e impresso o Boletim Oficial. A pretensão foi deferida em 2 de Maio de 1856, mas com uma condição: todos os textos tinham de ser enviados previamente ao secretário-geral, Manuel Alves de Castro Francina.

“Não há nisto ideia de uma censura literária – Vossas Senhorias o pensarão assim, bem certamente: há só a justa e legítima intenção de prevenir que possa aparecer no periódico matéria estranha ao seu projecto (…) o que deveria produzir a imediata suspensão do mesmo, na conformidade da Lei Reguladora da Imprensa”, escreve Francina no seu despacho. Mas o estrangulamento foi ainda mais apertado. O secretário-geral do Governo de Angola exigiu também “a expressa declaração de que o periódico não tratará de questões políticas”. O jornal começou a circular apenas com noticiário literário e textos de entretenimento. Pouco tempo depois encerrou. Como nasceu estrangulado, teve uma vida efémera.

Esta posição oficial justifica um facto: os grandes jornais da Imprensa Livre tinham tipografia própria e excelentes mestres tipógrafos. O Mercantil, era um jornal com grande qualidade gráfica e com seis páginas! Possuía prelo próprio, nas suas oficinas da Rua Direita, ao Bungo.

Em 18 de Setembro de 1867 nasceu o jornal semanário O Commercio de Loanda, também com tipografia própria. Em 1873, é editado o semanário Cruzeiro do Sul. Este jornal, onde pontificava o padre Castanheira Neves e Urbano de Castro, já teve como fundadores jornalistas africanos. Tinha igualmente oficinas próprias.
Alfredo Troni veio de Coimbra para Luanda servir o Poder Judicial. Mas em breve se rebelou contra o governador e sua corte. Troni, em 7 de Julho de 1878, fundou o Jornal de Loanda, com tipografia própria e sede na Rua Diogo Cão. Quando os seus afazeres de advogado o obrigaram a abandonar a trincheira do jornal, contratou um jornalista de primeira água, Ladislau Batalha, na época, um dos mais brilhantes arautos do socialismo. Em 1888, da tipografia privada de Troni saía o celebérrimo jornal Mukuarimi. As oficinas gráficas do Bungo passaram a chamar-se Typographia do Mukuarimi.

No ano de 1872, a Maçonaria fundou A Defeza de Angola (1903), um bi-semanário, servido por jornalistas profissionais. O jornal tinha tipografia própria de grande qualidade, comprada por subscrição pública.

A Imprensa do Governo de Angola passou a “Nacional” e foi habitar uma nave industrial moderna, construída em terrenos adjacentes ao Palácio Presidencial, onde funcionava um parque de diversões. Ainda hoje habita o mesmo espaço. Em 4 de Maio de 1875, foi aprovado o primeiro regulamento da empresa. Nesta fase, já tinha vários prelos, iluminação a gás e era uma excelente escola de tipógrafos.
O governador José Baptista de Andrade mandou organizar uma mostra das actividades de Angola, para depois ser levada à grande Exposição Colonial em Lisboa. O excelente catálogo foi produzido na Imprensa Nacional e os seus operários criaram vitrinas e expositores.

O PRIMEIRO PINTOR

A Imprensa Nacional está na origem da grande exposição sobre Angola, aberta ao público em Luanda, no edifício da Aula Profissional, Cidade Alta, que incluiu artes plásticas. Nas suas oficinas foi composto e impresso o catálogo. Mas os seus operários foram os grandes obreiros da mostra.

Na página 79 do catálogo foi reproduzida uma tela do artista Julião Félix Machado, “um rapaz natural de Luanda” que, segundo o governador da época, José Baptista de Andrade, “denota a mais alta vocação”. Não se enganou. Mais tarde tornou-se um caricaturista notável, que conquistou a imprensa internacional e integrou as mais importantes publicações humorísticas da época, em Lisboa, Paris e Rio de Janeiro.

O dia 30 de Outubro de 1884 é histórico para as artes plásticas angolanas. Pela primeira vez, um artista “indígena de Angola” mostrou publicamente as suas obras. Na exposição, Julião Félix Machado apresentou uma paisagem impressionista, “uma cena da vida no campo”, também impressionista, e uma aguarela, representado “As Armas da Cidade de Loanda”.

Dois anos antes, o seu irmão, Pedro Félix Machado, poeta e romancista, publicou em Lisboa o livro de poemas Sorrisos e Desalentos, onde se revelou um inspirado parnasiano. É também autor do romance Scenas d'Africa. Mas vamos apresentar aquele que foi o maior artista plástico angolano, até 1930, ano em que faleceu.

Julião Félix Machado nasceu em Luanda a 19 de Junho de 1863. Quando concluiu os estudos secundários, partiu para a Universidade de Coimbra e depois matriculou-se na Universidade de Lisboa. Não há notícia de que tenha concluído qualquer curso superior. Mas cedo mostrou excepcionais qualidades como pintor, desenhista e caricaturista. Foi aluno do pintor José Malhoa e colaborou com Rafael Bordalo Pinheiro. Em 1888, seu pai, Félix da Costa, um dos mais ricos comerciantes de Angola, faleceu em Luanda. Julião herdou uma fortuna que dissipou na boémia lisboeta e a financiar jornais humorísticos.

O seu excepcional talento levou-o a ser aceite, de braços abertos, pelos membros do Grupo do Leão d’Ouro, entre os quais se destacavam Fialho d' Almeida, Rafael Bordalo Pinheiro ou Columbano. Por esta via chegou à imprensa liberal da época, como caricaturista. Colaborou nos jornais O Diabo Coxo, a Revista Ilustrada, Comédia Portuguesa, Diário Ilustrado e Pontos nos ii, entre outros. Quando surgiu a célebre revista Ilustração Portuguesa, suporte dos grandes mestres da fotografia, o nome do artista angolano figurou entre os colaboradores mais notáveis.

No início do Século XX, Julião Félix Machado foi para Paris, onde trabalhou como caricaturista na imprensa. Esta experiência foi mal sucedida e o artista angolano partiu para a Argentina, mas o navio fez escala no Rio de Janeiro e ali desembarcou. Em pouco tempo, revolucionou a caricatura brasileira. Os seus trabalhos foram publicados em periódicos importantes como a Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil ou O País.

No Brasil era o “número um” e a partir do Rio de Janeiro publicou trabalhos de elevada qualidade na imprensa internacional, sobretudo em jornais alemães, franceses e italianos. Quando regressou a Portugal trabalhou para os mais importantes órgãos da Imprensa Portuguesa, entre os quais o jornal O Século, ou o Comércio do Porto Ilustrado.

Julião Félix Machado, para além de caricaturista e ilustrador, foi igualmente cenógrafo, jornalista e dramaturgo. Faleceu a 1 de Setembro de 1930.

O primeiro jornal angolano (Boletim Oficial) nasceu em Setembro de 1845 e quatro anos depois, em 1849, o poeta benguelense José da Silva Maia Ferreira publicou o livro Espontaneidades da Minha Alma com o sugestivo subtítulo Às Senhoras Africanas. Em rodapé a marca importante: Loanda Imprensa do Governo 1949. A Imprensa Nacional tem a sua marca indelével no primeiro livro de poemas publicada em África, escrito por um angolano. O seu contributo para a Cultura Angolana é inestimável.

*Jornalista

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