quarta-feira, 21 de setembro de 2022

O ORIENTE VAI DOMINAR O MUNDO?

Pedro Tadeu* | Diário de Notícias | opinião

No princípio deste mês reuniu na cidade russa de Vladivostok o Fórum Económico Oriental, um evento anual que, no contexto da guerra na Ucrânia, tinha um particular significado - era mais um momento para aferir se a Rússia estava, ou não, isolada. O tema geral do Fórum foi este: "Rumo a um Mundo Multipolar". Nele participaram governos e empresários vindos de 68 países, afirmou a organização.

Nesse Fórum, Vladimir Putin aproveitou para dizer o que se segue: "O obsoleto modelo unipolar está a ser substituído por uma nova ordem mundial baseada nos princípios da Justiça e da Igualdade, bem como no reconhecimento do direito de todos os Estados e povos de seguirem o seu próprio caminho soberano de desenvolvimento. Poderosos centros políticos e económicos estão a ser formados aqui na Região do Pacífico-Asiático, atuando como força propulsora de um processo irreversível".

A clareza da mensagem, se dela retirarmos a fração propagandística e nos focarmos na substância, é óbvia: a Rússia está a tentar construir na parte oriental do mundo uma alternativa à globalização ocidental liderada pelos Estados Unidos.

A viabilidade dessa ideia teve uma ilustração reveladora a semana passada, em Sarcamanda, no Uzbequistão. Foi aí que aconteceu outra reunião anual, a da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), fundada em 1996 e que chegou agora ao estágio de estar a discutir formas de criar Zonas de Comércio Livre entre os membros: China, Rússia, Índia, Paquistão (o que, só por si, representa 39% da população do planeta), Cazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão, Quirguistão e Irão. Outros 11 países entregaram processos de candidatura à organização. Um deles foi o Afeganistão.

Os países-membros desta organização querem criar um "núcleo de estrutura eurasiana" capaz de coordenar políticas económicas de um quarto do PIB mundial e de 50 por cento da população do planeta... Isto é demasiado grande para ser sobranceiramente ignorado pelo Ocidente.

Há países-membros da OCX que defendem a substituição do dólar por outra moeda cambial (uma bomba atómica financeira), a formação de um cartel para controlo do gás natural, a criação de uma aliança militar anti-NATO e, até, o aumento de armamento nuclear entre os membros (Rússia, China, Índia e Paquistão já são potencias nucleares).

Nessa reunião no Uzbequistão, Vladimir Putin e Xi Ji Ping estiveram juntos, reafirmaram solidariedades recíprocas e algumas distâncias na questão da Ucrânia mas, mais importante do que isso, aprofundaram os detalhes do acordo de cooperação estratégica que tinham firmado mesmo antes de a guerra começar. Anunciaram também a construção de um gasoduto, o Força da Sibéria 2, em mais um rombo na tentativa de impedir a Rússia de exportar gás natural.

Um dos motores do aumento da influência chinesa nesta parte do planeta é, como se sabe, o projeto Belt and Road, a chamada Nova Rota da Seda, que leva a China a construir infraestruturas na Ásia Central de transportes, ferrovias, rodovias, pontes, portos, aerogares, ligações de internet, outras comunicações, passagem de energia, água, construção de fábricas e um sem número de investimentos que vão tornar o comércio nessas regiões mais barato, mais rápido e mais diversificado.

A guerra da Ucrânia está, portanto, a acelerar uma grande modificação do mundo, cujos efeitos são difíceis de prever: há muitos constrangimentos e contradições nas relações entre estes países todos e, internamente, muitos deles não têm solidez e estabilidade política suficiente para garantirem posições duradouras e consistentes no quadro geopolítico. Por outro lado, alguns têm relações profundas com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha (a Índia, a chamada "maior democracia do mundo" é o exemplo mais destacado) e não arriscam deitar isso "borda fora". E o evoluir da guerra na Ucrânia e das relações EUA/China podem alterar todo este jogo.

Seja como for, este é o maior desafio que o Norte Ocidental (mais Austrália, Nova Zelândia e, como apêndice económico, Japão e Coreia do Sul) está a enfrentar desde que começou o caminho para dominar, militar e economicamente, todo o planeta, há uns 500 anos.

Mas aqui, no Portugal europeu, ignoramos estas notícias, respeitamos as restrições manipuladas da informação de guerra, não nos preocupamos nem discutimos temas tão longínquos. Preferimos, aliás, escabujar obcecadamente, durante duas semanas, sobre a morte da rainha Isabel II de Inglaterra - aparentemente o acontecimento mais importante do planeta...

...A alienação coletiva é um sinal de decadência?

*Jornalista

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