No papel de secretário-geral do PS, António Costa abriu as jornadas parlamentares a fingir que as críticas à sua governação se devem apenas a uma antipatia por maiorias absolutas.
AbrilAbril | editorial
Após ter anunciado um pacote de medidas tardias, limitadas e enganadoras (veja-se a alteração às pensões), que não resolvem os problemas com que os portugueses estão confrontados, António Costa foi a Leiria mostrar o que tem de melhor: a oratória.
Numa sobranceria típica de quem governa com maioria absoluta («Quem tem a maioria absoluta somos nós»), o primeiro-ministro recomendou o diálogo, mas advertiu os deputados do PS para que exercessem o seu mandato «sem complexos», que é como quem diz, de mãos livres para aprofundar uma política de desigualdades, procurando passar a ideia de que foi essa a opção dos portugueses a 30 de Janeiro.
Depois de uma campanha eleitoral a propalar medidas que fizeram a diferença na vida dos trabalhadores, como os novos passes, a gratuitidade dos manuais escolares ou os aumentos extraordinários das pensões, e que não sendo da autoria do Governo do PS, este levou por diante, precisamente porque não tinha maioria absoluta, António Costa tenta iludir agora sobre as políticas em curso recorrendo ao argumento da «estabilidade política».
Despudoradamente, o primeiro-ministro vai ainda mais longe ao afirmar que, nas anteriores legislaturas, os deputados do seu partido tiveram a experiência de ser «tolerados» pelas bancadas à sua esquerda e de levar «pancada» das bancadas à sua direita, e que a diferença, agora, «é que se leva pancada de todos os lados».
Curiosa a utilização do termo (pancada), semelhante ao utilizado numa reportagem do Público, no sábado, por famílias que já não sabem que mais voltas dar para contrariar a degradação da qualidade de vida. «Já estamos a levar outra cacetada», destacava a primeira página do diário. A frase é de uma mãe de três filhos, que acumula dois trabalhos para conseguir pagar contas, e que recebeu as medidas do Governo, centradas no mês de Outubro, com uma pergunta: «O resto do ano, como vamos viver?»
Indiferente à realidade dos pobres cada vez mais pobres, e de serem cada mais os que estão em risco de o ser, o primeiro-ministro, que neste pacote introduz «apoios» à infância independentemente do rendimento das famílias, recupera os resultados eleitorais de Janeiro para fazer de conta que tem a aprovação das políticas seguidas, pautadas pela manutenção do subfinanciamento de serviços fundamentais como a saúde ou a educação. Ao mesmo tempo, recusa-se a tomar medidas fundamentais, como o aumento dos salários e das pensões, com o argumento de que assim escalaria a inflação, da mesma forma que foge à ideia de taxar os que concentram a riqueza. Dizia Pessoa que «o poeta é um fingidor». A Costa falta-lhe apenas ser poeta.
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