Um senador que parte, os liberais que se reorganizam, a desistência de Boris e a política “made in Italy”
João Pedro Barros | Expresso (curto)
Bom dia,
O corpo de Adriano Moreira, que morreu ontem aos 100 anos, está a partir desta noite no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa,
seguindo-se amanhã o funeral, reservado à família. É a ocasião para a despedida
ao político, advogado e professor, cujo percurso pode merecer várias leituras –
o próprio, no congresso do CDS em 2018, admitiu que a sua geração “deixou uma
pesada herança” às que se lhe seguiram –, mas em que há um facto
indesmentível: a sua linha da vida acompanha as glórias e desventuras de
Portugal como nação.
Não por acaso, a Eunice Lourenço, a nossa editora de Política, fala de “um
século de Portugal” no título da biografia que pode ler no nosso site.
Adriano Moreira nasceu
Saneado após o 25 de Abril, regressa a Portugal em 1978 e junta-se ao CDS, do
qual foi presidente em tempo de vacas magras. Mas a sua capacidade de análise e
de estabelecer pontes entre vários intervenientes valeram-lhe um estatuto de
verdadeiro senador e a entrada no Conselho de Estado. Marcelo Rebelo de
Sousa condecorou-o, em junho, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões. Um sábio
generoso, descrevem Augusto Santos Silva, Mota Amaral e Paulo Portas;
ao longo do dia de ontem muitas outras figuras de relevo, como o ex-Presidente Cavaco
Silva, evocaram a memória de um “sábio” e “príncipe da política”.
Encerra-se um capítulo na história da Direita portuguesa, abre-se outro no
percurso da Iniciativa Liberal: o atual líder Cotrim Figueiredo abandona o cargo em dezembro,
não se recandidata e já deu o seu apoio ao deputado Rui Rocha para lhe
suceder. Através de uma publicação no Twitter, o homem sob cuja liderança o partido
passou de um para oito deputados justificou a decisão com uma necessidade
técnica de “sincronizar os mandatos de todos os órgãos” do partido, mas também
de uma postura “mais combativa, mais popular e mais abrangente a nível
nacional”, que não considera estar em condições de protagonizar. Questionado em entrevista na noite de ontem à SIC Notícias, recusou fazer
“psicanálise” sobre um possível “elitismo” da sua figura, queixou-se de falta
de espaço mediático do partido e frisou que tudo isto representa a forma de a
IL “fazer política”: “mostrar que não estamos agarrados aos lugares".
Ainda à Direita, no Reino Unido, a grande notícia é que não há notícia. Poderia
ter sido uma das mais rápidas “reciclagens” políticas da história da democracia
europeia, mas afinal Boris Johnson não vai concorrer à liderança do Partido
Conservador e, por inerência, ao cargo de primeiro-ministro. O
antigo chefe de Governo não reuniu os apoios públicos necessários e
reconhece que não é o “momento certo” para o regresso.
O ex-ministro das Finanças Rishi Sunak, que foi "finalista vencido” na
discussão da liderança do Partido Conservador com Liz Truss, no início de
setembro, confirmou que entra na corrida e parece estar muito
perto do número 10 de Downing Street. A pressão está do lado de Penny Mordaunt,
a outra candidata oficial, que na noite de ontem tinha apenas o apoio público de 30 deputados, segundo o “The
Guardian” - precisa de pelo menos mais 70 para ir a votos e o tempo
joga contra si.
Nesta digressão pelas direitas, não resisto a uma volta mais extrema por Itália,
onde os nomes parecem importar e muito. Giorgia Meloni, a nova
primeira-ministra, deu designações no mínimo originais a vários dos seus
ministérios: a menção à Família era mais ao menos previsível, mas já o
“ministério das Empresas e do Made in Italy” dificilmente estaria nas apostas. Perceba a semântica do novo Governo: é bem divertida
mas também há aqui um lado sério. O contexto dado pelo Rossend Domènech, o
nosso correspondente em Roma, permite perceber algumas das razões pelas quais é
tão difícil governar em Itália.
OUTRAS NOTÍCIAS
Triunfo ou embaraço? – Descodificamos o acordo de interligação energética entre
Portugal, Espanha e França em 10 perguntas e respostas, pela mão do
Miguel Prado. Ontem, Paulo Rangel, vice-presidente do PSD, desafiou Costa a discutir no Parlamento, na quinta-feira, o pacto anunciado
na quinta-feira entre Costa, Sánchez e Macron.
Aumentos da Função Pública – É hoje assinado um acordo plurianual entre o Governo e dois sindicatos para
as atualizações salariais durante a legislatura, que prevê um aumento médio de
5,1%. A Frente Comum fica de fora e já anunciou uma greve nacional para 18 de
novembro.
Lucros da Galp – Crescem 86% face aos primeiros nove meses do ano passado, para
608 milhões de euros. Ainda hoje, a NOS continua a temporada de
apresentação de resultados financeiros do terceiro trimestre.
Poupança – Apesar da subida das taxas de juros, a banca não mexe na
remuneração dos depósitos. Fique a saber o que o mercado oferece.
Portugal ajuda Ucrânia – A ministra da Defesa anunciou a participação portuguesa na futura missão de treino
da União Europeia para a Ucrânia, com uma Companhia de Atiradores e forças
especiais. Nas últimas da guerra, a Rússia contabiliza cerca de 25 mil
pessoas retiradas de Kherson e a Ucrânia acusa os russos de bloquearem acordo
sobre cereais.
Emergência médica – INEM demorou uma hora ou mais a acionar meios em mais
de mil chamadas entre janeiro e agosto; Liga dos Bombeiros Portugueses pediu auditoria a
socorro pré-hospitalar.
Puré pelo ambiente – Depois da sopa de tomate contra Van Gogh, pode ver como ativistas atiraram agora puré de batata a um
quadro de Monet na Alemanha.
Mini-documentário – Como Diogo Ribeiro, o prodígio da natação portuguesa, ganhou três
títulos mundiais juniores, quando ainda devia estar a recuperar de um
acidente de mota sofrido em 2021.
55 para os 26 - Estes são os pré-convocados de Fernando Santos para o Mundial,
segundo o "Correio da Manhã".
Investidores do Catar – “Queremos que o SC Braga se torne num PSG”, explicam à Tribuna Expresso.
Verstappen dá título à Red Bull – O piloto holandês venceu o Grande Prémio dos EUA e confirmou o título de
construtores da marca austríaca, que foi dedicado a Dietrich Mateschitz,
fundador e proprietário da equipa de Fórmula 1, que morreu no sábado, aos 78 anos.
FRASES
Quantos predadores sexuais e molestadores de crianças haverá escondidos atrás
de cortinas douradas? Aparentemente, nunca os suficientes para fazer a Igreja e
os seus crentes tomar uma posição séria.
Bordallo II, artista, sobre uma série de peças alusivas aos abusos sexuais na Igreja,
intitulada “Cruzes, Credo, Canhoto”
Pensei que se a nossa música estivesse ao alcance das pessoas, poderiam
escolher dar-lhe uma hipótese. Não foi bem assim. A culpa foi minha.
Bono, vocalista dos U2, em modo mea culpa sobre o facto de “Songs of
Innocence”, disco de 2014, ter sido descarregado automaticamente para os utilizadores do
iTunes, o que foi então alvo de muitas críticas
Esta semana vi uma fila de horas para uma loja de luxo em Lisboa. É um sinal de
grande decadência da sociedade.
A cantora Teresa Salgueiro ao “Posto Emissor”, podcast da Blitz
O QUE EU ANDO A LER
A celebração do centenário fez Agustina Bessa-Luís voltar às agendas dos
jornais e lembrou-me de que tenho em casa a primeira obra publicada da
escritora, “Mundo Fechado”. Mantinha a memória de uma frágil personagem, Pedro,
um “menino” da cidade a passar as férias de verão junto das tias, algures em
Amarante – na verdade, creio não haver nenhuma referência geográfica ao local
onde se passa o romance, mas sempre o imaginei nessa zona.
Ao folheá-lo, uma surpresa: está assinado pela autora. Lembrei-me depois da
situação: aquando da reedição da obra, em 2005, Agustina foi uma espécie de
madrinha de uma nova livraria e fui fazer a cobertura da cerimónia, como
estagiário do “Público”. Os jornalistas presentes tiverem direito ao livro, que
estou a reler com mais prazer do que então, se bem me recordo. É um
romance curto, de cento e tal páginas, que se lê de um trago e que indicia a
temática de “A Sibila”, que veria a luz do dia seis anos depois, em 1954. Se
não se sentir atraído pelo estilo, é melhor procurar outras paragens.
Permita-me uma segunda sugestão. Pode parecer que o fim da História previsto
por Francis Fukuyama no início dos anos 90 está mais longe do que nunca, mas o
pensador argumenta precisamente o contrário num excelente ensaio publicado na semana passada na "The
Atlantic” (em inglês). A teoria é simples e está muito bem
fundamentada: as democracias já passaram por crises graves ao longo das últimas
décadas e prosperaram sempre, porque, por muitos defeitos que tenham, vão
errar sempre menos do que autocracias como a Rússia e a China de Xi Jinping,
que Fukuyama mete no mesmo saco. Mesmo que não pense que as democracias
liberais são a pior forma de governo à excepção de todas as outras, este é um
ensaio fundamental para pensar o mundo de hoje. No final fica um grande ponto
de interrogação: e se Donald Trump regressa à Casa Branca em 2025?
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