segunda-feira, 24 de outubro de 2022

ADRIANO MOREIRA cativava pela inteligência, pelo carácter e honestidade intelectual

Um senador que parte, os liberais que se reorganizam, a desistência de Boris e a política “made in Italy”

João Pedro Barros | Expresso (curto)

Bom dia,

O corpo de Adriano Moreira, que morreu ontem aos 100 anos, está a partir desta noite no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, seguindo-se amanhã o funeral, reservado à família. É a ocasião para a despedida ao político, advogado e professor, cujo percurso pode merecer várias leituras – o próprio, no congresso do CDS em 2018, admitiu que a sua geração “deixou uma pesada herança” às que se lhe seguiram –, mas em que há um facto indesmentível: a sua linha da vida acompanha as glórias e desventuras de Portugal como nação.


Não por acaso, a Eunice Lourenço, a nossa editora de Política, fala de “um século de Portugal” no título da biografia que pode ler no nosso site. Adriano Moreira nasceu em plena I República, em Trás os Montes, e já com Salazar no poder esteve preso por defender, como advogado, um opositor do regime. Seria depois ministro do Ultramar no Estado Novo: a guerra colonial apanha-o no poder e manda reabrir o campo do Tarrafal, em Cabo Verde, para onde seriam enviados combatentes pela independência dos países africanos de língua portuguesa.

Saneado após o 25 de Abril, regressa a Portugal em 1978 e junta-se ao CDS, do qual foi presidente em tempo de vacas magras. Mas a sua capacidade de análise e de estabelecer pontes entre vários intervenientes valeram-lhe um estatuto de verdadeiro senador e a entrada no Conselho de Estado. Marcelo Rebelo de Sousa condecorou-o, em junho, com a Grã-Cruz da Ordem de Camões. Um sábio generoso, descrevem Augusto Santos Silva, Mota Amaral e Paulo Portas; ao longo do dia de ontem muitas outras figuras de relevo, como o ex-Presidente Cavaco Silva, evocaram a memória de um “sábio” e “príncipe da política”.

Encerra-se um capítulo na história da Direita portuguesa, abre-se outro no percurso da Iniciativa Liberal: o atual líder Cotrim Figueiredo abandona o cargo em dezembro, não se recandidata e já deu o seu apoio ao deputado Rui Rocha para lhe suceder. Através de uma publicação no Twitter, o homem sob cuja liderança o partido passou de um para oito deputados justificou a decisão com uma necessidade técnica de “sincronizar os mandatos de todos os órgãos” do partido, mas também de uma postura “mais combativa, mais popular e mais abrangente a nível nacional”, que não considera estar em condições de protagonizar. Questionado em entrevista na noite de ontem à SIC Notícias, recusou fazer “psicanálise” sobre um possível “elitismo” da sua figura, queixou-se de falta de espaço mediático do partido e frisou que tudo isto representa a forma de a IL “fazer política”: “mostrar que não estamos agarrados aos lugares".

Ainda à Direita, no Reino Unido, a grande notícia é que não há notícia. Poderia ter sido uma das mais rápidas “reciclagens” políticas da história da democracia europeia, mas afinal Boris Johnson não vai concorrer à liderança do Partido Conservador e, por inerência, ao cargo de primeiro-ministro. O antigo chefe de Governo não reuniu os apoios públicos necessários e reconhece que não é o “momento certo” para o regresso.

O ex-ministro das Finanças Rishi Sunak, que foi "finalista vencido” na discussão da liderança do Partido Conservador com Liz Truss, no início de setembro, confirmou que entra na corrida e parece estar muito perto do número 10 de Downing Street. A pressão está do lado de Penny Mordaunt, a outra candidata oficial, que na noite de ontem tinha apenas o apoio público de 30 deputados, segundo o “The Guardian” - precisa de pelo menos mais 70 para ir a votos e o tempo joga contra si.

Nesta digressão pelas direitas, não resisto a uma volta mais extrema por Itália, onde os nomes parecem importar e muito. Giorgia Meloni, a nova primeira-ministra, deu designações no mínimo originais a vários dos seus ministérios: a menção à Família era mais ao menos previsível, mas já o “ministério das Empresas e do Made in Italy” dificilmente estaria nas apostas. Perceba a semântica do novo Governo: é bem divertida mas também há aqui um lado sério. O contexto dado pelo Rossend Domènech, o nosso correspondente em Roma, permite perceber algumas das razões pelas quais é tão difícil governar em Itália.

OUTRAS NOTÍCIAS

Triunfo ou embaraço? – Descodificamos o acordo de interligação energética entre Portugal, Espanha e França em 10 perguntas e respostas, pela mão do Miguel Prado. Ontem, Paulo Rangel, vice-presidente do PSD, desafiou Costa a discutir no Parlamento, na quinta-feira, o pacto anunciado na quinta-feira entre Costa, Sánchez e Macron.

Aumentos da Função Pública – É hoje assinado um acordo plurianual entre o Governo e dois sindicatos para as atualizações salariais durante a legislatura, que prevê um aumento médio de 5,1%. A Frente Comum fica de fora e já anunciou uma greve nacional para 18 de novembro.

Lucros da Galp – Crescem 86% face aos primeiros nove meses do ano passado, para 608 milhões de euros. Ainda hoje, a NOS continua a temporada de apresentação de resultados financeiros do terceiro trimestre.

Poupança – Apesar da subida das taxas de juros, a banca não mexe na remuneração dos depósitos. Fique a saber o que o mercado oferece.

Portugal ajuda Ucrânia – A ministra da Defesa anunciou a participação portuguesa na futura missão de treino da União Europeia para a Ucrânia, com uma Companhia de Atiradores e forças especiais. Nas últimas da guerra, a Rússia contabiliza cerca de 25 mil pessoas retiradas de Kherson e a Ucrânia acusa os russos de bloquearem acordo sobre cereais.

Emergência médica – INEM demorou uma hora ou mais a acionar meios em mais de mil chamadas entre janeiro e agosto; Liga dos Bombeiros Portugueses pediu auditoria a socorro pré-hospitalar.

Puré pelo ambiente – Depois da sopa de tomate contra Van Gogh, pode ver como ativistas atiraram agora puré de batata a um quadro de Monet na Alemanha.

Mini-documentário – Como Diogo Ribeiro, o prodígio da natação portuguesa, ganhou três títulos mundiais juniores, quando ainda devia estar a recuperar de um acidente de mota sofrido em 2021.

55 para os 26 - Estes são os pré-convocados de Fernando Santos para o Mundial, segundo o "Correio da Manhã".

Investidores do Catar – “Queremos que o SC Braga se torne num PSG”, explicam à Tribuna Expresso.

Verstappen dá título à Red Bull – O piloto holandês venceu o Grande Prémio dos EUA e confirmou o título de construtores da marca austríaca, que foi dedicado a Dietrich Mateschitz, fundador e proprietário da equipa de Fórmula 1, que morreu no sábado, aos 78 anos.

FRASES

Quantos predadores sexuais e molestadores de crianças haverá escondidos atrás de cortinas douradas? Aparentemente, nunca os suficientes para fazer a Igreja e os seus crentes tomar uma posição séria.
Bordallo II, artista, sobre uma série de peças alusivas aos abusos sexuais na Igreja, intitulada “Cruzes, Credo, Canhoto”

Pensei que se a nossa música estivesse ao alcance das pessoas, poderiam escolher dar-lhe uma hipótese. Não foi bem assim. A culpa foi minha.
Bono, vocalista dos U2, em modo mea culpa sobre o facto de “Songs of Innocence”, disco de 2014, ter sido descarregado automaticamente para os utilizadores do iTunes, o que foi então alvo de muitas críticas

Esta semana vi uma fila de horas para uma loja de luxo em Lisboa. É um sinal de grande decadência da sociedade.
A cantora Teresa Salgueiro ao “Posto Emissor”, podcast da Blitz

O QUE EU ANDO A LER

A celebração do centenário fez Agustina Bessa-Luís voltar às agendas dos jornais e lembrou-me de que tenho em casa a primeira obra publicada da escritora, “Mundo Fechado”. Mantinha a memória de uma frágil personagem, Pedro, um “menino” da cidade a passar as férias de verão junto das tias, algures em Amarante – na verdade, creio não haver nenhuma referência geográfica ao local onde se passa o romance, mas sempre o imaginei nessa zona.

Ao folheá-lo, uma surpresa: está assinado pela autora. Lembrei-me depois da situação: aquando da reedição da obra, em 2005, Agustina foi uma espécie de madrinha de uma nova livraria e fui fazer a cobertura da cerimónia, como estagiário do “Público”. Os jornalistas presentes tiverem direito ao livro, que estou a reler com mais prazer do que então, se bem me recordo. É um romance curto, de cento e tal páginas, que se lê de um trago e que indicia a temática de “A Sibila”, que veria a luz do dia seis anos depois, em 1954. Se não se sentir atraído pelo estilo, é melhor procurar outras paragens.

Permita-me uma segunda sugestão. Pode parecer que o fim da História previsto por Francis Fukuyama no início dos anos 90 está mais longe do que nunca, mas o pensador argumenta precisamente o contrário num excelente ensaio publicado na semana passada na "The Atlantic” (em inglês). A teoria é simples e está muito bem fundamentada: as democracias já passaram por crises graves ao longo das últimas décadas e prosperaram sempre, porque, por muitos defeitos que tenham, vão errar sempre menos do que autocracias como a Rússia e a China de Xi Jinping, que Fukuyama mete no mesmo saco. Mesmo que não pense que as democracias liberais são a pior forma de governo à excepção de todas as outras, este é um ensaio fundamental para pensar o mundo de hoje. No final fica um grande ponto de interrogação: e se Donald Trump regressa à Casa Branca em 2025?

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