quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Angola | A MANIFESTAÇÃO DOS INORGÂNICAS E XANGUTEIROS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O 11 de Novembro de 1975 foi possível porque antes os angolanos derrotaram os invasores estrangeiros nas Grandes Batalhas do Ntó (Cabinda) e Kifangondo (Luanda). Onde estão os heróis que resistiram à guerra e aos anos? Ninguém sabe. Nem é preciso saber. Graças ao Presidente João Lourenço (e mais ninguém) Angola é um Estado Soberano. Hoje, 23 de Novembro de 1975, faz precisamente 47 anos, foi travada no Cuanza Sul a primeira grande batalha após a Independência Nacional. No Ebo as FAPLA e combatentes cubanos, liderados pelo comandante Arguelles, desbarataram as tropas invasoras.

Os heroicos combatentes angolanos e cubanos lutaram “bota com bota” contra o inimigo. Foi assim que o comandante António Faceira (Defunto) qualificou os combates de proximidade. Vários soldados sul-africanos, altos e loiros, foram presos durante a batalha e mais tarde mostrados em Adis Abeba, na sede da OUA (hoje União Africana). Para que África e o mundo soubessem que Angola estava a ser agredida pelo regime racista de Pretória, usando como capa os homens de Jonas Savimbi. O mundo ficou indiferente. Nem um protesto. 

Aa grandes potências mundiais não mandaram milhares de milhões para o Governo de Angola se defender do regime racista de Pretória. Nem armas. Essa factura foi paga inteiramente por Cuba, Jugoslávia e União Soviética. Mas Cuba em primeiríssimo lugar. Na Grande Batalha do Ebo morreram cubanos. O próprio general Arguelles morreu. Está sepultado no Cemitério do Alto das Cruzes, em Luanda, como grande filho de Angola que é. 

Naquele 23 de Novembro, se FAPLA e cubanos fraquejassem, se as tropas invasoras sul-africanas passassem, hoje Angola era um bantustão da África do Sul racista com a UNITA a fornecer a criadagem para fingir que era um país independente. Graças ao Presidente João Lourenço, hoje ninguém assinalou esta data histórica. Para quê? Angola só existe desde 2017.

A UNITA divulgou hoje um comunicado a lamentar a morte do artista Nagrelha. Eu também lamento. Sou fã dele ainda que não seja adepto do kuduro. O homem é que me interessa. O seu percurso, a sua figura. Contestatário, marginal, indomável. Revejo-me muito nele. Só me movo se for para me perder. Vou para onde meus passos me levam sem bússola nem Cruzeiro do Sul. Os meus passos é que me guiam, mais ninguém, nem os que tiveram pai, nem os que tiveram mãe. 

O Nagrelha tornou-se um defensor e apoiante do Presidente José Eduardo dos Santos. Quando muitos dos que tudo lhe devem se remeteram a um silêncio cobarde, o artista protestou. Gostei da sua coragem. Mas sobretudo apreciei a forma como deu uma lição aos possidentes que ostentam sinais exteriores de riqueza mas na hora da morte do seu benfeitor, taparam o aseu retrato e fingiram que não o conheciam de lado nenhum. Até quem ele colocou à cabeçada lista dos candidatos a deputados em 2017. Sô Santo morreu e trataram-no como um marginal. Pergunta, Viriato: Foi desamparo de Sandu ou é já própria da raça?

O funeral de Nagrelha foi uma impressionante manifestação popular. Não vá estar tudo a dormir ou nas casas de praia, lembro aos titulares dos órgãos de soberania (todos) que aqueles 55 por cento da abstenção mais os três por cento de votos brancos e nulos aproveitaram para sair à rua e mandar um recado a quem ganhou as eleições. Não duvidem! O kuduro não mobiliza tanta gente. O MPLA já mobilizou mas agora está tão longe das massas populares como o Sol da Terra. Ainda que vá iluminando. 

É pena. Quando o Comité Central e o Bureau Político foram alargados desmesuradamente eu aplaudi. Porque vi nessa decisão uma forma de aproximar a direcção do partido às bases. O afastamento era notório. Nas eleições de 2012, que o MPLA ganhou com 71,84% dos votos, encontrava-me no Mercado de São Paulo para cobrir uma acção de campanha do partido. Tudo muito distante, formal e nada caloroso. Uma senhora do grupo levava um lenço ao pescoço que custou mais caro do que o rendimento mensal das quitandeiras. 

Afinal não houve aproximação nenhuma. Pelo contrário, o fosso é ainda maior. Se querem saber a dimensão exacta, vejam quantos eleitores mobilizaram em todas as acções da campanha eleitoral e perguntem à Polícia Nacional quantas pessoas encheram a Avenida Deolinda Rodrigues e marcharam até ao Cemitério de Sant’Ana. Que grande tareia. É gente do MPPLA que virou as costas ao MPLA. 

A UNITA enviou os seus agentes provocadores para pegar fogo ao circo. Mas os distúrbios gravíssimos que aconteceram devem-se sobretudo ao fracasso do MPLA na mobilização popular. Sói não percebe quem não quer perceber. Só não vê quem não quer ver. Aquela multidão mostrou de uma forma exuberante a sua condição de contestatária às políticas do Executivo. Uma manifestação inorgânica que só aconteceu assim porque o MPLA está demasiado distante das massas populares.

Sem alarmismos nem tremendismos informo vossas excelências que a partir do funeral de Nagrelha todas as acções populares importantes serão inorgânicas. Todas podem descambar em tumultos e violência inusitada. Onde estão os activistas do MPLA? Onde estão os líderes locais do MPLA? Onde estão os dirigentes do MPLA que ninguém ouve a sua voz?

Não me venham dizer que aqueles tumultos foram obra de xanguteiros e liambeiros. Provavelmente há nisso alguma verdade. Mas em 1974 e 1975 existiam muitos xanguteiros e liambeiros mas o MPLA conseguiu organizar as massas populares, enfrentando vitoriosamente os esquadrões da morte. A guerra entre 1974 e 2002 também foi feita por xanguteiros e liambeiros. Não duvidem! Eram patriotas. Punham a Pátria e o MPLA acima de tudo, até do xanguto de boi branco do Cuando Cubango ou negro do Cuanza Norte (sou perito na matéria).

O MPLA tem de descer do Olimpo às bases. Andar na rua. Nos bairros. Ver as mesas vazias, as crianças doentes, os jovens na ociosidade, sem perspectivas de estudar ou trabalhar. Angola não se governa nos ecrãs das televisões, nas rádios e nos jornais. É lá, onde os problemas existem. O Presidente Agostinho Neto dizia constantemente: “Se alguém entrar numa delegação do MPLA com um problema, tem de sair de lá com ele resolvido ou em vias de solução. Seja quem for, porque estamos ao serviço do Povo Angolano”.

Alguém entra num comité do MPLA a pedir ajuda para resolver os seus problemas? Njongo-njongo. Ta makutu.

*Jornalista

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