Miguel Tamen, diretor da FLUL. Comprovado fóssil salazarista em imagem Google
A recente intervenção policial na
FLUL
O que aconteceu sexta-feira na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa trata-se, de facto, de violação
de uma reserva sagrada da democracia, que mancha gravemente a memória do Dia do
Estudante.
Miguel Dores* | opinião
Esta sexta-feira, os estudantes
associados ao movimento Fim ao Fóssil que ocupavam a Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa (FLUL) foram alvo de repressão pela Polícia de Segurança
Pública. O movimento estudantil Fim ao Fóssil, que visa alertar a sociedade
civil para o desastre climático, ocupou a escola António Arroio, o Liceu
Camões, a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o Instituto Superior
Técnico e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Contudo, apenas na
Faculdade de Letras o direito ao protesto foi suprimido com intervenção
policial «por desobediência à ordem de dispersão». A PSP foi chamada ao local a
pedido do diretor Miguel Tamen, após uma reunião da direção com os estudantes.
Esta intervenção tem mobilizado
muitos fazedores de opinião e personalidades do mundo académico contra Miguel
Tamen. Conscientes de que não é permitida a ação policial em universidades
portuguesas, acusam o diretor de um rompimento com a sacralidade do espaço
universitário que recorda os tempos fascistas da Crise Académica de 1962. Para
os que começaram hoje a questionar publicamente o monopólio da violência
legítima da polícia: bem-vindos. Mas é preciso olhar a brutalidade policial
como um todo, não apenas quando esta invade as cidadelas seguras do saber académico.
Para os que se ficam apenas por criticar Miguel Tamen, por ter deixado a
repressão legitimada da polícia reentrar nos safe spaces das
elites intelectuais, resta-lhes a hipocrisia.
A violência que está a
chocar a comunidade académica em sua domus acontece frequentemente em
alguns bairros suburbanos de Lisboa, não provoca escândalo nenhum, apesar de
ser uma desproporcionalidade ainda mais acentuada do que agora se verifica.
Muitas vezes não implica apenas a ordem de dispersão e a prisão injustificada
de jovens, implica também a depredação/dano do espaço público e privado, bem
como a agressão, a injúria e a morte, em ações absolutamente truculentas. Quem
frequenta piquetes de greve da CGTP-IN sabe também que a repressão policial
sobre a luta e a vida não começa aqui, começa à porta de grandes empresas, e
abate-se sobre as classes trabalhadores em defesa dos seus direitos.
O que aconteceu sexta-feira na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa trata-se, de facto, de violação
de uma reserva sagrada da democracia, que mancha gravemente a memória do Dia do
Estudante. O gesto de transposição de fronteiras consagradas da república e do
espírito crítico é característico dos sintomas mórbidos do fascismo. Mas será
também mórbido se os desmandos policiais começarem a ser discutidos a partir
daqui, onde as vidas e as lutas se tornam mais importantes do que aquelas
alicerçadas às zonas depauperadas e proletárias das cidades. Nestes espaços a
criminalização da pobreza, com vetores de perseguição étnico-racial, há muito
tempo tresanda ao odor bafiento dos velhos tempos, e ceifa diariamente os
anseios da juventude por um mundo melhor.
Os tempos revolucionários que nos
separam da crise de 1962, motivada por uma polícia fascista, obrigam-nos a
prevenir reproduções mecânicas de contextos. Os contextos que nos diferenciam
de estruturas policiais como a estadunidense e a brasileira também. Mas «não
esqueçamos o essencial», tal como apresentado por um carequinha insuspeito: «a
polícia em todo lado, em qualquer república – por mais democrática –, quando a
burguesia está no poder, permanecerá uma arma infalível, de comando e protecção
da burguesia.»1
*Publicado em AbrilAbril
*Miguel Dores (antropólogo, realizador). O autor
escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)
Nota:
1. V.
I. Lénine, «They Have Forgotten the Main Thing», em Collected
Works, Volume 24, Progress Publishers (Moscow, 1964), p. 350-353. Publicado
originalmente no jornal Pravda No. 49, maio 18 (5), 1917. Tradução do
autor do artigo.
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