segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Portugal | EMPAPADOS

Joana Amaral Dias* | Diário de Notícias | opinião

Portugal parece uma versão light e palhaça do filme Saló e os 120 dias de Sodoma, de Pasolini. O que esta Jornada Mundial da Juventude (JMJ) vem revelando é, de facto, a Pornografia do Poder num regime cada vez mais escatológico, dissoluto e perverso.

Ora, tudo junto e somado, antes que se meta Agosto e depois o Natal, a coisa deve custar uns 200 milhões. Mínimo. E é um Saló à portuguesa, com certeza; com muita porcaria. Procrastinação, défice de planeamento, desenrasca, descoordenação, chico-espertice, último-minuto, cunhas, amiguismos, desprezo pelos dinheiros públicos, parcerias lucrativas para os privados mas onerosas para os cidadãos, passa-culpas, opacidade, confusão, corrupção, muita excitação e depois, nada. Amanhã, daqui a uns meses, nada. O que será apurado? Que contas serão apresentadas? Que consequências serão tiradas? Sanções? Lições? Nada. Raspas. Zero. A próxima vaga de entulho virá.

Sim, neste país pequeno com a mania das grandezas, eis o papa-palco, mais um bicho feio e medíocre, estupidamente caro (já alguém percebeu a razão de custar tantos milhões?! ), inútil (que utilizações posteriores terá?), virado à nortada, cinzelado a soberba e estratificação social, um fartar vilanagem, ofensivamente opulento para cristãos, mau negócio para os agnósticos.

De resto, aliena crentes e laicos que, se criticaram os 7 mil milhões de euros gastos no Euro 2004, ou os 25 mil milhões de euros despejados para resgatar a banca privada, agora já não aguentam, não aguentam não, rejeitam mais um cêntimo incendiado na fogueira das vaidades ou no borralho dos conluios, fartos de tanta fajardice que começa a formar a gota que faz transbordar o copo, o sopro que rebenta a bolha, indisponíveis para continuar a tolerar estes assaltos à mão armada em plena luz do dia e que advêm ainda mais fartos quando não se trata de bola ou de betão, mas da espiritualidade. Milagre? Certo é que no país sem dinheiro para salários de jeito para médicos, professores, auxiliares, etc., afinal jorram euros para ostentações.

JMJ ou Faith Summit? Esta sociedade dos vendilhões do templo e tempo, onde sobra apenas o cidadão-audiência, o cristão-consumidor serve a quem? Estofa a conta da Mota-Engil, que tem como administrador o ex-líder de um dos partidos da coligação da actual Câmara (sendo a anterior, a da geringonça, que tudo aprovou), que é como quem diz - recheia também as bolsas da cúpula destes políticos de aviário e reforça ainda as portas giratórias. Realmente, ala esquerda e ala direita, asas do mesmo pássaro. Intactos ficam, claro, os privilégios da Igreja Católica Apostólica Romana em Portugal , desde os fiscais até à concordata, passando pelo mealheiro de Fátima, muito bem sumariados nesta frase de Carlos Moedas (e Milhões ): "Aquilo que for a vontade do Presidente e da Igreja eu farei". E assim se assume que a esta república basta ser apenas uma sacristia afinada por um papa-hóstias. "Num bosque florescente, os garotos só pensam no amor. Em ouvir a rádio, beber chá e para o inferno isso de ser livre. Eles não sabem que a burguesia nunca hesitou em matar seus filhos", diz o Duque no tal filme inspirado no Marquês de Sade. Que porca miséria.

*Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia

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