terça-feira, 7 de março de 2023

MEMÓRIA E LINGUAGEM DOS JORNALISTAS – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Memória todos temos e não é comprada nas grandes superfícies dos oligarcas do “ocidente alargado”. Pertence-nos de nascença e o manual de instruções tem apenas uma palavra: Usar! É a única ferramenta que faz falta aos jornalistas. Todos escrevemos de memória. Mas o grosso da manada não a usa nem quer usar. Recebem recados que depois transmitem acefalamente. Distraem, manipulam, falsificam. Lá se foi o Jornalismo que herdámos desde as mensagens rupestres e das Tábuas Brancas do império Romano.

O ministro russo das relações exteriores, Sergey Lavrov, esteve na África do Sul e numa conferência de Imprensa disse isto: “Apoiamos activamente o interesse dos países africanos em serem representados no G20 através da União Africana.  Vamos bater-nos por isso”. Cumpriu, juntamente com a Índia, China, Brasil e a própria África do Sul que, pela voz do Presidente Cyril Ramaphosa, apresentou a proposta ao plenário. 

A partir da Cimeira da Índia, a União Africana faz parte do G20 e com o mesmo estatuto da União Europeia. Esta decisão importantíssima foi ignorada. Os Media do “ocidente alargado” ousaram noticiar que a reunião deu nada! Nem sequer puxaram a memória atrás, citando a conferência de Lavrov na África do Sul. Assim matam o Jornalismo e destroem criminosamente a liberdade de imprensa, substituindo-a por omissões, mentiras e manipulações. 

A gramática dos jornalistas é muito simples. Nasceu com a Rádio e desde então continua aberta a novos contributos. Regra básica e suficiente: As mensagens informativas nos Media são compostas numa linguagem directa, substantiva e afirmativa, tendencialmente imperativa. Afirmamos de forma a eliminar todos os caminhos que vão dar à dúvida. A palavra “não” é proibida. Excepto se qualificar o sujeito. Adjectivos são proibidos. Os tempos verbais futuro e condicional são proibidos. Só podemos usar os verbos no indicativo. Tudo muito simples e acessível a todos.

Hoje uma desgraçada que é estrela da RTP, canal público português, entrou em directo no noticiário das 13 horas a partir de Kiev para falar do que estava a acontecer em Bakhmut, a 700 quilómetros! Começou assim: “Parece que está a acontecer…” Esta faltou às aulas quando ensinaram que a linguagem jornalística é directa, substantiva e afirmativa. 

Ian Bremmer, professor de ciências políticas da Universidade de Columbia, escreveu: “Não estamos numa guerra fria com a Rússia. Estamos numa guerra quente. Mas é uma guerra por procuração. E a OTAN está implicada diretamente. Estamos a lutar contra a Rússia através da Ucrânia.” O autor desta frase é cientista político, especializado em política externa dos EUA, Estados em transição e “risco político global”. Fundou e é presidente do Eurasia Group, uma empresa de consultoria e pesquisa de risco político com escritórios em Nova Iorque, Washington, São Francisco, Londres, Tóquio, São Paulo e Singapura. É colunista da Time. Portanto, não é um perigoso apoiante do Presidente Putin.

Memória. A democracia representativa e a economia de mercado têm regras sacrossantas que são impostas aos refractários à bomba e à lei da bala. Foi assim que o estado terrorista mais perigoso do mundo, o “ocidente alargado” e o seu braço armado, a OTAN (ou NATO), destruíram o Iraque e a Líbia, países cotados entre os dez maiores produtores de petróleo do mundo. Andam há anos tentando destruir a Venezuela, o país com maiores reservas petrolíferas no planeta. 

Eis a memória de algumas dessas regras e que eram bandeiras da globalização: Livre mercado, concorrência leal, livre iniciativa, inviolabilidade da propriedade privada e presunção de inocência. A guerra contra a Federação Russa por procuração passada à Ucrânia fez desmoronar todas essas orações ao deus capitalismo, sempre selvagem, sempre assassino.  Para os EUA manterem o domínio do mundo e preservarem o sistema unipolar vale tudo, até tirar olhos. Também matar refugiados famintos no Mediterrâneo. Erguer muros com centenas de quilómetros contra todos, fazendo do Muro de Berlim uma brincadeira de criancinhas.

Memória. Na Ucrânia as hordas nazis integradas por Zelensky nas forças de defesa e segurança usam civis como escudos humanos. Instalam peças de artilharia entre prédios habitacionais. Por isso demora tanto tempo a desnazificar e desarmar as cidades no Donbass. A União Europeia, pela voz de Úrsula von der Leyen e o belicista Borrell apresentam os crimes de guerra dos nazis ucranianos como “resistência heroica”. E pagam fortunas aos criminosos. O mundo virado ao contrário. Tudo lhes serve para manter a hegemonia dos EUA.

O general Nikolai Patrushev, secretário-geral do Comité de Segurança da Federação Russa visitou Havana e foi dar um abraço a Raul Castro, Herói da Humanidade na Luta pela Libertação dos Povos. Ninguém no “ocidente alargado” deu a notícia. Imaginem que a Federação Russa recebeu do Presidente Miguel  Díaz-Canel um pedido especial: Instalem mísseis hipersónicos e armas nucleares tácticas no nosso país. Imediatamente.

Memória. Entre 16 e 28 de Outubro de 1962 o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear porque o Presidente Nikita Khrushev, a pedido de Fidel Castro e em resposta à invasão da Baía dos Porcos, em 1961, protagonizada pelos EUA, decidiu instalar em Cuba mísseis nucleares. As rampas de lançamento começaram a ser construídas em Junho de 1962. O líder da União Soviética respondeu afirmativamente ao pedido de Fidel mas também aproveitou para responder aos EUA, que tinham instalado mísseis balísticos PGM-19 Júpiter em Itália e na Turquia, apontados à União Soviética sob a cobertura da OTAN (ou NATO). 

Tudo acabou bem. Mas hoje os mísseis da OTAN estão na Polónia, na Estónia, na Letónia e na Lituânia. Estão na Roménia e no Kosovo. Querem fechar o cerco colocando-os na Ucrânia. Encostados ao nariz dos russos. À porta de casa. Já não é lá longe, na Itália e na Turquia. 

A visita do general Nikolai Patrushev pode marcar o início da construção das rampas de lançamento de mísseis que em segundos reduzem a pó Washington ou Miami. Se os EUA podem encostar mísseis à cabeça dos russos, estes podem responder na mesma moeda. Vamos ver depois quais vão ser os argumentos para não aceitar que Cuba seja um grande lagarto verde estendido no mar, cheio de armas nucleares apontadas à cadeira de rodas do Biden. O mundo está mesmo muito perigoso. Puxem pela memória e vejam quantos países os EUA já destruíram só nos últimos 30 anos. E até agora, sempre na maior impunidade. Um dia vão pagar. Pode ser que o pagamento esteja para breve. Já faltou mais.

*Jornalista

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