quinta-feira, 6 de abril de 2023

Angola | MENTIRAS EM NOME DA RECONCILIAÇÃO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Uma mentira mil vezes repetida continua a ser mentira mas os nazis alemães usaram essa técnica para transformar monstruosas aldrabices em verdades. Ninguém diria que após a queda do III Reich o ocidente alargado ia repetir a invenção de Goebbels usando seus Rafael Marques, Rosado de Carvalho, Ernesto Bartolomeu e outros artistas da mistificação e da manipulação. Em Angola existem peritos com larga experiência no uso desse truque de ilusionismo. Entre nós chama-se reconciliação nacional. Até gente honesta embarca na aldrabice. Porque é fácil e não dá que pensar.

A Reconciliação Nacional começou com o nascimento de um amplo movimento político popular, no dia 10 de Dezembro de 1956. Pequenas organizações nacionalistas com várias opções ideológicas juntaram-se no MPLA. Sob essa bandeira libertadora reconciliaram-se nacionalistas tradicionais, nacionalistas revolucionários, comunistas, democratas cristãos e social-democratas. Todos unidos pela liberdade, pela justiça, pela cidadania.

No dia 4 de Fevereiro de 1961 rebentou a Revolução Angolana. A reconciliação permitiu que portugueses progressistas aderissem à causa da Independência Nacional. Não pensem que foi fácil. Os revolucionários superaram muitas barreiras que pareciam intransponíveis: Racismo, Regionalismo, Tribalismo e todas as outras taras do Colonialismo. 

A Reconciliação Nacional foi avançando à medida que a luta armada ganhava mais apoio popular. O MPLA foi o poderoso motor desse feito notabilíssimo. Mas também a UPA/FNLA que alargou a sua base social de apoio no Norte de Angola. As contradições raciais e tribais derrubaram a bandeira libertadora e tudo acabou num banho de sangue em Kinkuzu.

O Doutor Lucas Ngonda disse ontem na TPA que A FNLA desconseguiu porque os norte-americanos não gostavam de Holden Roberto. Mobutu não gostava de Holden Roberto. Por isso, depois do 25 de Abri, o partido desmoronou-se. O que começa mal, tarde ou nunca acaba bem. Em 1954, nasceu a União das Populações do Norte de Angola (UPNA). O Presidente Kwame Nkrumah, um dos fundadores do pan-africanismo, disse a Holden Roberto que isso de “norte” tinha uma grande carga regional. O melhor era cortar.

Em 1958, Holden Roberto apresentou ao mundo a União dos Povos de Angola (UPA) com o apoio entusiasmado dos EUA, a Bélgica e outras potências do ocidente alargadamente colonialista. A Grande Insurreição em 15 de Março de 1961 foi comandada pela organização nacionalista. Mais tarde nasceu a Frente Nacional para a Libertação de Angola mas foi apenas uma operação de cosmética. Nada tinha de “nacional”. 

Holden Roberto anunciou em 5 de Abril de 1962 (há 61 anos) o Governo da Resistência de Angola no Exílio (GRAE). Rapidamente se percebeu que era uma fina placa de verniz para encobrir regionalismo e tribalismo. O ministro dos negócios estrangeiros, Jonas Savimbi, deu uma conferência de imprensa no Cairo, na qual anunciou a sua demissão. Acusou a FNLA de racismo e tribalismo! A UPA/FNLA abandonou a bandeira da reconciliação nacional e nas eleições de 1992 ficou claro quer era uma organização irrelevante.

Entre a sua fundação e 11 de Novembro de 1975 Holden Roberto e a FNLA tiveram todo o apoio dos EUA e de Mobutu. Escondidos atrás do movimento, milhares de militares zairenses invadiram e ocuparam o Norte de Angola. Saquearam tudo, desde fábricas a roças, bancos, casas comerciais. Milhões de toneladas de café foram levadas para o Zaire. Tractores, camiões, tudo o que era equipamento foi roubado. O gado de raça do Planalto de Camabatela foi abatido ou roubado e levado para o país vizinho. 

Agostinho Neto chamou a esta ocupação e saque uma “invasão silenciosa do Norte de Angola”. Exigiu que as autoridades portuguesas (tinham a responsabilidade de defender as nossas fronteiras) tomassem medidas. Qual o quê! O alto-comissário Silva Cardoso era agente dos norte-americanos. O general Altino de Magalhães mandou retirar as tropas portuguesas das suas posições no Norte de Angola. Estrada aberta para a invasão que só foi silenciosa porque as tropas portuguesas não fizeram barulho. Partiram para Luanda de mansinho!

Ao contrário do que afirmou o Doutor Lucas Ngonda, Holden Roberto até à Independência Nacional tinha grandes amizades: EUA, Zaire de Mobutu, grandes potências europeias e os portugueses que no dia 25 de Novembro de 1975 derrubaram a Revolução dos Cravos. Não falsifiquem a História Contemporânea de Angola. Isso, sim, é contra a Reconciliação Nacional. 

No Morro da Cal, no dia 10 de Novembro de 1975, estava um português terrorista do Exército de Libertação de Portugal (ELP) chamado Jaime Nogueira Pinto, que agora é recebido em Angola com passadeira vermelha. Estavam os mercenários e as tropas do coronel Santos e Castro. Estavam os oficiais da CIA. Estavam os militares sul-africanos e seus canhões de longo alcance. Leiam o livro A CIA CONTRA ANGOLA escrito pelo oficial da organização, John Stokwel. Imaginem se eles gostassem de Holden Roberto. Até Nixon alinhava na coluna invasora que queria tomar Luanda antes do dia 11 de Novembro de 1975.

A FNLA foi derrotada porque a Reconciliação Nacional já estava num nível tão elevado que era impossível voltar para trás. Quando Agostinho Neto, em nome do MPLA, proclamou ante os angolanos e o Mundo o nascimento da República Popular de Angola, a Reconciliação Nacional atingiu o estádio supremo. Foi por isso que o Povo Angolano resistiu aos invasores estrangeiros. Foi a Reconciliação Nacional que mobilizou milhões de jovens para a Guerra pela Soberania e a Integridade Territorial. Foi a Reconciliação Nacional que permitiu o Acordo de Nova Iorque. Foi a Reconciliação Nacional que levou ao Acordo de Bicesse.

Agostinho Neto fez a paz no Norte de Angola com o ditador Mobutu porque sabia que estava respaldado pela Reconciliação Nacional. José Eduardo dos Santos foi aconselhado a não aceitar a retirada das tropas cubanas porque o estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA), em conluio com os racistas de Pretória, iam engolir Angola. Mas ele sabia que era o líder de um Povo reconciliado com a liberdade, a dignidade e a independência. Os militares cubanos até saíram antes do acordado! A luta do povo é invencível, Mussunda Amigo! 

O Presidente José Eduardo dos Santos deu a mão à da UNITA porque sabia que os traidores iam ser acolhidos numa Angola reconciliada com a sua História. As aventuras tribalistas seriam votadas ao fracasso porque existia já uma profunda consciência nacional.

Em Angola nunca existiu uma guerra civil. Esta aldrabice mil vezes repetida foi espalhada pelos EUA, pelos europeus e particularmente pelos trapaceiros da política e dos Media portugueses. Falam em guerra civil para negarem a Reconciliação Nacional que começou a 10 de Dezembro de 1956 e cujo edifício ficou concluído em 11 de Novembro de 1975. O estádio supremo da reconciliação foi atingido em 23 de Março de 1988, no Triângulo do Tumpo. 

Falar hoje de reconciliação nacional é negar a saga heroica do Povo Angolano. É cuspir na memória dos nossos Heróis e dos nossos Mártires. É desonrar Agostinho Neto. É um golpe baixo. Para desculparem os criminosos golpistas de 27 de Maio de 1977 servem-se da reconciliação nacional. Para tratarem os bandidos da UNITA como cidadãos falam de reconciliação nacional. É preciso ter coragem para mentir e manipular tanto!

A UNITA nasceu como unidade militar especial dos colonialistas para travar a luta armada conduzida pelo MPLA. Depois do 25 de Abril de 1974 Savimbi alugou as suas armas aos independentistas brancos! Quando foram derrotados, o criminoso de guerra vendeu-se aos racistas da África do Sul. O Presidente José Eduardo dos Santos deu-lhe a oportunidade de Bicesse. Invocou a reconciliação nacional e fez bem. Existia muita animosidade contra os traidores do Galo Negro.

Savimbi quando perdeu as eleições em 1992 partiu para o banditismo armado. Foi montada uma operação policial reforçada com as Forças Armadas Angolanas para repor a ordem. Em Fevereiro de 2022 esse cancro que afectava a Reconciliação Nacional foi operado com sucesso. Acabem lá com essa conversa da reconciliação nacional. Quem faz isso está a favor do banditismo político, mediático e social. Esse truque só serve para encher de dinheiro os bolsos dos chulos da UNITA disfarçados de políticos. Alguns como Chivukuvuku, Numa ou Adalberto da Costa Júnior já comeram em várias rondas. 

Ontem na TPA falaram muito do Acordo de Alvor. Chamaram quem nada sabe desse acontecimento ou nem sequer leu o texto integral assinado pelos três movimentos de libertação e pelo Governo Português. Uma informação. Que me lembre, ainda estão vivos dois repórteres fotográficos que cobriram esse acontecimento: Chi9co Bernardo e Piriquito. Não foram ouvidos. Jornalistas, só estou vivo eu. Chefiei a equipa da Emissora Oficial de Angola (RNA) destacada no Algarve.  Não dou entrevistas. Mas quem falou só disse disparates.

O Doutor Lucas Ngonda disse que MPLA, FNLA e UNITA tinham cada um o seu caminho e por isso o Acordo de Bicesse só podia dar errado. Quem tem responsabilidades na vida política angolana não pode dizer isto. Os três movimentos, antes de irem negociar os termos da Independência Nacional com a potência colonial, estiveram em Mombaça onde se entenderam com uma posição única. Um dos pontos acordados foi a realização de eleições até ao fim do Governo de Transição. 

Em Fevereiro de 1975, o alto-comissário Silva Cardoso recebeu ordens de Washington e declarou que era impossível realizar as eleições. Agostinho Neto, numa entrevista que me concedeu, publicada no Diário de Notícias (Lisboa) disse: “Temos de passar pelo crivo das eleições para sabermos qual é a representatividade popular de cada movimento”. Os amos da FNLA e da UNITA sabiam que o MPLA era o único movimento com expressão nacional. Em eleições ganhava com mais de 80 por cento dos votos. Por isso os futuros derrotados desencadearam a guerra nas ruas de Luanda e depois em todo o país. Eleições nem pensar!

Em 1992, MPLA, FNLA e UNITA participaram nas eleições. À Presidência da República concorreram José Eduardo dos Santos, Holden Roberto, Jonas Savimbi, Alberto Neto, Honorato Lando, Luís dos Passos (golpista do 27 de Maio de 1977 teve 58 mil votos!), Bengui João, Simão Cacete, Daniel Chipenda e os manos Vitória Pereira, Anália e Rui. Foi possível com estes todos e não era possível com três em 1975?

Partidos concorrentes em 1992 foram muitos. Além dos três de 1975, MPLA, FNLA e UNITA, concorreram o PRS, o PLD, o PRD (partido dos golpistas do 27 de Maio de 1977 associado aos restos da Revolta Activa elegeu um deputado!), PDP/ANA, PAJOCA, PNDA, PSD, PDLA, PDA e PRA. Cada qual tinha o seu caminho, Doutor Lucas Ngonda! Mas foram todos a votos e o acto eleitoral correu bem. Mas os derrotados da UNITA partiram para a guerra. Nunca quiseram nem querem eleições. Sabem que a Reconciliação Nacional os derrota logo à partida.

Em 1975, só não houve eleições porque o MPLA ia ganhar esmagadoramente. Como tem ganho sempre, mesmo em 2022, quando o partido ganhou enfrentando a tal frente patriótica unida constituída pela UNITA e seus apêndices. 

Um político cujo nome ignoro para não sujar as mãos, disse na T PA que os Media públicos são uma desgraça. Só o entrevistaram uma vez. Vou dar-lhe uma lição de borla. Os jornalistas só fazem entrevistas quando existe um vazio de informação. Esse político só existe quando há eleições. Não tem mais nada para dizer a não ser votem em mim. Entrevistá-lo para quê?

Outro político que tem o intestino grosso ligado ao cérebro disse que tem uma grande admiração pelo Presidente João Lourenço porque ele teve a coragem de desencadear a luta contra a corrupção. O pobre diabo vai receber mais uma ração de dinheiro sujo. Mas tenho uma má notícia para lhe dar. Esse “combate” rebentou com uma boa parte do empresariado nacional e deu o Grupo Carrinho, uma desnatadeira dos cofres públicos! Corrupçãom escolhida a dedo.

*Jornalista

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