A reunião da CEO da TAP "com um ou mais deputados do PS" na véspera da ida de Christine Ourmières-Widener a uma audição parlamentar é o tema da crónica de Daniel Oliveira no seu espaço habitual de Opinião na TSF. "Mesmo que seja menos original do que se pensa, é perversa", considera.
Daniel Oliveira* | TSF | opinião
"A resposta do secretário de Estado a um estranho e-mail da CEO para saber o que fazer com o voo do Presidente da República é inaceitável. A participação do mesmo secretário de Estado na resposta da empresa a um pedido de esclarecimento do seu próprio Ministério sobre a indemnização a Alexandra Reis é inconcebível", defende o jornalista.
Para Daniel Oliveira, estes episódios têm a mesma origem: "Qualquer decisão da gestão na TAP foi transformada num caso político. Os que agora lamentam a promiscuidade entre política e gestão exigiram-na. Quem não se recorda da absurda polémica sobre a frota de carros da empresa e a exigência de esclarecimentos ao Governo. A culpa do Ministério foi não só ter cedido a esta tentação, como ter levado ainda mais longe a confusão de planos. A tragédia da TAP é ter-se transformado numa questão partidária para quem a privatizou e para quem, dentro do PS, está concentrado na sucessão de Costa, que vai fazendo condenações seletivas a pensar nos seus sucessores. Foi por isto que Medina decidiu despedir a CEO que conseguiu bons resultados na TAP. Queria livrar-se do rosto que sobrava de um processo difícil. Um despedimento que, ironicamente, pode vir a determinar o seu futuro político."
De acordo com o comentador, a TAP "foi totalmente renacionalizada, porque, com desastrosa gestão privada e as circunstâncias económicas, a alternativa era a falência".
O cronista explica que a gestão pública "não só salvou a TAP, como conseguiu fazê-lo antes do previsto e com números melhores do que muitas companhias em iguais circunstâncias e com o mesmo tipo de apoios".
"Podemos contestar os meios - e eu contesto-os -, mas a gestão da TAP fez o que lhe foi pedido com pleno sucesso. Foram as ambições políticas do protegido de Costa e não o interesse da companhia que determinaram a saída da CEO", atira Daniel Oliveira, sublinhando que "é aceitável debater a nacionalização da TAP".
"Há quem ache que podemos dispensar uma companhia de bandeira e um hub, apesar de dependermos do turismo. É coerente com tudo o que se fez nas últimas décadas", refere, dando vários exemplos: "Porque não podia ser do Estado, a PT deixou de ser a empresa que mais investia em investigação e tecnologia em Portugal, a Cimpor quase desapareceu, os CTT passaram de marca prestigiada que dava dividendos ao Estado para exemplo de incompetência, a ANA cobra mais por taxas aos operadores e a EDP e a REN estão nas mãos do regime chinês."
"Condenando o país a servir à mesa e a arrendar as suas casas a turistas, resta a denúncia dos escândalos aos defensores ideológicos deste rumo sem qualquer projeto económico, agora que já se vendeu tudo o que havia para vender", sustenta o jornalista.
Daniel Oliveira diz que se o debate fosse sobre a TAP, "dificilmente poderíamos ignorar o rumo de milhões com o negócio dos Airbus ou os aviões alugados à Azul, ou o lastro de pré-reformas, assessorias e salários milionários deixados por uma gestão privada que se limitou a engordar a TAP, sem que a isso correspondessem resultados e que, à primeira dificuldade, estendeu a mão ao Estado, porque nem um cêntimo seu lá queria deixar".
"E não poderíamos ignorar que o objetivo da nacionalização da TAP foi cumprido. A comissão parlamentar de inquérito que estivesse interessada na TAP teria dois temas a debater: o primeiro eram as decisões políticas de privatizar ou renacionalizar a TAP com a avaliação objetiva dos resultados, o segundo seriam as decisões que tenham lesado o Estado e a TAP", reflete o comentador.
Segundo Oliveira, a indemnização a Alexandra Reis "é seguramente um exemplo na gestão pública". Já o "negócio ruinoso dos Airbus é outro na gestão privada".
"Nesta comissão não caberiam acusações e insinuações promovidas pela lavagem de roupa suja entre duas gestoras sobre decisões que nem sequer foram tomadas. Só que para quem impôs uma privatização ideológica e malsucedida é indispensável ignorar os resultados para poder concluir que, apesar deles, a gestão pública não resulta, porque precisam de manter intactos os seus dogmas e porque não podem dar esta vitória ao Governo", Governo esse que "também não a queria por não ser a mais conveniente para a parte que interessa na luta interna do PS".
O comentador admite que foi assim que os responsáveis por "uma privatização feita à pressa" por um "Governo sem futuro" conseguiram que os resultados, "que era o que realmente interessava, fossem ofuscados por tudo o resto".
"Contaram com a ajuda de Pedro Nuno Santos, que, além do episódio que levou à sua demissão, não conseguiu, vendo a TAP politicamente cercada, resistir a envolver-se em assuntos de gestão. Contaram o ministro Fernando Medina, que demitiu uma CEO com bons resultados, contribuindo para secundarizar o que era relevante e garantindo que os conflitos internos na administração ganhassem dimensão política. E contaram com uma comunicação social para quem o essencial é sempre secundário. Era importante cercar o que se conseguiu na TAP, como sempre a incompetência política do PS deu uma preciosa ajuda", finaliza.
* Texto redigido por Carolina Quaresma
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