segunda-feira, 12 de junho de 2023

Angola | Caminhos Paralelos e Gasolina do Carrinho – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os ministérios das Finanças e dos Transportes emitiram um comunicado hoje e reconhecem a existência de problemas criados pelo aumento do preço da gasolina. Mas estejam descansados que vamos resolver tudo. Hoje (quarta-feira) seguem os cartões de abastecimento para as províncias. Vão ser emitidos 23.000 para taxistas, kupapatas e pescadores. De fora ficam os camponeses que precisam tanto da motorizada e do triciclo! Mas já é bom que uma ministra e um ministro reconheçam os erros. O ideal era que não os cometessem porque já custaram vidas humanas e essas, o FMI não consegue avaliar nem converter em dólares.

Bento Kangamba já veio pedir calma. Isso quer dizer que o MPLA entrou em campo e está disposto a sujar o equipamento até a vitória ser do povo. Nos gabinetes pouco ou nada se resolve. Espero que o dirigente do partido vencedor d as eleições, com maioria absoluta, seja ouvido. Não pelos prejudicados que protestam mas por quem toma medidas importantes em cima do joelho, criando problemas graves onde eles não existiriam. Haja bom senso e conhecimento mínimo da realidade.

Os membros do Executivo garantiram publicamente que todos vão receber o dinheiro que agora pagam a mais pelo litro da gasolina. Muito bem. Mas desconhecem que a esmagadora maioria dos beneficiados não tem dinheiro para suportar essa despesa extra que surgiu de repente. Em Angola, milhões de pessoas comem com o dinheiro que ganham no próprio dia. Não tenho números exactos mas sei que são uma parte maioritária da população. Isto para não incluir quem não come todos os dias. 

Se a tesouraria da Sonangol está nas lonas, imaginem Dona Vera e companhia, como vai o bolso dos milhões de angolanos que vivem da zunga. Ou mesmo dos que têm salário certo. Porque os salários são tão baixos, tão injustos, que a esmagadora maioria dos assalariados trabalha para ser pobre. Cada vez mais pobres. Estamos a sofrer muuuiiiinnnnntoooo!

A economia informal é um problema gravíssimo. Sei disso desde que me foi explicado o fenómeno por Emanuel Carneiro, meu colega dos tempos de estudante e à época ministro das Finanças. Dizia ele que para Angola não sucumbir era preciso ter coragem para desmantelar as redes da kamanga e parar a maquineta da economia paralela. E em 1991 ele estimava que mais de 80 por cento da população angolana activa vivia na economia informal. Uma realidade sem soluções fáceis, dada a magnitude do problema.

Portanto, desde 1991 que sei, pela voz de um especialista, que temos de acabar com a economia paralela antes que ela acabe com o país. E isso exige medidas drásticas, algumas dolorosas e impopulares, Por isso mesmo quem governa tem de agir com tacto, sabedoria, sensibilidade social e sobretudo conhecer a realidade nacional na sua diversidade. Os problemas de Luanda são diferentes dos problemas do Cuando Cubango e estes são diferentes dos problemas de Benguela. Cada região tem a sua identidade e seus problemas específicos.

Os descontos no preço da gasolina são para os transportadores e pescadores. Os camponeses pelos vistos andam de Lexus e são milionários. Que paguem a gasolina ao preço ditado pelos problemas de tesouraria da Sonangol, como simpaticamente anunciou Dona Vera.

Os funcionários públicos de todo país estão empobrecidos e muito. Que tirem do bolso os fundos necessários para resolver os problemas de tesouraria da Sonangol! À noite, quando chegam a casa depois de amassados nos transportes públicos formais ou informais, depois de horas nos engarrafamentos, dizem para a família: Isto vai de mal a pior! Agora temos de comer menos porque a Sonangol está com problemas de tesouraria.  

Esta medida garante a Dona Vera o Nobel da Economia. Uma qualquer publicação vai nomeá-la campeã mundial das Finanças e assim, em termos de títulos, fica ao nível do chefe que é campeão da paz. De campeã em campeão vamos indo até ao último suspiro.

A cantilena da moda é esta: Todos têm que pagar impostos! Paguem os impostos! Estou 100 por cento de acordo. Quando os habitantes de Luanda deixaram de pagar a factura da água avisei: Um dia não temos água em casa nem os que pagam nem os que não pagam. Porque não há dinheiro para manter os sistemas operacionais.

Quando os habitantes de Luanda alegremente deixaram de pagar a factura da luz eu avisei: Um dia destes ninguém tem luz, nem os que pagam nem os caloteiros. Porque não há dinheiro para a manutenção das redes. O mesmo com as telecomunicações. Das habitações nem se fala. Hoje há prédios a cair por falta de manutenção e mau uso. Aí está o resultado. Há demasiados consumidores que não pagam, não cuidam da manutenção ou simplesmente fazem ligações ilegais, os chamados “gatos”.

A mana Benvinda do Sumbe vai à praia comprar peixe e vende a mercadoria na praça da rua. Mas isso não chega para dar de comer aos filhos. O marido já há muito e basou. Então começou a fazer bolinhos à noite para vender de dia. Como vamos colectar esta contribuinte? industrial de panificação e confeitaria? Vai passar facturas aos clientes e cobrar IVA?

A Ieta tem uma menina que entrou agora na escola privada porque a pública malé malé malé. Além do seu trabalho habitual (empregada doméstica) conseguiu ajuda para comprar uma pequena arca. Uma senhora ensinou-a a fazer gelados. Ela comprou mukua, leite e outros ingredientes. Começou a fazer gelados que vende na rua. Industrial de restauração? O mano Armando é militar. Deu surra nos zairenses, nos mercenários, nos karkamanos e nos bandidos da UNITA. Um camarada de armas, bem-sucedido, convenceu-o a ganhar dinheiro com o negócio da água. Fabrica barras de gelo que vende ao pessoal da zunga. Industrial de frio?

A minha amiga Carol vai trabalhar todos os dias de Talatona para a Baixa de Luanda. Faz vaquinhas com colegas e até desconhecidos para aliviar a conta dos combustíveis no final do mês. Industrial de transportes? Sim temos que acabar com a economia paralela. Mas antes é preciso pôr a economia formal a funcionar. Se querem mesmo acabar com o problema. Outra solução é contratar os assassinos da UNITA e matar quem anda a trabalhar sem pagar impostos, fazendo concorrência desleal a quem os paga. Assim Angola fica com meia dúzia de habitantes e a Dona Vera consegue pôr todo o mundo a pagar impostos. O grupo maravilha também vai receber cartão de desconto da gasolina para o carrinho? Só pode!

*Jornalista

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