terça-feira, 13 de junho de 2023

Angola | ENTREVISTA A UM PASSARINHO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Hoje fui visitado por um morto falante. Apareceu a esvoaçar em impulsos de asa tipo catuituí e poisou no meu nariz batata-doce. Pedi-lhe, polidamente, que fosse poisar nos galhos do professor doutor advogado jurista editor escritor vendedor Benja Satula. O passarinho soluçou, engoliu em seco e disse-me num tom quase inaudível: Eu sou o amante da Solange Faria. Tenho coisas muito interessantes para revelar. Quero ser entrevistado. 

E eu, mesmo reformado dessas coisas do jornalismo preparei o papel e a caneta. Vamos a isso.

Apaixonei-me pela psicográfica entrevistadora necrologista Solange quando ela deu o nó com o Satula. Ele cortou-me a luz. Aqui onde estou não vejo nada. Disse à minha amada psicografite que era melhor matarmos o nosso amor à nascença. Mas ela reagiu mal. E eu fui para a frente. Os filhos do Satula são meus filhos. O dinheiro do Satula é o meu dinheiro. O advogado sou eu. O Satula é o cozinheiro e lavadeiro da minha amada Solange O Satula é capado. Nem viagra o salva. Mas finge que é macho. Aqui onde estou sozinho não há luz. O sacana do ministro da energia é amigo do Satula e cortou-me a luz. O gerador está avariado. Foi o Adalberto que mandou vandalizar a máquina de dar à luz. Escuridão. Salvem-me da solidão. Salvem-me da escuridão. 

O passarinho bateu as asas, passou o bico pelo peito e continuou: 

A Solange é uma tarada. Convenceu o Satula amatar-me. E ele, fraco, matou mesmo. Estou aqui morto, na escuridão. Nem os anjos caídos em desgraça me dão confiança. Tenho encontrado o Savimbi mas ele também se queixa da falta de luz. Vai convocar uma manifestação de protesto porque não o deixam fazer fogueiras e queimar mulheres. Ele quer muito queimar a Solange mas tiraram-lhe a lenha e os fósforos. Vai abrir aqui uma Jamba.

Como foi isso do 27 de Maio, passarinho?

Justino Pinto de Andrade! Também matou o Ricardo Melo e o Nfulupinga Vítor. Ainda ontem falei com o maninho Miala e ele confirmou. Todos mortos pelo deputado da UNITA. Aqui onde estou é só escuridão. O paraíso não é o que dizem. Este condomínio é gerido pelos gajos da Cidade do Kilamba. Água nada, luz foi. Capim nos jardins. Carros nos passeios. Elevadores avariados. Aqui onde estou é muita escuridão. Quero a minha Solange. Estrou cheio de tesão. Mas não me mandem o Satula esse assassino capado, frouxo, invertido, infectado pelo vírus da sida, fonte perene de covid, fossa de maldades. Aqui onde estou é só escuridão. Estou sozinho. Nem o Savimbi se comove com a minha solidão. Passa os dias a convencer Dona Isabel Paulino que foi o Abílio Camalata Numa que a enterrou viva.

A maka da gasolina vai acalmar, passarinho?

Minhas filhas, meus filhos, não se zanguem comigo. Eu engordei o Satula e outros bandidos doutorados. O Jacques dos Santos é testemunha, foi comigo muitas vezes assistir às cenas de sexo ao morto com a Solange para depois escrever um romance pornográfico. Perguntem ao soldado motorista do RI20 quem é esse Satula danado. Ele também sofreu muito. E quando morrer já me prometeu que vai dar uma entrevista. Quer dizer ao mundo como subiu a corda a pulso, de soldado e amanuense até membro da Academia Angolana de Letras. Isto é uma escuridão. Perdoem-me. A solidão dói. Estamos a sofrer muito. O Savimbi me disse que vai extinguir a UNITA e fundar a União dos Matadores de Angola (UMA). Quer que eu seja secretário-geral mas desisti da política. O Satula é mau. Tirou-me tudo até a Solange psicosexista arrependida. Ela é que punha os cornos e eu é que levei os tiros do Satula sidoso, piolhoso que nem os dirigentes da UNITA, quando foram salvos da morte nas matas do Leste, pelo Presidente José Eduardo dos Santos. Aqui é uma escuridão, Tenho medo do escuro.

Passarinho acabou a entrevista. Estás a exagerar e o Satula só quer sacar divisas para trocar por kwanzas no paralelo. A Solange é boa menina. Só avia dois mortos por dia. Vai-te daqui. Voa para o teu paraíso e não me comprometas.

Passarinhos e entrevistas à parte fiquei chocado com o discurso de João Lourenço na tomada de posse do ministro de estado José de Lima Massano. Manda a boa educação e o sentido de estado dar uma palavra de agradecimento ao anterior titular da pasta. Nada. Nem uma palavra. Para o caso do secretariado da Presidência da República se ter esquecido de informar o chefe, informo eu.

Manuel Nunes Júnior dedicou toda a sua vida ao MPLA. É um quadro valioso do MPLA. É dirigente do partido há muitos anos. Membro do secretariado do Bureau Político. Serviu Angola como presidente da Associação dos Estudantes do Ensino Superior. Director da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto. Foi membro do Governo várias vezes. Deputado. O Presidente da República pode ignorar um camarada que esteve com ele mais de uma década na direcção do partido. Pode ignorar o companheiro de luta. Mas não poder ignorar o seu ministro de Estado para a coordenação Económica, até ontem.

Manuel Nunes Júnior serviu o Executivo de João Lourenço desde 2017. Cometeu erros? Esqueci-me de perguntar ao passarinho que me apareceu como espírito de um corneador, mas sei que sim, o erro faz parte da natureza humana. Manuel Nunes Júnior já nada mais tinha para dar ao Executivo? Admito que sim. Mas serviu a causa pública. Merece respeito e consideração de todos e particularmente do presidente em exercício até 2027. Ao ignorá-lo nas suas palavras de circunstância, João Lourenço deu de si uma imagem muito negativa. Se trata assim os colaboradores próximos e os camaradas, imagino como trata os outros.

Para desfazer possíveis equívocos tenho uma declaração a fazer. Falei uma vez, durante uns segundos, com Manuel Nunes Júnior. Foi-me apresentado, na sede do MPLA, pelo meu saudoso amigo e camarada Paulo Jorge. Nunca mais nos encontrámos. Não me deve nada. Não lhe devo nada. Nunca me pediu favores. Nunca lhe pedi favores. Respeito-o e admiro-o pelo que é. Sobretudo por ser dirigente do meu partido. Nada mais que isso.

Confirmei que é um homem valoroso pelo Riquinho. Assim que foi púbica a demissão de Manuel Nunes Júnior, o analfabruto que torrou milhões aos cofres públicos por intermédio do MPLA, logo se apressou a saudar o acto presidencial. Depreendo que foi Manuel Nunes Júnior que acabou com aquele escândalo de fazer do Riquinho um novo-rico arrogante e abusador. Mais um ponto na consideração que devo ao dirigente do meu partido. Obrigado, camarada Manuel Nunes Júnior. Por ter dedicado grande parte da sua vida a Angola e ao MPLA. 

*Jornalista

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