sexta-feira, 30 de junho de 2023

COMO O GRUPO WAGNER CONTINUARÁ EM ÁFRICA?

A presença russa em África está intimamente ligada ao Grupo Wagner. Mas com o motim dos mercenários de Prigozhin, os laços foram quebrados e não deixará de ter repercussões nos países africanos em crise.

A incerteza é palpável nas ruas de Bamako, a capital do Mali. Há menos de três anos que os golpistas tomaram o poder no Estado saheliano e iniciaram assim uma viragem política: da França e dos parceiros ocidentais para a Rússia. Os cidadãos acolheram com entusiasmo a entrada do grupo Wagner no país. Ainda recentemente, o Mali recusou-se a prolongar a missão da ONU no país. Mas depois de Yevgeny Prigozhin ter levado os seus mercenários para Moscovo e, assim, ter rompido abertamente com o Presidente Vladimir Putin, seguiu-se a desilusão.

"Nem o Governo russo consegue controlá-los", comenta um transeunte no microfone da DW sobre o motim do grupo Wagner. "O que é suposto fazermos agora? Isto mostra que este exército não é controlável, é muito perigoso para nós". E uma mulher acrescenta: "Os malianos concordaram com Wagner que vêm salvar-nos! Se agora o nosso novo parceiro, a Rússia, está em conflito com eles, isso assusta-nos muito!".

A Rússia mantém a presença de Wagner em África

Moscovo, por seu lado, tenta mostrar continuidade. Seguindo a linha do Kremlin de desvalorizar a insurreição de Prigozhin, o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov também comentou as actividades de Wagner em África: o grupo estava a fazer um bom trabalho no Mali e na República Centro-Africana, disse Lavrov numa entrevista à emissora estatal russa RT, na segunda-feira, reiterando que esta implantação iria continuar.

Dois dias depois, o tom é um pouco mais distante, mas pelo menos sem valores: cabe aos próprios países africanos decidir se continuam a cooperar com Wagner, diz uma porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. O porta-voz do Presidente russo, por seu lado, afirma que os formadores russos continuarão a estar activos na República Centro-Africana, mas que não têm nada a ver com a empresa Wagner.

Um olhar mais atento sobre as actividades da empresa em África revela a razão de tais declarações: coopera onde há matéria-prima - e Wagner controla o negócio. Para o Governo de Vladimir Putin, não há dúvida de que tem de continuar, conclui o antigo deputado centro-africano Jean-Pierre Mara: "Precisa do ouro da África Central, do ouro do Mali, para financiar a guerra, por isso nada vai mudar", diz Mara numa entrevista à DW. "Mas não é claro se serão os mesmos actores".

A historiadora russa Irina Filatova descreve a relação da Rússia com o Grupo Wagner em África como uma situação em que todos ganham, com Wagner a beneficiar do prestígio da Rússia e das armas russas. "A relação é muito parecida com o padrão das companhias comerciais europeias no século XIX", diz Filatova à DW, traçando paralelos com os tempos coloniais - sejam eles britânicos, alemães ou franceses: "Recebiam um mandato do respetivo Estado, agiam de forma independente, mas o Estado beneficiava da sua presença em África".

Mali: 100 milhões de euros para Wagner

Mas como é que esta nova presença russa se manifesta? Em poucos anos, oGrupo Wagner, sob a direção de Yevgeny Prigozhin, estabeleceu-se firmemente em vários países africanos em conflito. Entre eles, o Mali: imagens de satélite do aeroporto de Bamako comprovam a presença do Grupo Wagner no início de 2022. O Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais identificou aqui uma nova base militar, construída no final de 2021, que testemunhas oculares confirmaram servir de base ao grupo.

Na altura, já circulava um valor: dez milhões de dólares americanos (cerca de nove milhões de euros). Era este o montante que o governo militar do Mali estava aparentemente disposto a pagar aos mercenários por mês. Calculado numa base anual, este valor representa mais de 100 milhões de euros no orçamento nacional, cerca do dobro do que o Ministério da Justiça tem disponível para 2023, ou três quartos do orçamento dos transportes. Em 2022, um aumento de 71,5 mil milhões de francos CFA para o serviço de informações maliano ANSE aparece num relatório governamental - uma soma que corresponde praticamente aos 100 milhões de euros.

Mas o regime está atualmente sob sanções internacionais, incluindo da aliança económica da África Ocidental, a CEDEAO, o dinheiro está a esgotar-se e o Mali está em dívida para com a Wagner. No entanto, várias fontes indicam que o grupo obteve acesso a várias minas de ouro no país.

República Centro-Africana: Dependência total

Na República Centro-Africana (RCA), onde um acordo de paz abrangente só foi alcançado em fevereiro de 2019 sob o comando do Presidente Faustin Archange Touadéra, após décadas de guerra civil, as cordas do Grupo Wagner vão ainda mais longe. Aqui, de acordo com vários observadores, penetram em muitas áreas lucrativas do Estado, como o sector petrolífero ou - como no Mali - o negócio do ouro. Uma empresa canadiana e uma sul-africana perdem as suas licenças, uma empresa malgaxe - próxima da Rússia - obtém uma nova concessão.

Mas há também influência a nível pessoal: desde 2018, o próprio Presidente Touadéra está sob a proteção de mercenários wagnerianos. Os seus conselheiros há muito que incluem um homem com laços mais estreitos com o chefe de Wagner, Prigozhin.

Paul Crescent Beninga, representante da sociedade civil centro-africana, observa isto com preocupação: "A República Centro-Africana não está a lucrar com estes desenvolvimentos", diz à DW. "Pelo contrário, quem ganha são os russos." É precisamente a forma como o Grupo Wagner interfere nos assuntos políticos internos que o preocupa: "Chegámos a um ponto em que isto mina a capacidade do Estado centro-africano de conduzir a sua política sem pressões", diz Beninga.

O antigo ministro Adrien Poussou, autor de um livro intitulado "A África não precisa de Putin", emite um duro veredito: "O Presidente Touadéra é refém de Wagner e sabe-o", afirma Poussou numa entrevista à DW. "Por isso, apesar da rebelião abortada do grupo de Wagner, a situação permanece num impasse até que uma potência ainda maior interfira na dança."

Um porta-voz do governo da República Centro-Africana desdenha claramente os críticos que afirmam que o governo não controla a situação: "É tudo um disparate".

Então, para onde vai o negócio Wagner a partir de agora em África? Tudo indica que o negócio é demasiado lucrativo e também demasiado importante para que Moscovo o abandone. A historiadora Irina Filatova, que tem feito muita investigação sobre as relações Rússia-África, salienta que a empresa Wagner inclui uma rede de sub-empresas. "Podem ser renomeadas ou operar sob a mesma marca - podem atuar de forma independente". E, no entanto, diz, a forma como cada um destes grupos se posiciona no futuro depende inteiramente do destino do patrão, Prigozhin. "E isso está completamente em aberto".

Deutsche Welle

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