sexta-feira, 21 de julho de 2023

Angola | As Crónicas da Paixão – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Um Acordeão Clamando na Gélida Floresta de Concreto é nome de crónica, género metade jornalismo metade literatura pelo qual tenho um amor de perdição. Esta de que vos falo invade o espaço literário até ao coração da arte. A pérola foi publicada no mesmo jornal que dois dias antes publicou um texto onde alguém garatujou isto: “Aos 23 anos, o jovem Israel Campos já é referência do jornalismo não só no seu país, mas também no mundo em geral”. 

A autora deste delírio (um jornalista só está feito com um mínimo de dez anos de profissão) vai mais longe no insulto aos profissionais do Jornalismo Angolano e afirma que o genial moço “tem um invejável trajecto na profissão, iniciado aos 12 anos”. Este pessoal que vive à custa dos diamantes de sangue da UNITA não tem limites na aldrabice e na manipulação.  Um roboteiro pode começar a trabalhar com 12 anos. Um lotador. Um engraxador. Um servente. Jornalista só pode exercer a profissão se for maior. E a maturidade profissional leva muitos e muitos anos. Algumas e alguns nunca a atingem.

O mesmo jornal serve-me uma das melhores crónicas que já li e a propaganda de um desgraçado que aos 12 anos já era jornalista. O mundo é mesmo assim. Voltando ao amor de perdição. Fui companheiro de Redacção dos cronistas Ernesto Lara Filho, Bobela Mota, Luís Alberto Ferreira e Jaime Azulay, o autor da crónica “Um Acordeão Clamando na Gélida Floresta de Concreto”. Em Portugal trabalhei com Baptista-Bastos, Manuel António Pina e Eduardo Guerra Carneiro. Este era o que mais invadia os terrenos da Literatura. Aos primeiros segundos de um ano qualquer comemorou o Ano Novo suicidando-se. 

Alberto “Pepino” era uma figura de Benguela. Ele e a sua inseparável bicicleta. Faleceu e os sobreviventes homenagearam-no criando uma prova ciclista com o seu nome. Agradeço a distinção a um homem que conheci, com quem convivi e muito admirava. Carlos Gouveia (Goia) era um grande angolano. Um benguelense dos pés à cabeça. Nasceu em cima de uma bicicleta. Em 1972, por acção de Filipe Neiva e Orlando de Albuquerque, publicou “Utanha Watua” (poemas). Ernesto Lara Filho e este vosso criado declamámos as suas crias, altas horas no Bar Guimarães, graças à generosidade do Zé que não nos punha na rua.

Manuel Berenguel iniciou a sua carreira profissional no Jornalismo Desportivo. Cobriu o Grande Prémio Nocal com grande sucesso. Falava das bicicletas e dos ciclistas empolgadamente. Um tesouro da Rádio. Mais tarde foi o produtor e apresentador do programa A Voz Livre do Povo, do qual eu era o realizador. Ninguém escreve ao Goia e ao Manel! É a voz de um apaixonado pela crónica clamando no deserto. Sísifo teve mais sorte.

No deserto vão nascer centrais de energia solar. Em todo o sul de Angola. O negócio foi entregue ao estado terrorista mais perigoso do mundo e o Presidente João Lourenço, na inauguração da Feira Industrial de Luanda (FILDA), agradeceu muito ao presidente Joe Biden por ter mandado 900 milhões de dólares para nos sacar 900 mil milhões. Tenho uma má notícia para sua excelência. Um técnico do sector disse-me que esse dinheiro dava para montar centrais em todo o país a sul do Cuanza. E uma empresa portuguesa (de capitais chineses) é barra na matéria. Das melhores do mundo!

No dia em que entrar na Assembleia Nacional o processo de destituição do Presidente João Lourenço apresentado pela UNITA eu vou para a porta manifestar-me contra. Faço um banzé que as senhoras e os senhores deputados vão arrepender-se de ter nascido. E quem votar a favor da destituição é traidor. Estão a ver por que razão o sistema democrático está bloqueado enquanto existirem os sicários do Galo Negro? Até temos que apoiar João Lourenço!

 O senhor José Barata, da Deloitte, apresentou em Luanda um estudo intitulado Banca em Análise. Entre a assistência, na mesma mesa de uma ministra, estava Jaime Nogueira Pinto, um nazi fascista. Integrado no Exército de Libertação de Portugal (ELP) foi responsável por milhares de civis mortos no Norte de Angola. Era um dos bandidos que estava no Morro da Cal para entrar triunfalmente em Luanda, no dia 11 de Novembro de 1975. O assassino do ELP vem a Luanda e estendem-lhe a passadeira vermelha. Come à mesa dos ministros. Para recuperar do choque vou ler outra vez “Um Acordeão Clamando na Gélida Floresta de Concreto”. 

O secretário-geral da ONU, António Guterres, porta-se como um vulgar propagandista do estado terrorista mais perigoso do mundo. Seu criado às ordens. O rato de sacristia disse que o fim do acordo do Mar Negro que permitia escoar cereais da Ucrânia, ia causar fome no mundo. Num ano foram exportadas 32 milhões de toneladas, sobretudo milho. Grande parte dos grãos ficou nos países ricos. África tem um bilião e 300 milhões de habitantes. A Ásia tem 4,6 biliões de habitantes. A América do Sul e Caraíbas são 500 milhões. 

Só um aldrabão desvairado pode dizer que a falta de 32 milhões de toneladas de cereais vai causar a fome no mundo! No mesmo ano a Federação Russa enviou para África e a Ásia dez vezes mais do que a Ucrânia exportou para os ricos. 

E quanto aos fertilizantes, António Guterres nunca condenou o atentado terrorista contra o oleoduto de amoníaco Togliatti-Odessa no dia 5 de Junho, em território controlado pela Ucrânia. O secretário-geral da ONU até hoje nunca condenou atentados terroristas da Ucrânia, como o que aconteceu na ponte da Crimeia, que matou um casal e feriu gravemente sua filha. Tenho que ler novamente a crónica de Jaime Azulay.

Ao longo da vida vou coleccionando crónicas que me tocam. Deste autor tenho quatro. Um dia destes, quando me sair o euromilhões ou fizer um negócio milionário com o Presidente João Lourenço, publico todas. O livro vai chamar-se Crónicas da Paixão. Antes de morrer, Ernesto Lara Filho pediu-me para recolher e publicar as suas melhores crónicas. Andei cinco anos a cumprir esse castigo mas por fim publiquei o livro “Crónicas da Roda Gigante”, onde também incluí algumas reportagens do mestre. 

No livro Crónicas da Paixão também vou incluir peças de Ruben Braga (Os Trovões de Antigamente), brasileiro, que entrevistei em 1980, no Rio de Janeiro, quando andava atrás das crónicas de Ernesto Lara Filho na imprensa brasileira. Sobretudo uma entrevista que fez a Jânio Quadros. Ruben e Lara Filho são os melhores cronistas de Língua Portuguesa. Já mereço o meu pedaço de pão. Se não merecer que se lixe. Leio outra vez “Um Acordeão Clamando na Gélida Floresta de Concreto” e mando a conta ao Jaime Azulay, o mago do Morro do Sombreiro.

*Jornalista

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