Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
A União Europeia e outros países europeus resvalaram para envolvimento ativo no belicismo. Contra a guerra todos devemos envolver-nos: os países, as forças políticas, os trabalhadores e suas organizações, os povos com todos os movimentos que puderem utilizar. É uma obrigação, o que implica também uma condenação constante do terrorismo e da sua promoção direta ou indireta. Discernir sobre os agressores e os agredidos, tratando-os de forma bem distinta, é imprescindível. Até se compreende que, em contextos concretos, se tome partido perante os beligerantes em causa.
O belicismo é outra coisa. É fazer leituras a preto e branco e só dar espaço a ser por mim ou contra mim, para justificar a guerra. É ignorar a história, abrindo espaço ao fanatismo e reduzindo o começo de tudo ao último ato do inimigo. Belicismo é negar o universalismo e colocar os direitos dos cidadãos subjugados ao investimento na guerra; e o valor da vida humana do inimigo a valer zero, para atribuir à nossa o valor supremo.
É impor apenas duas leituras possíveis sobre cada situação: a do “Bem” (que é a do nosso grupo); e a do “Mal” (que é a do inimigo). Assim se institui o ódio e se justifica o aniquilamento do outro, provocando-o se necessário. Ao persistirem no belicismo, há países que podem tornar-se inviáveis.
A Europa entrou nesta deriva e as duras consequências aí estão. A economia de guerra, conjugada com a imposição da cartilha neoliberal, estilhaçará rapidamente o designado modelo social europeu, uma das conquistas de que nos orgulhamos. Os direitos sociais universais (na saúde, ensino, proteção social, justiça, habitação) estão a ser reduzidos a “esmolas” e a serviços mínimos. Assim se ampliam, também, áreas de negócio imoral.
Os direitos do trabalho e os salários regridem, ampliando as injustiças e, por consequência, o alimento das guerras. Quem tiver dúvidas, leia os fundamentos da criação da OIT em 1919 e da Declaração de Filadélfia de 1944. Ficará estarrecido com o lamaçal em que nos encontramos.
No plano das liberdades e garantias, elementos estruturantes das sociedades democráticas, os rombos são talvez ainda mais acelerados. A censura aí está em força.
Nos espaços da Comunicação Social dominante ou se repete de forma “rigorosa” e absolutamente acrítica, a verdade do “Bem”, que é o grupo de países a que pertencemos, ou somos suspeitos de pertencer ao inimigo.
Na Alemanha e noutros países, participar em manifestações de defesa da vida e de solidariedade humana pode ser razão para perseguições e prisão. Até as afirmações, absolutamente intocáveis, do secretário-geral das Nações Unidas são atacadas, obrigando-o a vir afirmar, com toda a razão, que é mentira dizer-se que ele não denunciou e condenou o terrorismo. Haverá alguma forma de se conseguir defender e conciliar, como é necessário, os interesses e anseios dos povos de Israel e da Palestina na base de meias-verdades, ou ignorando a sua história? Os Estados Unidos da América podem contribuir para a resolução daquele conflito. Todavia, tem algum rigor tomar aquele país por ator neutro nesse conflito?
No imediato, com a avalancha conservadora e fascista que varre o Mundo, as afirmações de António Guterres podem ser desvalorizadas e a inverdade ganhar. Todavia, quer a mensagem do passado dia 17 quer a sua intervenção desta semana no Conselho de Segurança são alertas profundos contra o belicismo e as suas causas. A democracia na Europa ganharia muito se os líderes europeus o ouvissem e abandonassem seguidismos em que andam metidos.
* Investigador e professor universitário
Cartoon: O Meu Quintal
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