quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Angola | Racismo e Xenofobia de Estado – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Ismael Mateus, membro do Conselho da República nomeado pelo Presidente João Lourenço, publicou um texto no Jornal de Angola com conteúdo racista e xenófobo. O título do repositório dos crimes de ódio é sugestivo: “Invasão Muçulmana”. A partir daqui o autor manipula factos para levar os leitores a concluírem que sim, em Angola existe uma gravíssima invasão de muçulmanos. Esperei até este momento por uma reacção a tão graves crimes mas o silêncio é de ouro, vale mais do que o Corredor do Lobito.

No Conselho da República têm lugar a Presidente da Assembleia Nacional. Nem uma palavra sobre a “invasão dos muçulmanos”. O senhor Procurador-Geral da República, Hélder Pita Grós, também é membro do Conselho da República. Sabe que os crimes de ódio não necessitam de queixa. Os seus serviços deviam imediatamente informar a opinião pública de que Ismael Mateus ia responder em Tribunal pelos seus crimes gravíssimos, mais graves ainda quando praticados num país que viveu durante séculos a discriminação racial e a ocupação estrangeira. Mais grave é impossível.

Leiam este naco da prosa de Ismael Mateus, membro do Conselho da República; “Há muito que segmentos da sociedade angolana têm dificuldades de perceber que caminho o Governo angolano pretende seguir no caso da ‘invasão muçulmana’ em Angola. A estratégia da não-decisão, silêncio, indecisões e a falta de medidas de contenção que, aparentemente, foi adoptada pelo Governo acaba sendo também uma forte mola impulsionadora da invasão silenciosa de imigrantes muçulmanos de países islâmicos”. 

Isto é xenofobia e racismo. Islamofobia (repugnância, satanização e repúdio dos muçulmanos) primária inadmissível muito menos manifestada por um membro do Conselho da República escolhido pelo Chefe de Estado. Um texto criminoso publicado num Media público! É grave.

Ismael Mateus no seu texto criminoso faz insinuações torpes como esta: “As cantinas e lojas de bairro, baptizadas como ‘cantinas do Mamadou’ representam o campo avançado de uma operação mais complexa e com inúmeras facilidades das autoridades”. Só faltava mesmo a teorias da conspiração religiosa contra Angola!

Querem um exemplo gritante de xenofobia e racismo? Leiam o que escreveu Ismael Mateus: “Os hábitos e padrões de vida angolanos que deveriam ser a cultura dominante estão gradualmente a ser substituídos por costumes e padrões religiosos e culturais dos muçulmanos, como se vê em bairros inteiros de Luanda.” João Lourenço colecciona pessoas assim: Agualusa, Rafael Marques, Ismael Mateus mais outras e outros ainda piores.

Segundo o criminoso autor deste vómito de ódio, “As jovens mulheres angolanas, viúvas ou esposas de maridos desempregados ou caídos na bebedeira, decidem converter-se ao Islamismo para que possam ser segundas e terceiras esposas de um mamadu. A poligamia é aceite no Islão quando as circunstâncias sociais o tornam necessário”. Pois. Em Angola também. O soba do Dambi tinha sete mulheres. Sabem porquê? Era dono de muitas propriedades, tongas e lavras, precisava das mulheres para cultivá-las: café, ginguba, batata-doce e mandioca. Em Angola há minorias sociais onde a poligamia é uma brincadeira de crianças comparada com os haréns dos muçulmanos.

Ismael Mateus lavra a sentença: “Trata-se, realmente, de uma invasão que hoje atinge todas as províncias do país e, quiçá, todos os municípios. Nas grandes cidades, existem bairros inteiros sob domínio cultural e económico dos mamadus”. E lança a pergunta final: “Perante estes processos em curso de afirmação (até dominação) da religiosidade e de culturas islâmicas, é difícil de acreditar que tanta permissividade, tanto silêncio seja inocente. É grave demais para ser mera inépcia. Mas não sendo inocente, qual é a estratégia do Governo angolano para a invasão muçulmana?”

O reverendo Luís Nguimbi, homem de honra e que muito considero, a profetiza Suzete João, igualmente mulher honrada e de respeito (sou amigo da família) como se sentem perante estes crimes racistas e xenófobos praticados por um membro do Conselho da República? Tenho a certeza de que se sentem muito mal. Um dia também eles podem ser perseguidos por não praticarem a religião do Ismael Mateus.

O Artigo 41° da Constituição da República consagra a liberdade de consciência, religião e culto. É consagrado também o direito de um cidadão se declarar objector de consciência. Eis o texto integral: 1. A liberdade de consciência, de crença religiosa e de culto é inviolável. 2. Ninguém pode ser privado dos seus direitos, perseguido ou isento de obrigações por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política. 3. É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei. 4. Ninguém pode ser questionado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou práticas religiosas, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis.

Um membro do Conselho da República cospe na Lei Fundamental e mancha todos os restantes membros manifestando crimes de ódio como o racismo e a xenofobia. Ismael Mateus escreve que ninguém sabe quantos muçulmanos existem em Angola. Não sabe porque não quer. Porque lhe convém lançar a atoarda. Eu sei. Basta consultar o Censo de 2014 e está lá, muito claro, que existência de 103,000 muçulmanos em Angola. Consultando as organizações islâmicas conhecidas verifiquei que hoje existem 800,000 muçulmanos entre angolanos e expatriados. Estes são quase todos africanos do Norte e do Centro do continente.

Já agora e não vá o conselheiro de João Lourenço voltar à carga com crimes de ódio e perseguição religiosa, informo que em Angola há 350 judeus (grupo Judeu Chabad-Lubavitch) entre angolanos e estrangeiros residentes, que são a maioria.

Em Angola existem, que eu saiba, as instituições Conselho Islâmico e Fundação Islâmica de Angola. Ao todo existem 300 mesquitas (lugares de culto). Voltemos ao Censo de 2014. Da população angolana 41,0 por cento segue a religião Católica Romana e 38,0 por cento a religião Protestante. Agnósticos e ateus são 12,0 por cento. Os restantes 9,0 por cento são animistas, muçulmanos, judeus e outras confissões religiosas.

O Conselho da República dá lugar a Ismael Mateus assumidamente racista e xenófobo. Contra a liberdade de religião. O seu texto no Jornal de Angola é prenúncio da nova política de Estado.

* Jornalismo

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