sábado, 18 de novembro de 2023

O Desgosto e as Lágrimas do Jacaré -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Em Angola seres humanos revelaram o melhor e o pior da Humanidade. De Portugal veio uma lufada de Liberdade com o 25 de Abril de 1974. Uns dias depois estávamos afogados em sangue. Esquadrões da morte ao serviço dos independentistas brancos mataram milhares de pessoas nos musseques de Luanda. Mas também no Lobito, Benguela, Lubango e Huambo. Jovens angolanos que prestavam serviço militar obrigatório na tropa portuguesa, deixaram tudo para defender os oprimidos. O falecido Aferes Carvalho foi o rosto deste movimento. 

As tropas portuguesas abandonaram as suas posições no Norte de Angola. Tropas zairenses, mercenários e o Exército de Libertação de Portugal (ELP) comandado, pelo coronel Santos e Castro, invadiram toda a região. Ocuparam e saquearam. No sul, Angola foi invadida pelas tropas do regime racista de Pretória, reforçadas com o Esquadrão Chipenda e a UNITA. Queriam criar um novo país a Sul do Cuanza! Ou a Sul do Cunene.

Face à invasão estrangeira, Agostinho Neto e seus camaradas da direcção do MPLA pediram socorro a Cuba. Milhares de cubanos vieram combater para Angola. Morreram em Angola pelos angolanos. Não há na História Universal tão belo exemplo de amizade e solidariedade. Cuba é muito, muito longe. Estive com Moracen, Puenteferro, Espinoza, Otero e tantos outros em Cabinda. Arguelles no Cuanza Sul. Ochoa no Cuando Cubango. Aquele capitão sem nome que me salvou a vida nos Morros de Samba Caju.

O líder, tão senhor de si, tão cheio de confiança, na hora da Vitória, num clima de Liberdade, disse-nos que só seríamos livres e dignos, quando fossem livres os povos da Namíbia, Zimbabwe e África do Sul. Ninguém hesitou. Agostinho Neto sempre soube tirar de cada um de nós o melhor que tínhamos. Todo um povo seguiu o líder, ajudando a liberar a África Austral do maior crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade, o regime de apartheid da África do Sul. Enquanto o Povo Angolano dava esse exemplo único de solidariedade, a UNITA lutava ao lado dos racistas assim como lutou ao lado dos colonialistas. Pior é impossível.

O Povo Palestino está a precisar dessa solidariedade. Mas não tem quem lha dê. Ontem o Presidente Xi Jinping apertou a mão ao assassino Joe Biden. Ficou com as mãos manchadas do sangue de milhares de crianças, mulheres, idosos e civis inocentes. Deu um aperto de mão ao genocida da Palestina. 

Os países islâmicos reuniram-se em Riade e o melhor que tiveram para dizer ao povo vítima de genocídio, foi que não reconheciam a Israel o direito de defesa porque é a potência ocupante. Líderes corajosos! A Palestina arde e eles apagam o fogo urinando para a fogueira. Do Irão e da Turquia sopram palavras indignadas contra os genocidas. Mas a limpeza étnica em Gaza e na Cisjordânia atingiu tal dimensão que conversa não chega. Nada vale. Fogo combate-se com fogo ainda mais nutrido. Bombas contra bombas.

Ontem as tropas de Israel lançaram panfletos sobre o sul da Faixa de Gaza aconselhando as populações a refugiarem-se porque iam bombardear toda a região. Há 20 dias obrigaram mais de um milhão de palestinos a fugirem do norte para o sul! Desta vez os bombardeamentos mataram uma menina de 12 anos, portuguesa. Seu irmão, de cinco anos, português. E a Mamã de ambos, de 35 anos, portuguesa. Da família só ficou uma menina com três anos e o pai, Ahmed Ashour, cidadão português.

As crianças e sua Mamã faziam parte de uma lista de portugueses, fornecida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, a evacuar prioritariamente. Mas foi só conversa. Ninguém mexeu um dedo para tirar aqueles portugueses do teatro de genocídio.

O ministro dos negócios com os estrangeiros, Gomes Cravinho, soube em Bissau da morte das duas crianças e sua Mamã na Faixa de Gaza. No hotel da capital guineense chamou os jornalistas e fez esta declaração ameaçadora: “Em nome de Portugal transmiti ao meu homólogo israelita desgosto em relação a estas mortes”.

Ninguém imaginava o que aí vinha. A Guiné está em alerta vermelho. Com o desgosto, Gomes Cravinho começou a chorar, chorar, chorar. As lágrimas foram tantas que a ilha de Bubaque e todas as outras ilhas do arquipélago de Bijagós desapareceram, tal foi a subida do nível da água do mar. O que fazer?

Tirar o senhor ministro de Bissau num barco, impossível. O desgosto continua e as lágrimas também. O navio vai ao fundo. De avião é impossível. O peso das lágrimas vertidas não deixa a aeronave levantar voo. A protecção civil da Guiné regista inundações por todo o lado. Tanto desgosto do Cravinho! O Tio Célito, também em Bissau, enviou as condolências à família das duas crianças portuguesas assassinadas com sua Mamã, no bombardeamento dos nazis de Telavive. Nem uma palavra de condenação. Ninguém espere mais dos filhotes de fascistas e colonialistas. A mentalidade de capataz ou governador dificilmente se apaga com beijinhos e fotografias para mais tarde recordar.

Nestas coisas temos que ser directos, substantivos e afirmativos. A Europa, com Portugal à cabeça, fez do tráfico de escravos o negócio mais rentável durante séculos. Tiveram tripas e coração para vender seres humanos. Os países europeus com os EUA congeminaram o colonialismo puro e duro. Ocupantes. Opressores. Matadores. Ladrões. Bandoleiros, peritos em todas as formas der banditismo. Puseram de pé, estas políticas monstruosas com base no racismo. Consolidaram o eurocentrismo xenófobo e racista. 

Em Angola até os brancos nascidos na colónia eram brancos de segunda! Nove de cada dez governantes no ocidente alargado são supremacistas brancos. Os palestinos têm uma cor esquisita. Falam uma língua estranha. Genocídio na Palestina não é grave. Porque os genocidas são brancos e os genocidas são assim-assim. Quem não é “branco puro”, marcha para as valas comuns. Eu não aceito este mundo de genocidas e racistas.

O Jornal de Angola publica textos escritos segundo as regras do “novo acordo ortográfico”, ao qual Angola não aderiu. E nem sequer informa o leitor que vai ler um texto fora das regras da Língua Oficial. Os Media angolanos não podem fazer tal concessão. Esta posição não é radicalismo, é apenas dignidade. Aa regras ortográficas não podem ser usadas à vontade do freguês. Hoje fui surpreendido com um texto, assinado por Manuel Rui, redigido nas regras ortográficas que Angola não subscreveu. Alguém tem de explicar ao autor (ou ao editor?) que Angola é um Estado Soberano, independente há 48 anos. Imperdoável!

* Jornalista

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