Artur Queiroz*, Luanda
Documentos secretos dos racistas da África do Sul aos quais tive acesso, serviram de fontes à reportagem que hoje partilho, porque é tempo de por os pontos nos “is” e os traços nos “tês”. A UNITA, partido que lidera a Oposição, tem um passado tenebroso, desde que combateu ao lado dos colonialistas contra a Independência Nacional, na Frente Leste. Mais grave foi alinhar com os independentistas brancos em Maio de 1974, nos esquadrões da morte. Gravíssimo e imperdoável foi o seu líder ter assinado o Acordo de Bicesse e apenas cinco dias depois esconder 20.000 homens e as suas melhores armas, em bases secretas no Cuando Cubango.
A UNITA secou tudo à sua volta. O deserto já chegou ao MPLA. Faltam pouco para Angola ser uma democracia sem organizações politicas e partidárias. Hoje a Oposição é liderada por dois partidos que tiveram de se coligar, para formarem um Grupo Parlamentar, FNLA/PRS. Registaram em 2022 uma votação residual. Da FNLA já nada há a dizer. O PRS, nas eleições de 2012, fez um discurso racista, xenófobo, tribalista e homofóbico. É a sua marca. O partido da Oposição sem mácula é o Humanista. Votação residual.
O MPLA foi levado por João Lourenço para o covil do estado terrorista mais perigoso do mundo, outrora chafurdado pela UNITA de Jonas Savimbi. Nesse tempo e apenas cinco dias após a assinatura do Acordo de Bicesse, obedecendo a ordens dos restos do regime de apartheid e dos EUA, os sicários do Galo Negro aceitaram alinhar numa conspiração para tomarem o poder pela força. Aí vão os pormenores, chancelados por documentos aos quais tive acesso fornecidos por “arrependidos” do regime racista de Pretória.
Isaías Samakuva, na época tratado
por “coronel” e Abílio Camalata Numa alcunhado de “brigadeiro” pelos dirigentes
racistas sul-africanos, foram executores da operação que consistiu em esconder
20.000 soldados da UNITA, para o partido tomar o poder pela força, caso Savimbi
perdesse as eleições de 1992 como perdeu estrondosamente. As instruções foram
dadas pelo chefe do Estado-Maior da Inteligência Militar da África do Sul,
comandante De
Abílio Camalata Numa, antigo deputado e general na reforma, colocou-se às ordens dos restos dos racistas e do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). Tinha mais peso do que Samakuva porque era apresentado como “cunhado” de Savimbi. O documento, classificado de “secreto”, foi emitido no dia 5 de Junho de 1991, apenas cinco dias depois da assinatura do Acordo de Bicesse, a 31 de Maio.
O comandante De
A mensagem secreta foi também enviada ao chefe dos Serviços de Combate e ao chefe da Logística sul-africanos, para garantir abastecimentos aos 20.000 soldados, aquartelados em bases no Cuando Cubango, em locais entre as fronteiras da Zâmbia e da Namíbia.
A ordem de operações enviada a
Isaías Samakuva e a Abílio Camalata Numa, é detalhada. O comandante
sul-africano de
A ordem à UNITA tinha um detalhe:
“escolher os melhores comandantes”. Numa e Samakuva obedeceram, sem qualquer
hesitação. O comandante De
A parte final da mensagem secreta do chefe do Estado-Maior da Inteligência Militar sul-africana ordenava a transferência para as bases Girafa, Palanca, Tigre e Licua, de “todas as armas pesadas”. O que foi também integralmente cumprido por Samakuva e Numa.
A Inteligência Militar de Pretória, apoiada pela CIA e o Pentágono, continuava a fomentar a guerra suja da UNITA, mesmo depois dos Acordos de Nova Iorque. Adalberto da Costa Júnior revelou na época algo que torna este comportamento normal: “em 1995, Jonas Savimbi recebeu um importante convite para visitar a África do Sul, dirigido por Nelson Mandela, então Presidente da República. Nelson Mandela recebeu o Dr. Savimbi e a sua delegação na sua aldeia natal, em Qunu, dia 17 de Maio de 1995. Os africanos sabem o que significa receber alguém na sua própria aldeia”.
O autor desta afirmação tem pouca credibilidade, mas se é verdadeira, está explicado o envolvimento da Inteligência Militar da África do Sul, na preparação da guerra depois das eleições de 1992, nas quais a UNITA foi estrondosamente derrotada. O acto eleitoral foi blindado e as eleições fiscalizadas pela ONU e pela Troika de Observadores, o que tornava impossível qualquer fraude. Informações credíveis dão conta que Nelson Mandela mandou Savimbi parar com a guerra e aconselhou-o a respeitar os resultados eleitorais.
Primeira Tentativa de GolpeJonas Savimbi e os seus homens nunca tiveram a intenção de respeitar o Acordo de Bicesse. Por isso, logo no dia 5 de Junho foi montada a operação de esconder 20.000 homens em bases secretas do Sudeste de Angola. Quando o comandante De
A primeira tentativa de golpe
militar foi proposta por Savimbi ao subsecretário de Estado Herman Cohen, na
sua casa do Miramar,
Savimbi argumentou: “As FAA não existem e o Governo está desarmado. Eu tenho tropa para tomar o poder, as eleições não interessam nada”. Herman Cohen recusou. Exigiu que a UNITA respeitasse o que estava acordado. Mas a direcção da UNITA fez outras tentativas de impedir as eleições para tomar o poder pela força. Estão registadas documentalmente e foram recusadas pela representante do Secretário-Geral da ONU em Angola, Margareth Anstee, pelos membros do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e por quase todos os partidos concorrentes.
Curiosamente, o partido dos
golpistas de 27 de Maio de 1977 (PRD) reforçado com o padre Joaquim Pinto de
Andrade, mais a Frente para a Democracia (FpD), alinharam na golpada e
foram ao beija-mão a Jonas Savimbi no Huambo!
Denúncia de Tony e Puna
Nzau Puna e Tony da Costa Fernandes abandonaram a UNITA em conflito directo com
Savimbi. E eram fundadores do partido! O assassinato de figuras importantes do
movimento ditou o divórcio. Jorge Sangumba, padre Camilo Cangombe, a família
Chingunji, quase toda dizimada, António Vakulukuta, Wilson dos Santos e tantos
outros provocaram a cisão.
Tony e Puna já não estavam nos segredos da organização. Mas souberam que a UNITA tinha escondido um grande exército e armamento, para tomar o poder pela força caso perdesse as eleições. Margareth Anstee foi apanhada de surpresa. E garantiu que a ONU ia investigar se a denúncia dos dois generais de Savimbi eram verdadeiras. Poucos dias depois saiu o veredicto: Não há indícios de existência de tropas escondidas em Angola! Mas existiam 20.000 homens, entre eles os melhores comandantes, que dispunham de antiaéreas incluindo mísseis Stinger e armas pesadas. E não tardou a chegar a segunda tentativa de golpe militar.
Isaías Samakuva concluiu a operação secreta e partiu para outras missões, no estrangeiro. Abílio Camalata Numa ficou e acabou por ser uma peça importante nos acontecimentos que se seguiram. Houve um momento em que a tensão era tal que foi colocada ao Conselho Nacional Eleitoral, presidido por Onofre Martins dos Santos, a hipótese de um adiamento das eleições.
Os membros daquele órgão
assumiram as suas responsabilidades e decidiram prosseguir com o processo
eleitoral. Onde a UNITA não permitiu a presença de delegados dos outros
partidos, as eleições faziam-se na mesma. Um avião ao serviço do CNE foi
atacado pelos sicários do Galo Negro na província do Uíge. Noutros locais
os funcionários da instituição eram impedidos de trabalhar. Mas houve mesmo
eleições em 29 e 30 de Setembro de 1992. O segundo golpe foi então posto em
marcha.
Acordo de Bicesse Rasgado
No dia 31 de Maio de
Apesar das demonstrações de força em Luanda e noutras cidades do país, a UNITA não conseguiu travar o processo eleitoral. O Bairro do Miramar estava sitiado por “comandos” da UNITA que nem sequer respeitavam diplomatas e membros do Governo que habitavam a zona. Existia uma efectiva ocupação militar dos centros urbanos, patrulhados por tropas armadas até aos dentes, transportadas nas famosas “GMC”, simpática oferta do estado terrorista mais perigoso do mundo (EUA). Mas nos dias 29 e 30 de Setembro houve mesmo eleições e os eleitores falaram alto.
O MPLA venceu com maioria
absoluta. A UNITA disse que houve fraude, usurpando o papel dos árbitros que
eram a ONU e a Troika de Observadores (Portugal, Rússia e EUA).
Savimbi decidiu ser ao mesmo tempo jogador e árbitro. Quando em nome da
comunidade internacional Margareth Anstee proclamou os resultados eleitorais e
considerou as eleições “transparentes, livres e justas”, Savimbi partiu para a
guerra.
Salupeto Pena, Ben-Ben, Jeremias
Chitunda, Abel Chivukuvuku, Alicerces Mango e outros altos dirigentes da UNITA
lançaram novo golpe militar
A base de Licua
Uma das bases onde foram escondidos os militares da UNITA era a de Licua. No
Cuando Cubango há uma aldeia Licua, entre Luengue e Dirico. Há outra aldeia
Licua entre Mavengue e Lumeia, na estrada para Xamavera.
A Licua da operação secreta foi inventada pela Inteligência Militar da África do Sul. Fica na confluência dos rios Luengue e Lumuna, na reserva do Mucusso. Tem as seguintes coordenadas: Latitude, 17 graus e um segundo Sul. Longitude, 21 graus e 17 segundos Este.
As outras bases que serviram para pulverizar o Acordo de Bicesse, estavam localizadas algures entre a fronteira da Zâmbia e da Namíbia, no Sudeste de Angola, mas longe da Jamba para não levantar suspeitas.
A guerra depois das eleições de Setembro de 1992 foi da exclusiva responsabilidade da UNITA, Jonas Savimbi e seus sicários. A traição, o golpismo e a sedição não se negoceiam, são simplesmente intoleráveis. A UNITA perdeu em todas as frentes. Continua activa para esvaziar o regime democrático. Nessa empreitada tem um aliado de peso: João Lourenço na versão amigo do estado terrorista mais perigoso do mundo. Mas o MPLA vai resistir e, mais uma vez, triunfar.
* Jornalista
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