Expresso Curto para dar e lavar. Bom dia. Raquel Moleiro é a arquiteta da prosa de hoje. Aborda o final do governo de Costa que o judicialismo estruturado e alcaponizado conseguiu derrubar. Por isso existem os que consideram que a ação é comparável a um golpe de estado. Terão razão?
Além dessa cena de horror, que mais parece engendração de extrema-direita saudosista do salazar-fascismo hoje há o tema do aeroporto que estudiosos e sábios anunciaram dever ser instalado em Alcochete. Por ali só pode ser abençoado pelo Padre Cruz, dito santo que adorava aquela região a sul do Tejo e namorada de Lisboa. Cruz ia de Lisboa para lá atravessando o Tejo em Faluas e pousava a sua santidade numa herdade de onde se aprimorava a olhar a capital à míngua e a gozar as férias que ocupava pelas manhãs a oferecer comida aos pobres e famintos, que eram muitos. Proporcionalmente agora são muitos mais. O Banco da Fome da tia Isabel Jonet encarrega-se disso e de ser uma prestimosa colunável, ignorando a máxima do criador da obra do mundo em seis dias da semana porque o domingo era de descanso e oração... A máxima dizia "que a tua mão esquerda não saiba o que a tua mão direita oferece aos pobres e necessitados". Isso eram outros tempos. Mais decentes, menos hipócritas, nada colunáveis.
Mas isso não interessa nada, consideramos. O que interessa mesmo é o novo aeroporto de Lisboa talvez em Alcochete. Que esse tal venha a existir aqui ou ali já leva mais de 50 anos de atraso para ser construído por via de decisão dos políticos ronceiros e empata voos e pousos. Esses tais são peritos em agir parados, paradinhos, devagar, devagarinho e/ou nunca agir até às tantas verem naquilo lucros e receitas de toda a espécie provindos por debaixo dos panos, pela socapa... Mas alegadamente muito transparentes - para papalvos acreditarem. "Ai os dótores dos cifrões são tramados a levar o nosso guitarro", dizem os plebeus. E sim. Assim tem sempre acontecido, desde que o mundo é mundo. Ser político e/ou apaniguado é uma profissão de estalo e de regalo... para uns quantos eleitos pela surra e de segredos dos deuses... Pois.
Adiante. Vão ao Curto aqui já a seguir. Bom dia e bons voos... rumo à miséria da maioria. É fome de tudo e de três em pipa. Dizem e vimos. Até se cheira. Omessa!
MM | Redação PG
À espera do fim
Raquel Moleiro, jornalista | Expresso (curto)
Bom dia.
Antes do mais, deixo-lhe o convite para a nossa conversa com assinantes hoje,
às 14h. Sobre o "PS: os candidatos e as promessas", com David Dinis e
Vítor Matos. Pode inscrever-se aqui.
Amanhã, às 12h, irá realizar-se mais um “Visitas à redação”, exclusivo para
assinantes. Inscreva-se através do mail producaoclubeexpresso@expresso.impresa.pt e venha
conhecer o seu jornal.
Hoje é o dia final inteiro de António Costa à frente do Governo. Amanhã, depois
do Conselho de Ministros, talvez mais para a tardinha, Marcelo Rebelo de Sousa
vai exonerar o primeiro-ministro, um mês exato após a sua demissão, e assim
destituir formalmente o executivo. Esperou-se pela aprovação do Orçamento de
Estado, por votações importantes para o PRR, e agora entra-se em gestão
corrente, só para atos estritamente necessários, de prática inadiável.
Nas últimas semanas, quase que por milagre ou talvez contágio eleitoral,
desfizeram-se (ou afrouxaram-se) nós setoriais que, acreditava-se, ficariam
politicamente enrodilhados para todo o sempre. Depois do acordo com os médicos,
do recuo no aumento do IUC, ontem avançou-se na resolução de dois novelos
históricos sem aparente ponta de esperança por onde se lhes pegar: a
localização do novo aeroporto de Lisboa – na pasta das Infraestruturas - e a
recuperação integral do tempo dos professores – no domínio da Educação.
A avaliação da Comissão Técnica Independente defende que o Campo de Tiro de Alcochete é o melhor local para o
aeroporto definitivo, com a continuidade do Humberto Delgado até que a nova
infraestrutura esteja em pleno funcionamento. Vendas Novas é também uma opção
viável, mas não a melhor por envolver expropriações, e Santarém e Montijo foram descartadas por questões económicas,
ambientais e de navegabilidade aérea.
O relatório irá agora para consulta pública durante 30 dias, mas António Costa
não quer deixar a questão totalmente pendurada com a sua saída e, na última
reunião ministerial, vai aprovar uma resolução que obriga a ANA
(concessionária) a avançar com obras de melhoria do atual aeroporto da Portela,
orçadas em 300 milhões de euros, para que aguente a espera da sucessão. E bem
precisa. No ranking da AirHelp foi considerado o quarto pior do mundo, numa
lista de 191.
“Percebem a minha inveja de não ser eu o decisor político”, lamentou o
primeiro-ministro durante a apresentação do relatório. O ‘ok’ final não será
seu, mas numa tentativa de controlar a narrativa futura aproveitou
para deixar recados aos sucessores que, têm, no seu entender, “o dever de
respeitar a avaliação técnica da CTI”. E há razões para receios. Ainda as
conclusões estavam a ser lidas publicamente e já o líder do PSD, e candidato às
legislativas, anunciava que ia constituir um grupo de trabalho para debater o
tema, revelando não aceitar como definitivo o encerramento da questão, que leva
apenas 54 anos de estudos, decisões e indecisões. Só a construção
do novo aeroporto, orçada em €8 mil milhões, soma mais sete anos à cronologia.
Também longa vai a luta dos professores pela recuperação dos seis anos, seis
meses e 23 dias de tempo de serviço. Mas o fim do governo de António Costa deu
aos docentes pelo menos 75% de esperança de alcançarem, em breve, o tão ansiado
rendimento em atraso.
Metade do alento vem do PSD, que já confirmou o cumprimento dessa reivindicação
caso venha a formar Governo, e 25% foi acrescentado ontem pelo ainda ministro da Educação, João Costa,
em entrevista à Renascença. Apoiante declarado de Pedro Nuno Santos, afirmou
que, caso o candidato socialista seja cabeça de lista às legislativas e as
ganhe, será esse também o caminho a seguir. “Disse sempre que a reivindicação
dos professores é justa e legítima. Se houver uma gestão, que espero venha a
ser liderada por Pedro Nuno Santos enquanto primeiro-ministro, que consiga dar
resposta a isto, obviamente que fico muito contente”. O ¼ de incerteza chega em
caso de vitória de José Luís Carneiro, uma opção de continuidade dentro do PS.
Esvaziada a causa que tornou as escolas palco de greves sucessivas nos últimos
tempos, talvez então os resultados escolares se tornem o foco central da
Educação. O desempenho dos alunos portugueses de 15 anos nos testes PISA,
que envolveu em 2022 um total de 81 países e regiões e quase 700 mil jovens,
piorou nos últimos anos. Seja comparando com o último teste, realizado em 2018,
seja olhando mais para trás, a partir da tendência na última década. O declínio
verificou-se nas três matérias avaliadas - Matemática, Leitura e Ciências -,
principalmente nas duas primeiras. E a pandemia não explica tudo.
OUTRAS NOTÍCIAS
Marcelo e as gémeas. Na segunda-feira, o presidente da República fez uma
declaração ao país em que resumiu o seu envolvimento no caso das gémeas, que receberam do SNS
o medicamento mais caro do mundo, a um email recebido do filho Nuno e pouco
mais. E garantiu que não usou qualquer poder para fazer acelerar o processo.
Mas nem o envio para a PGR de todos os dados recolhidos pela Presidência fez
esmoreceu o interesse no desenrolar da novela. Lacerda Sales, ex-secretário da Saúde afastou também a sua intervenção.
Segundo a TVI, a primeira consulta das crianças terá sido solicitada por
um secretário de Estado à diretora do Departamento de Pediatria do Hospital
Santa Maria. Ao Expresso, o advogado dos pais contou a versão da família.
Tráfico de crianças. A Polícia Federal brasileira deteve um homem português, de
50 anos, suspeito do tráfico de crianças ao ter registado em
seu nome, com documentos falsos, dois bebés recém-nascidos na região de S.
Paulo. Uma das crianças foi ontem localizada pela Polícia Judiciária em Valongo.
Boas notícias. Portugal passou dos piores para estar melhor que a média
europeia e reduziu em 68% as crianças a viverem com graves privações,
revela o Relatório dos Inocentes 18: pobreza infantil nos países ricos”,
divulgado esta quarta-feira pela UNICEF.
Más notícias. Os salários do grupo Global Media, cujo pagamento estava em atraso desde o
final de novembro, começaram a ser transferidos esta terça-feira mas
não houve ainda qualquer indicação sobre quando vão receber o subsídio de
Natal. Os trabalhadores do Jornal de Notícias avançam hoje para uma greve de
dois dias. Em causa está um despedimento coletivo.
Misericórdia a votos. Pela primeira vez em 15 anos, a União das Misericórdias
Portuguesas realiza esta quarta-feira eleições com duas listas concorrentes. De
um lado está Manuel Lemos, candidato ao seu quinto e último mandato; e do
outro, António Sérgio Martins, provedor de Pampilhosa da Serra.
À procura da sorte. Portugueses gastam 400 mil euros por dia no jogo
Eurodreams. Apenas França e Espanha superam Portugal no valor das apostas.
Biden destituído? A Câmara dos Representantes dos EUA vai votar na próxima
semana a autorização formal para uma investigação com vista à
destituição do presidente dos EUA, devido à recusa da Casa Branca em responder
aos pedidos de informação relacionados com Joe Biden e o seu filho Hunter Biden.
Ambiente destruído. A cimeira do clima da ONU, a decorrer no Dubai até dia 12,
regista o maior número de lobistas da indústria de combustíveis fósseis
com acesso às conversações: são 2456, denuncia a coligação ‘Keep Big Polluters
Out’. No podcast “Economia Dia a Dia” saiba como se traduz a cimeira em milhões.
A little bit closer. Estudo revela que britânicos querem aproximação à União Europeia, em áreas de
interesse mútuo como segurança, comércio e ciência, mas sem reabrir o Brexit. Antigo
primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é hoje interrogado no âmbito do
inquérito sobre a gestão pelo Reino Unido da pandemia covid-19.
Morte a sul. Desde o recomeço dos combates na sexta-feira, após uma trégua de
sete dias, o exército israelita tem vindo a bombardear intensamente o sul
da Faixa de Gaza. Milhares de palestinianos já começaram a sair da maior
cidade da região, Khan Younis, para Rafah, ainda mais a sul, já junto à
fronteira com o Egito. Israel diz que começou a terceira ofensiva terrestre. O
número de vítimas mortais em Gaza foi atualizado para 16.248, incluindo mais de
7 mil crianças e 5 mil mulheres. A ONU denunciou a morte de 130 trabalhadores
da sua agência.
Ainda a Ucrânia. No 651º dia de guerra, ataques russos prosseguem em Kherson,
mas impasse é a palavra que melhor define o que se passa no campo de batalha. Países Baixos vão dar
2,5 mil milhões de euros em ajudas. A Rússia libertou seis crianças
ucranianas graças à mediação do Catar. Von der Leyen vai apelar à China para
que use a sua “influência sobre a Rússia” e apoie sanções decretadas pela União
Europeia.
FRASES
“O futebol feminino português tem de ser muito maior. Temos tanta coisa a
acontecer, tanta coisa importante, tanto trabalho tão bem feito… Acredito que
quem gosta e tem acompanhado vai continuar. E os bons adeptos são bons nos bons
e nos maus momentos”
Francisco Neto, selecionador da seleção nacional feminina
de futebol, que desceu à divisão B da Liga das Nações, após a derrota com a
França aos 94 minutos.
“Temos de ocupar espaços nos centros do saber. Queremos que os nossos filhos
queiram ser professores (...) Temos de influenciar estes espaços, limpar o
aparelho do Estado e correr com as nomeações dos mesmos de sempre”
Rita Matias, deputada do Chega durante as jornadas
parlamentares do Partido
"Se Trump não se candidatasse, não sei se me candidataria. Mas não podemos
deixá-lo ganhar”
Joe Biden, presidente dos EUA e candidato a mais um mandato na Casa Branca
PODCASTS
Como
se faz uma vida 'normal' num país em guerra? “Se for um bombardeiro MiG no
ar, podes ficar na sala, ou no corredor. Mas se forem drones ou se tiverem sido
lançados mísseis, tens de ir imediatamente para o abrigo.” As regras foram
explicadas a Iryna Shev, na sua chegada à capital ucraniana, por Olesya,
dona da casa onde ambas vivem desde agosto. Oiça aqui ‘A chegada’, o primeiro episódio (de oito) do
podcast narrativo “Manual de Sobrevivência” da jornalista que se
mudou de Lisboa para Kyiv.
“Hoje
temos o chatGPT e modelos de linguagem, e o que estou a tentar é aplicá-los à
linguagem do ADN”, explica no Podcast “O Futuro do Futuro”, Bernardo Almeida,
um investigador português de 28 anos que promete dar que falar com o
desenvolvimento de Inteligência Artificial que identifica e reescreve segmentos
do genoma humano para tratar doenças.
Gyökeres,
o jogador mais decisivo do campeonato, e as contradições do Benfica. No novo episódio do podcast “No Princípio Era a
Bola”, Rui Malheiro e Tomás da Cunha falam da influência do sueco nos
leões, líderes isolados do campeonato, e do novo deslize das águias.
O QUE ANDO A LER
Misericórdia, de Lídia Jorge (D. Quixote)
Foi a notícia de que a escritora tinha ganho o prémio literário Médicis
estrangeiro – a primeira portuguesa a recebe-lo – que me levou a comprar o seu
último romance. Já o apanhei na 6ª edição e entretanto distinguido também com
os prémios Fernando Namora, Eduardo Lourenço, Urbano Tavares Rodrigues, Pen
Clube…
Mas não são os galardões que me trazem preso a ele, dezenas de páginas lidas de
cada vez que aproximam demasiado rápido o fim a que não quero chegar. É a
história de Maria Alberta, ou Dona Alberti, no Hotel Paraíso, antiga estância
transformada em residência sénior, onde a idosa é a voz de todos os idosos
institucionalizados que a sociedade não ouve, não considera, marginaliza. As
ideias que a velhice já lhe não permite exteriorizar por inteiro, o que pensa e
o que escreve todos os dias em total discordância de sentido. A memória presa
ao seu Atlas que uma infiltração ensopou, ao esquecimento que lhe tirou da
memória o país de que Baku é capital. O telemóvel que a traz ligada à filha em
viagem por países sem comunicações. As viagens dela que são só na cadeira de
rodas a que chama de charrete, do quarto para o salão e pouco mais. Mas há
sempre tanto naqueles dias que parecem sempre iguais desde que deixou a sua
casa.
O título nasceu de um pedido. Foi a mãe de Lídia Jorge que lhe disse, pouco
antes de morrer, que escrevesse um livro chamado Misericórdia, para que as
pessoas sentissem compaixão umas pelas outras. São 457 páginas a cumprir o
desejo de Maria dos Remédios.
Este curto fica por aqui. Continue a seguir toda a atualidade no Expresso.
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