quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

O FINAL DO FIM E OS POLÍTICOS LUSOS EMPATA VOOS E POUSOS

Expresso Curto para dar e lavar. Bom dia. Raquel Moleiro é a arquiteta da prosa de hoje. Aborda o final do governo de Costa que o judicialismo estruturado e alcaponizado conseguiu derrubar. Por isso existem os que consideram que a ação é comparável a um golpe de estado. Terão razão?

Além dessa cena de horror, que mais parece engendração de extrema-direita saudosista do salazar-fascismo hoje há o tema do aeroporto que estudiosos e sábios anunciaram dever ser instalado em Alcochete. Por ali só pode ser abençoado pelo Padre Cruz, dito santo que adorava aquela região a sul do Tejo e namorada de Lisboa. Cruz ia de Lisboa para lá atravessando o Tejo em Faluas e pousava a sua santidade numa herdade de onde se aprimorava a olhar a capital à míngua e a gozar as férias que ocupava pelas manhãs a oferecer comida aos pobres e famintos, que eram muitos. Proporcionalmente agora são muitos mais. O Banco da Fome da tia Isabel Jonet encarrega-se disso e de ser uma prestimosa colunável, ignorando a máxima do criador da obra do mundo em seis dias da semana porque o domingo era de descanso e oração... A máxima dizia "que a tua mão esquerda não saiba o que a tua mão direita oferece aos pobres e necessitados". Isso eram outros tempos. Mais decentes, menos hipócritas, nada colunáveis.

Mas isso não interessa nada, consideramos. O que interessa mesmo é o novo aeroporto de Lisboa talvez em Alcochete. Que esse tal venha a existir aqui ou ali já leva mais de 50 anos de atraso para ser construído por via de decisão dos políticos ronceiros e empata voos e pousos. Esses tais são peritos em agir parados, paradinhos, devagar, devagarinho e/ou nunca agir até às tantas verem naquilo lucros e receitas de toda a espécie provindos por debaixo dos panos, pela socapa... Mas alegadamente muito transparentes - para papalvos acreditarem. "Ai os dótores dos cifrões são tramados a levar o nosso guitarro", dizem os plebeus. E sim. Assim tem sempre acontecido, desde que o mundo é mundo. Ser político e/ou apaniguado é uma profissão de estalo e de regalo... para uns quantos eleitos pela surra e de segredos dos deuses... Pois.

Adiante. Vão ao Curto aqui já a seguir. Bom dia e bons voos... rumo à miséria da maioria. É fome de tudo e de três em pipa. Dizem e vimos. Até se cheira. Omessa!

MM | Redação PG

À espera do fim 

Raquel Moleiro, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia.

Antes do mais, deixo-lhe o convite para a nossa conversa com assinantes hoje, às 14h. Sobre o "PS: os candidatos e as promessas", com David Dinis e Vítor Matos. Pode inscrever-se aqui.

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Hoje é o dia final inteiro de António Costa à frente do Governo. Amanhã, depois do Conselho de Ministros, talvez mais para a tardinha, Marcelo Rebelo de Sousa vai exonerar o primeiro-ministro, um mês exato após a sua demissão, e assim destituir formalmente o executivo. Esperou-se pela aprovação do Orçamento de Estado, por votações importantes para o PRR, e agora entra-se em gestão corrente, só para atos estritamente necessários, de prática inadiável.

Nas últimas semanas, quase que por milagre ou talvez contágio eleitoral, desfizeram-se (ou afrouxaram-se) nós setoriais que, acreditava-se, ficariam politicamente enrodilhados para todo o sempre. Depois do acordo com os médicos, do recuo no aumento do IUC, ontem avançou-se na resolução de dois novelos históricos sem aparente ponta de esperança por onde se lhes pegar: a localização do novo aeroporto de Lisboa – na pasta das Infraestruturas - e a recuperação integral do tempo dos professores – no domínio da Educação.

A avaliação da Comissão Técnica Independente defende que o Campo de Tiro de Alcochete é o melhor local para o aeroporto definitivo, com a continuidade do Humberto Delgado até que a nova infraestrutura esteja em pleno funcionamento. Vendas Novas é também uma opção viável, mas não a melhor por envolver expropriações, e Santarém e Montijo foram descartadas por questões económicas, ambientais e de navegabilidade aérea.

O relatório irá agora para consulta pública durante 30 dias, mas António Costa não quer deixar a questão totalmente pendurada com a sua saída e, na última reunião ministerial, vai aprovar uma resolução que obriga a ANA (concessionária) a avançar com obras de melhoria do atual aeroporto da Portela, orçadas em 300 milhões de euros, para que aguente a espera da sucessão. E bem precisa. No ranking da AirHelp foi considerado o quarto pior do mundo, numa lista de 191.

“Percebem a minha inveja de não ser eu o decisor político”, lamentou o primeiro-ministro durante a apresentação do relatório. O ‘ok’ final não será seu, mas numa tentativa de controlar a narrativa futura aproveitou para deixar recados aos sucessores que, têm, no seu entender, “o dever de respeitar a avaliação técnica da CTI”. E há razões para receios. Ainda as conclusões estavam a ser lidas publicamente e já o líder do PSD, e candidato às legislativas, anunciava que ia constituir um grupo de trabalho para debater o tema, revelando não aceitar como definitivo o encerramento da questão, que leva apenas 54 anos de estudos, decisões e indecisões. Só a construção do novo aeroporto, orçada em €8 mil milhões, soma mais sete anos à cronologia.

Também longa vai a luta dos professores pela recuperação dos seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço. Mas o fim do governo de António Costa deu aos docentes pelo menos 75% de esperança de alcançarem, em breve, o tão ansiado rendimento em atraso.

Metade do alento vem do PSD, que já confirmou o cumprimento dessa reivindicação caso venha a formar Governo, e 25% foi acrescentado ontem pelo ainda ministro da Educação, João Costa, em entrevista à Renascença. Apoiante declarado de Pedro Nuno Santos, afirmou que, caso o candidato socialista seja cabeça de lista às legislativas e as ganhe, será esse também o caminho a seguir. “Disse sempre que a reivindicação dos professores é justa e legítima. Se houver uma gestão, que espero venha a ser liderada por Pedro Nuno Santos enquanto primeiro-ministro, que consiga dar resposta a isto, obviamente que fico muito contente”. O ¼ de incerteza chega em caso de vitória de José Luís Carneiro, uma opção de continuidade dentro do PS.

Esvaziada a causa que tornou as escolas palco de greves sucessivas nos últimos tempos, talvez então os resultados escolares se tornem o foco central da Educação. O desempenho dos alunos portugueses de 15 anos nos testes PISA, que envolveu em 2022 um total de 81 países e regiões e quase 700 mil jovens, piorou nos últimos anos. Seja comparando com o último teste, realizado em 2018, seja olhando mais para trás, a partir da tendência na última década. O declínio verificou-se nas três matérias avaliadas - Matemática, Leitura e Ciências -, principalmente nas duas primeiras. E a pandemia não explica tudo.

OUTRAS NOTÍCIAS

Marcelo e as gémeas. Na segunda-feira, o presidente da República fez uma declaração ao país em que resumiu o seu envolvimento no caso das gémeas, que receberam do SNS o medicamento mais caro do mundo, a um email recebido do filho Nuno e pouco mais. E garantiu que não usou qualquer poder para fazer acelerar o processo. Mas nem o envio para a PGR de todos os dados recolhidos pela Presidência fez esmoreceu o interesse no desenrolar da novela. Lacerda Sales, ex-secretário da Saúde afastou também a sua intervenção. Segundo a TVI, a primeira consulta das crianças terá sido solicitada por um secretário de Estado à diretora do Departamento de Pediatria do Hospital Santa Maria. Ao Expresso, o advogado dos pais contou a versão da família.

Tráfico de crianças. A Polícia Federal brasileira deteve um homem português, de 50 anos, suspeito do tráfico de crianças ao ter registado em seu nome, com documentos falsos, dois bebés recém-nascidos na região de S. Paulo. Uma das crianças foi ontem localizada pela Polícia Judiciária em Valongo.

Boas notícias. Portugal passou dos piores para estar melhor que a média europeia e reduziu em 68% as crianças a viverem com graves privações, revela o Relatório dos Inocentes 18: pobreza infantil nos países ricos”, divulgado esta quarta-feira pela UNICEF.

Más notícias. Os salários do grupo Global Media, cujo pagamento estava em atraso desde o final de novembro, começaram a ser transferidos esta terça-feira mas não houve ainda qualquer indicação sobre quando vão receber o subsídio de Natal. Os trabalhadores do Jornal de Notícias avançam hoje para uma greve de dois dias. Em causa está um despedimento coletivo.

Misericórdia a votos. Pela primeira vez em 15 anos, a União das Misericórdias Portuguesas realiza esta quarta-feira eleições com duas listas concorrentes. De um lado está Manuel Lemos, candidato ao seu quinto e último mandato; e do outro, António Sérgio Martins, provedor de Pampilhosa da Serra.

À procura da sorte. Portugueses gastam 400 mil euros por dia no jogo Eurodreams. Apenas França e Espanha superam Portugal no valor das apostas.

Biden destituído? A Câmara dos Representantes dos EUA vai votar na próxima semana a autorização formal para uma investigação com vista à destituição do presidente dos EUA, devido à recusa da Casa Branca em responder aos pedidos de informação relacionados com Joe Biden e o seu filho Hunter Biden.

Ambiente destruído. A cimeira do clima da ONU, a decorrer no Dubai até dia 12, regista o maior número de lobistas da indústria de combustíveis fósseis com acesso às conversações: são 2456, denuncia a coligação ‘Keep Big Polluters Out’. No podcast “Economia Dia a Dia” saiba como se traduz a cimeira em milhões.

A little bit closer. Estudo revela que britânicos querem aproximação à União Europeia, em áreas de interesse mútuo como segurança, comércio e ciência, mas sem reabrir o Brexit. Antigo primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, é hoje interrogado no âmbito do inquérito sobre a gestão pelo Reino Unido da pandemia covid-19.

Morte a sul. Desde o recomeço dos combates na sexta-feira, após uma trégua de sete dias, o exército israelita tem vindo a bombardear intensamente o sul da Faixa de Gaza. Milhares de palestinianos já começaram a sair da maior cidade da região, Khan Younis, para Rafah, ainda mais a sul, já junto à fronteira com o Egito. Israel diz que começou a terceira ofensiva terrestre. O número de vítimas mortais em Gaza foi atualizado para 16.248, incluindo mais de 7 mil crianças e 5 mil mulheres. A ONU denunciou a morte de 130 trabalhadores da sua agência.

Ainda a Ucrânia. No 651º dia de guerra, ataques russos prosseguem em Kherson, mas impasse é a palavra que melhor define o que se passa no campo de batalha. Países Baixos vão dar 2,5 mil milhões de euros em ajudas. A Rússia libertou seis crianças ucranianas graças à mediação do Catar. Von der Leyen vai apelar à China para que use a sua “influência sobre a Rússia” e apoie sanções decretadas pela União Europeia.

FRASES

“O futebol feminino português tem de ser muito maior. Temos tanta coisa a acontecer, tanta coisa importante, tanto trabalho tão bem feito… Acredito que quem gosta e tem acompanhado vai continuar. E os bons adeptos são bons nos bons e nos maus momentos”
Francisco Neto, selecionador da seleção nacional feminina de futebol, que desceu à divisão B da Liga das Nações, após a derrota com a França aos 94 minutos.

“Temos de ocupar espaços nos centros do saber. Queremos que os nossos filhos queiram ser professores (...) Temos de influenciar estes espaços, limpar o aparelho do Estado e correr com as nomeações dos mesmos de sempre”
Rita Matias, deputada do Chega durante as jornadas parlamentares do Partido

"Se Trump não se candidatasse, não sei se me candidataria. Mas não podemos deixá-lo ganhar”
Joe Biden, presidente dos EUA e candidato a mais um mandato na Casa Branca

PODCASTS

Como se faz uma vida 'normal' num país em guerra? “Se for um bombardeiro MiG no ar, podes ficar na sala, ou no corredor. Mas se forem drones ou se tiverem sido lançados mísseis, tens de ir imediatamente para o abrigo.” As regras foram explicadas a Iryna Shev, na sua chegada à capital ucraniana, por Olesya, dona da casa onde ambas vivem desde agosto. Oiça aqui ‘A chegada’, o primeiro episódio (de oito) do podcast narrativo “Manual de Sobrevivência” da jornalista que se mudou de Lisboa para Kyiv.

“Hoje temos o chatGPT e modelos de linguagem, e o que estou a tentar é aplicá-los à linguagem do ADN”, explica no Podcast “O Futuro do Futuro”, Bernardo Almeida, um investigador português de 28 anos que promete dar que falar com o desenvolvimento de Inteligência Artificial que identifica e reescreve segmentos do genoma humano para tratar doenças.

Gyökeres, o jogador mais decisivo do campeonato, e as contradições do Benfica. No novo episódio do podcast “No Princípio Era a Bola”, Rui Malheiro e Tomás da Cunha falam da influência do sueco nos leões, líderes isolados do campeonato, e do novo deslize das águias.

O QUE ANDO A LER

Misericórdia, de Lídia Jorge (D. Quixote)

Foi a notícia de que a escritora tinha ganho o prémio literário Médicis estrangeiro – a primeira portuguesa a recebe-lo – que me levou a comprar o seu último romance. Já o apanhei na 6ª edição e entretanto distinguido também com os prémios Fernando Namora, Eduardo Lourenço, Urbano Tavares Rodrigues, Pen Clube…

Mas não são os galardões que me trazem preso a ele, dezenas de páginas lidas de cada vez que aproximam demasiado rápido o fim a que não quero chegar. É a história de Maria Alberta, ou Dona Alberti, no Hotel Paraíso, antiga estância transformada em residência sénior, onde a idosa é a voz de todos os idosos institucionalizados que a sociedade não ouve, não considera, marginaliza. As ideias que a velhice já lhe não permite exteriorizar por inteiro, o que pensa e o que escreve todos os dias em total discordância de sentido. A memória presa ao seu Atlas que uma infiltração ensopou, ao esquecimento que lhe tirou da memória o país de que Baku é capital. O telemóvel que a traz ligada à filha em viagem por países sem comunicações. As viagens dela que são só na cadeira de rodas a que chama de charrete, do quarto para o salão e pouco mais. Mas há sempre tanto naqueles dias que parecem sempre iguais desde que deixou a sua casa.

O título nasceu de um pedido. Foi a mãe de Lídia Jorge que lhe disse, pouco antes de morrer, que escrevesse um livro chamado Misericórdia, para que as pessoas sentissem compaixão umas pelas outras. São 457 páginas a cumprir o desejo de Maria dos Remédios.

Este curto fica por aqui. Continue a seguir toda a atualidade no Expresso.

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