Artur Queiroz*, Luanda
Portugal é um caso único no mundo. No tempo do fascismo até os mortos votavam no Salazar. Às portas dos 50 anos do 25 de Abril aconteceu um milagre que tem o dedo de Nossa Senhora de Fátima, cujo filho entrevistei há muitos anos. Os portugueses em Março vão votar em dois partidos mortos, enterrados e em adiantado estado de putrefacção, o CDS e o Partido Popular Monárquico (PPM), fundado por Ribeiro Teles, um ecologista, mas agora antro da extrema- direita mais obtusa. Nem nas Ilhas Fiji os eleitores votam em partidos mortos.
Mas votam
Os sicários da UNITA fizeram das eleições autárquicas o seu cavalo de batalha desde as eleições de 2012, quando foram cilindrados. Pensam que por essa via vão conseguir apoio popular. Estão enganados. Quando os angolanos forem chamados a eleger os seus representantes no Poder Local, a UNITA fica reduzida à votação do Bloco Democrático e outras organizações políticas que não conseguem meio por cento dos votos.
Adalberto da Costa Júnior acaba de anunciar que alertou o Presidente João Lourenço “para as consequências negativas de mais municípios em Angola”. Espantoso! Quem tanto quer eleições autárquicas afinal tem medo de mais municípios e mais províncias! Porque as novas autarquias somadas às que já existem podem ter “consequências sociais e económicas negativas”. A nova Divisão Política e Administrativa (DPA) até pode gerar protestos em todo o país, diz Adalberto.
O líder da UNITA desceu à terra e disse à Voz da América: “Se com 164 municípios não conseguimos ter autarquias, não conseguimos condições sociais para as famílias, não acredito que isso seja possível com o dobro”. Também está contra o desmembramento das províncias do Moxico e do Cuando Cubango.
A província do Moxico tem 223 mil quilómetros quadrados, Cuando Cubango 199 mil quilómetros quadrados. É muito ou pouco? Portugal tem 92 mil. Bélgica 31 mil. Países Baixos 42 mil. Letónia 64 mil. Lituânia 65 mil. Dinamarca 43 mil. Inglaterra 130 mil.
A província do Moxico dividida a meio dá duas Lituânias. Quase duas vezes a Inglaterra. Quase três vezes a Dinamarca. Quase quatro Bélgicas. Só há uma maneira de gerir estas duas províncias angolanas: Descentralizar para combater a desertificação humana. A descentralização obriga a criar mais autarquias que depois oferecem condições à fixação das populações. Vou dar um exemplo. Norton de Matos governou Angola, pela primeira vez, entre 1912 e 1915. Nesse período foi publicado o novo regulamento administrativo da colónia através da Portaria 375, de 19 de Abril de 1913 (Boletim Oficial de Angola, nº 51, 1913)
A necessidade de fixar as populações no interior obrigou a criar 35 circunscrições civis, 25 capitanias, 11 concelhos e uma intendência (Zaire e Cabinda). O regime das circunscrições centrou-se no Distrito de Luanda, com os concelhos de Luanda (sede), Cambambe, Novo Redondo, Dande, Ambaca, Cazengo, Golungo Alto, Ícolo e Bengo, Lícolo, Muxima, Pungo Andongo e as capitanias-mores de Amboim, Dembos, Encoge e Quissama. Em 1915 foi criado o Distrito de Cuanza Norte. E até 1922 ficou instalada a “divisão administrativa”. Assim foram criadas as condições para atrair comerciantes (os “aviados”), serviços (escolas e postos de saúde) e fazendeiros. Na cidade do Uíge destacou-se o comerciante Neves Ferreira que serviu de “aviado” aos grandes armazéns de Luanda.
O concelho do Encoge
abrangia os actuais municípios de Dange-Quitexe e a parte nascente do Ambuíla
englobando os antigos postos militares de Quitexe e Dange. Em
O distrito do Cuanza Norte, criado em 1915, abrangia todo o território desde Catete até Pungo Andongo, incluindo os territórios de Icolo e Bengo e dos Dembos. Mais estruturas administrativas e serviços para fixarem populações no interior.
Em 1929, o Cuanza Norte tinha os concelhos Encoje (Kitexe), Ambaca (Camabatela), Dembos (Kibaxi), Icolo e Bengo (Catete), Cambambe (Dondo), Pungo Andongo (Cacuso) e Cazengo (Dala Tando). Ambaca em 1933 já tinha seis postos administrativos e uma área que ia do Kitexe até Calandula, seguindo o curso do rio Lucala. Muitos serviços foram instalados na região.
O caso que conheço melhor porque meu Pai foi desterrado para lá é a Circunscrição do Dimuca. No final dos anos 30 era o polo de desenvolvimento de uma vasta região que incluía o Kisseke, Puri, Bungo e Negage que nem sequer tinha posto administrativo naquele tempo! Instalados os postos administrativos e os serviços, surgiu a fixação da população que tinha escolas, postos de saúde e redes comerciais.
Angola precisa de criar mais Municípios, mais Comunas, mais Distritos Urbanos, mais Províncias. Quando essa rede estiver instalada vamos a votos! Mas antes das eleições temos que criar todas as condições para fixar no interior do país quadros técnicos de todas as áreas e operários especializados. Para isso há que dar incentivos. Está tudo inventado.
Os colonialistas pagavam melhor e garantiam mordomias aos professores, médicos, enfermeiros, funcionários da Fazenda (Finanças) e todo o pessoal dos postos e administrações colocados no interior. É isso que temos de fazer quando entrar em vigor a nova Divisão Política e Administrativa. Se não tivermos quadros suficientes, vamos importá-los. Foi isso que fizeram os EUA após a independência. É isso que fazem os países que ainda não têm uma massa crítica suficiente.
Quem defende eleições autárquicas tem de defender igualmente mais descentralização, mais estruturas do Poder Local. Soubemos agora, pela voz de Adalberto da Costa Júnior, que afinal a UNITA não quer eleições nenhumas. Apenas quer confusão. E os seus dirigentes ainda não perceberam que já não estão na Jamba a queimar vivas as elites femininas do partido.
* Jornalista
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