quarta-feira, 6 de março de 2024

Angola | Glória aos Contadores de Mentiras – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

A falsificação da História Contemporânea de Angola continua e os falsificadores gozam da maior impunidade. Alguns são pagos pelo Estado Angolano. O período entre o 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975, Guerra da Transição ou II Guerra de Libertação Nacional, é o alvo preferencial, sobretudo desde as eleições de 2022. Agualusa e Xavier Figueiredo colaboram com livros! O mártir da gramática escreve de ouvido. O Xavier aldraba à linha para facturar. Também há quem venda toneladas de catatos e paracuca para os EUA. A vida é dura.

A UNITA em 1974 não era reconhecida como um movimento de libertação porque as suas armas estiveram ao lado dos colonialistas contra a Independência Nacional. Leiam as cartas que Jonas Savimbi trocou com o capitão Benjamim de Almeida, comandante da companhia de artilharia que protegia o acampamento da UNITA no Leste. Ou as cartas que Savimbi escreveu aos generais Luz Cunha, comandante supremo das tropas de ocupação, e Bettencourt Rodrigues, comandante da Zona Militar Leste. Dois comandantes fundadores do Galo Negro, os majores Pedro e Sachilombo, reforçaram os Flechas da PIDE em 1968. 

A FNLA em 1970 abandonou a luta armada devido a graves contradições entre os dirigentes políticos e os chefes militares. Alguns foram combater sob a bandeira do MPLA como o lendário Comandante Margoso, um dos líderes da Grande Insurreição Popular em 15 de Março, 1961. Para fazer prova de vida, em Maio de 1974, um grupo de jovens da FNLA, mal armados e sem treino militar fez uma operação na zona fronteiriça do Norte. Uma companhia de paraquedistas portugueses prendeu-os e foram apresentados em Luanda.

 A partir desse momento, Mobutu mobilizou tropas para integrarem o Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), braço armado da FNLA. Só os comandantes eram angolanos! Essa tropa invadiu silenciosamente o Norte. Tentou fazer o mesmo em Cabinda. Nessa altura já estava em Luanda o almirante Rosa Coutinho e os invasores estrangeiros, entre os quais mercenários franceses, foram escorraçados de Massabi. O governador e comandante militar português, brigadeiro Temudo Barata, eleito presidente de honra da FLEC em Lândana, foi expulso do distrito e recambiado para Portugal.

As poderosas associações comerciais, agrícolas e industriais apoiaram abertamente a independência branca. Jonas Savimbi embarcou nessa golpada. Os independentistas brancos, aliados à Rodésia de Ian Smith (Zimbabwe) e à África do Sul, precisavam dessa bandeira e os Media apresentaram a UNITA como o movimento dos brancos. Savimbi era o “muata da paz”- Os líderes dos independentistas brancos, expulsos de Angola, apareceram nas delegações da FNLA e da UNITA durante a Cimeira do Alvor!

O Governo de Transição tomou posse no final de Janeiro. No dia seguinte, a “invasão silenciosa” do Norte de Angola foi concluída. O saque começou imediatamente. As tropas zairenses e os mercenários roubaram o gado de raça no Planalto de Camabatela. Saquearam as agências bancárias. Roubaram o café já colhido. Desmontaram e levaram para o Zaire fábricas inteiras. Milhares de viaturas ligeiras, pesadas e máquinas agrícolas foram roubadas.

Nesta fase a UNITA já estava nos braços dos racistas sul-africanos. Spínola, Nixon e Mobutu decidiram, primeiro na Base das Lajes, Açores, e depois na Ilha do Sal, Cabo verde, que o MPLA tinha de ser excluído do processo de descolonização. O programa máximo era a independência branca. Mas se falhasse, Angola era dividida em dois países. No norte mandava Holden Roberto e Mobutu. A sul do rio Cuanza Savimbi e a África do Sul. No final de Maio de 1974 UNITA e FNLA abandonaram o Governo de Transição. Apelaram aos angolanos do sul e do norte para regressarem rapidamente às suas terras de origem. A guerra ia avançar para exterminar o MPLA em Luanda e noutras regiões!

Em Junho de 1975, Savimbi entrou “triunfalmente” no Lubango com as tropas invasoras da África do Sul. Aos microfones do Rádio Clube da Huíla prometeu chegar rapidamente a Luanda. Agostinho Neto e os seus Generais apelaram à solidariedade de Cuba. Fidel Castro ordenou a Operação Carlota. Os exércitos estrangeiros foram travados pelas FAPLA reforçadas com internacionalistas cubanos. E derrotados nas Grandes Batalhas da Indendência..

Logo no início do Governo de Transição, o alto-comissário Silva Cardoso declarou que não era possível realizar eleições antes do dia 11 de Novembro de 1975. A Constituição da República e a Lei Eleitoral também não iam ser aprovadas na vigência do governo constituído pelos três movimentos de libertação e a potência colonial. FNLA e UNITA aplaudiram. Diógenes Boavida, ministro da Justiça, garantiu que a legislação necessária ficava pronta em breve! Logo a seguir os ministros e secretários de estado dos dois movimentos abandonaram Luanda. Lisboa suspendeu o Acordo de Alvor. Os invasores estrangeiros avançaram em todo o país.

Os falsários dizem que Savimbi e a UNITA iam ganhar as eleições em Angola porque representam o grupo étnico mais numeroso. Mentira mais grosseira não há. No período de transição, entre Benguela e o Bié, em todo o território do grupo étnico ovimbundo, a UNITA não tinha qualquer implantação. Savimbi era apenas reconhecido pelos independentistas brancos. Na cidade do Huambo desfilava ao lado dos colonialistas mais reaccionários.

Primeiras eleições multipartidárias. Cinco milhões de eleitores estavam inscritos. A participação foi superior a 90 por cento. O MPLA teve 54 por cento dos votos. A UNITA 34 por cento. Savimbi conseguiu 40 por cento para a Presidência da República. Estes números são enganadores. Em muitas regiões do país, o Galo Negro não permitiu a presença de delegados dos outros partidos! Mesmo com batota foram esmagados. 

Nas províncias de maioria ovimbundo a UNITA também perdeu. O mesmo aconteceu em todas as eleições. Nas últimas (2022) aconteceu um fenómeno estranho. A UNITA voltou a perder mas teve mais deputados do que o MPLA em Luanda, Cabinda e Zaire! Foi assim. Bengo, MPLA 55 por cento. Benguela MPLA 54,5 por cento. Bié MPLA 60 por cento. Cuando Cubango MPLA 69 por cento. Cuanza Norte MPLA 60 por cento. Cuanza Sul MPLA 68 por cento. Cunene MPLA 83 por cento. Huambo MPLA 57 por cento. Huíla MPLA 69 por cento. Lunda Norte MPLA 56,5 por cento. Luanda Sul MPLA 52,5 por cento. Malanje MPLA 61 por cento. Moxico MPLA 67 por centro. Namibe MPLA 66 por cento. Uíge MPLA 58 por cento. 

Nas províncias de maioria ovimbundo a UNITA e seus aliados do Bloco Democrático mais Abel Chivukuvuku foram esmagados. Mas a UNITA ganhou em Luanda 62 por cento, Cabinda, 68,6 por cento e Zaire, 52 por cento. Espero que a direcção do MPLA já tenha analisado e estudado este fenómeno.

As falsificações são assustadoras. Há alguns anos, os Media anunciaram com fanfarras e trombetas que um senhor francês tinha descoberto estações arqueológicas no Namibe. Fui obrigado a explicar no Jornal de Angola que o Professor Santos Júnior e o seu assistente, Carlos Ervedosa, já tinham descoberto e estudado minuciosamente esse patrtimónio. O meu saudoso amigo Carlitos publicou uma obra monumental intitulada “Arqueologia Angolana” com todos esses estudos. Mas a aldrabice passou impune. A União Europeia até financiou a vigarice!

 Ontem foi anunciado que um músico espanhol fez estudos na Lunda Norte e recolheu centenas de canções. Estudou os instrumentos musicais de palhetas. Ofereceu os seus estudos e recolhas ao Ministério da Cultura. Espero e desejo que o seu contributo seja real e autêntico. Mas é meu dever informar que Rogério de Vasconcelos, técnico da Emissora Oficial de Angola (RNA), dedicou anos da sua vida a recolher música na mesma região. Horas e horas de fitas magnéticas gravadas. Estão nos arquivos da Rádio Nacional,

Em 1960 foi publicada a obra “Folclore Musical de Angola” com o subtítulo “Povo Quioco (Área do Lóvua)”. O livro tem uma fabulosa colecção de fitas magnéticas e discos em vinil. A edição é dos serviços culturais da DIAMANG, antepassada da ENDIAMA, sob a responsabilidade do Museu do Dundo, no tempo de José Redinha. 

O livro tem um capítulo dedicado aos instrumentos musicais usados e a sua descrição pormenorizada. Um álbum fotográfico com 60 fotografias de músicos e bailarinas, algumas a cores. Uma análise musical com partituras. Letras das canções, comentadas. São 353 canções! Este livro custou-me a humilhação de pedir dinheiro a meu Pai quando tinha jurado que dele não queria nem um beijo. Perdi-o juntamente com as fitas magnéticas e os discos, no incêndio que destruiu a minha casa, na madrugada de 25 para 26 de Dezembro. 

Mas não perdi a memória dos meses que vivi no Cassai, onde fiz uma recolha que abrangeu a música,  o canto (solos e coros), a dança, a poesia e as artes plásticas, sobretudo escultura. Sou um marimbondo. Que a Dona Eduarda me confisque estas memórias e as venda em leilão electrónico. Valem mais do que os hotéis da AAA Activos Lda.

Hoje mando duas entrevistas, uma a Agostinho Neto e outra ao Comandante Dilolwa a seguir em PG. Para melhor compreenderem o período de transição. Aos mais endinheirados recomendo a leitura do livro ANGOLA A VIA AGRESTE DA LIBERDADE. Ainda se encontra nos alfarrabistas. Reporta o período entre 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975. E tem um prefácio do Almirante Rosa Coutinho. Sou o autor.

* Jornalista

ARTUR QUEIROZ - Livros, em Bertrand e em Letra Livre

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