quarta-feira, 6 de março de 2024

Entrevista Agostinho Neto (Maio de 1975) -- Artur Queiroz


 Artur Queiroz*, Luanda

“É muito fácil reduzir os conflitos em Angola a conflitos entre os Movimentos de Libertação. Não é assim. O que se passa é que há forças externas que desejam destabilizar Angola”. Esta afirmação, foi proferida pelo doutor Agostinho Neto, a 10 de Maio de 1975, quando a Grande Batalha de Luanda estava no auge, durante uma entrevista concedida ao jornalista Artur Queiroz e que foi publicada no jornal de Lisboa “Diário de Notícia”. Eis o texto integral da entrevista:

Artur Queiroz - O MPLA anunciou num comunicado que o desencadear de nova onda de violência levaria as FAPLA  a abandonarem as suas posições defensivas e a assumirem uma posição de ataque. Isso é possível em zonas onde a FNLA tem maior implantação militar?

Agostinho Neto - Os sucessivos ataques contra o MPLA não podem deixar de provocar uma profunda indignação nos elementos que constituem as FAPLA e, em todo o país, nós verificamos que essa indignação cresce. A repetirem-se os ataques, certamente que as FAPLA vão reagir. 

AQ - Há forças para isso?

NA - É certo que nós não temos a mesma força e a mesma implantação militar em todo o território. Temos pontos fracos e pontos fortes. Mas é preciso que ao analisarmos este problema, não vejamos simplesmente o número de soldados e o número de armas, mesmo até a qualidade das armas de que os soldados dispõem. Nós temos de contar com outro elemento que é fundamental nesta luta. Esse elemento é o povo. E se, como disse, ainda estamos fracos sob o ponto de vista militar, em alguns pontos, podemos contar com o apoio da maior parte do nosso povo. Este elemento é determinante para a vitória das forças progressistas.

AQ - Os ataques contra as posições das FAPLA têm origem externa?

AN - A modificação da atitude defensiva por parte das FAPLA e do nosso movimento deve-se simplesmente ao facto de verificarmos que as forças reaccionárias se estão a instalar e a aumentar os seus ataques contra o MPLA, o que quer dizer contra os interesses do povo angolano, portanto contra os interesses das forças progressistas em Angola. O elemento fundamental dessas forças progressistas pode ser considerado a aliança entre o povo e as FAPLA. Vamos reagir com toda a decisão, para que nenhum outro ataque possa ser feito neste país contra as forças progressistas e neste caso contra o processo de descolonização, que nós queremos ver completado no dia 11 de Novembro.

AQ - Cabinda é controlada política e militarmente pelo MPLA, mas existe um movimento separatista cada vez mais activo. As FAPLA estão preparadas para enfrentar novos ataques das forças separatistas? 

AN - Sim! Cabinda é um distrito de Angola em que somente o MPLA combateu pela sua libertação e hoje o MPLA é realmente a força que controla esta parte de Angola política e militarmente. É bom frisar que Cabinda tem sido objecto da atenção do Mundo devido à existência de grandes quantidades de petróleo e às enormes riquezas que existem no solo e no subsolo. Essa atenção, por vezes, manifesta-se pela expressão de apetites e cobiças quanto ao território. Na última reunião do Comité de Libertação de África da OUA, Cabinda foi um dos pontos que mais foi discutido. Há mesmo países que pedem um referendo especial para Cabinda, porque pensam que Cabinda é um território distinto do resto de Angola. São conhecidas as manobras feitas no plano internacional para que se destaque Cabinda de Angola. 

AQ – O MPLA aguenta essa pressão militar e política?

AN - No plano interno o MPLA continua a controlar o território. Não devo esconder que há ameaças que neste momento estamos a viver em Cabinda. Por exemplo, verifica-se a existência de importantes efectivos militares na fronteira sul, tropas essas que certamente se estão a preparar para um ataque. Há também um aumento crescente de efectivos da FNLA no sul de Cabinda que, nas últimas semanas foram transferidas do Zaire para o interior do país. Há também a considerar a existência de depósitos de armamento na parte norte, zona de Landana, pertencentes à FLEC, embora a organização esteja a desintegrar-se.

AQ - Desintegração política ou militar?

AN - A direcção que reside no Zaire dividiu-se em três partes. Há três tendências inconciliáveis. Um dos elementos mais importantes da FLEC, N'Zita Tiago, está preso em Kinshasa. Portanto, embora a FLEC não seja uma força importante para Cabinda e para Angola, embora não seja uma organização político-militar de valor, o certo é que muitos angolanos de Cabinda podem ser utilizados por forças estrangeiras, sobretudo as que existem perto das fronteiras de Angola. 

AQ – Que medidas estão a ser tomadas? 

AN -. O nosso movimento tem de se acautelar, já que desejamos defender até às consequências finais a integridade territorial do país e a unidade nacional. Temos de nos defender contra estes ataques. As ameaças são cada vez mais nítidas e nós apenas podemos dizer que estamos preparados para rechaçar qualquer ataque, seja qual for a sua origem. E com a mesma determinação que nos anima, as FAPLA e o povo vão defender o território em todos os pontos de Angola

AQ - Pela letra do Acordo de Alvor é da responsabilidade do Governo Português defender a integridade territorial de Angola até à independência. Perante a situação que se vive em Cabinda, as autoridades portuguesas tomaram medidas?

AN - Eu não sei bem quais as medidas que são tomadas pela parte portuguesa para defender a integridade territorial em Angola, particularmente na região setentrional de Cabinda. É certo que em Cabinda as FAPLA colaboram bem com os elementos do Exército Português. Há também boa colaboração ao nível das cúpulas e portanto é de presumir que haja uma certa colaboração também no plano militar, decisivo para Cabinda. Mas não tenho conhecimento do que fez concretamente a parte portuguesa.

AQ - As autoridades portuguesas em Angola vêm vindo a assumir uma posição de neutralidade. Há o perigo de uma ruptura entre as autoridades portuguesas em Angola e o MPLA? 

AN - Tenho exprimido a minha opinião sobre a posição portuguesa em Angola. Já me referi diversas vezes à passividade com que a parte portuguesa tem assistido aos conflitos que são desencadeados em Luanda e de uma maneira geral em toda Angola. Esta politica, a que chamam neutral, que se pretende isenta e a que chamam também uma politica de imparcialidade perante os movimentos de libertação, é uma atitude que do ponto de vista do MPLA só pode prejudicar Angola e Portugal. Porque é muito fácil reduzir os conflitos que têm acontecido em Angola, como sendo conflitos entre movimentos de libertação. 

AQ - Os conflitos têm mais intervenientes?

AN - O que se passa é que há forças externas que desejam a recolonização de Angola. Essas forças querem manter sob o seu controlo as riquezas do país e querem manter o domínio sobre o nosso povo. Não desejam que o processo de descolonização vá até ao fim e que Angola seja completamente independente. Face a estes factos, só podemos combater contra essas forças. Porque, da mesma maneira que nós combatemos para chegarmos a esta fase, para que o nosso direito à independência fosse reconhecido, nós combateremos também para que esse direito possa ser aplicado ao nosso povo. 

AQ - Está em causa a relação entre Angola independente e Portugal?

AN - Creio que nem tudo está perdido. Nós sempre tivemos o maior apreço pelo povo português, até porque é um povo que também luta contra o imperialismo, um povo que também foi oprimido pelo fascismo, um povo que se tem manifestado, da mesma maneira que nós, pela independência total de Angola. O facto de ter havido erros ou ambições por parte de alguns dos seus representantes, não significa que o MPLA vai deixar de ser aliado ou se vai separar completamente na sua actuação, do povo português. Continuaremos a trabalhar com as autoridades portuguesas até ao fim da descolonização.

AQ - Há uma clara exploração das contradições raciais e tribais. Como está o MPLA a combater esta nova forma de ataque?

AN - Essa atitude por parte dos reaccionários é bem visível sobretudo em Luanda, durante os últimos conflitos em fins de Abril, princípios de Maio. Verificamos que há uma tendência para se aproveitarem das contradições entre as comunidades, branca e negra. Para amedrontar os brancos e incriminar os negros. Eu penso que essas contradições que existem naturalmente no nosso país, contradições que derivam do colonialismo, assim como as contradições tribais que foram acentuadas durante o colonialismo, são fenómenos que devemos combater energicamente em vez de nos aproveitarmos deles para se realizarem determinados fins. Os reaccionários não pensam assim. Eles pensam explorá-los para agudizarem ainda mais os conflitos. Nas áreas fora de Luanda, no sul, por exemplo, existem os mesmos fenómenos, as mesmas contradições, que não foram aproveitadas da mesma maneira. Neste momento estamos a assistir a um lamentável fenómeno no norte, ou melhor no nordeste, em que as contradições tribais são aproveitadas para agudizar um conflito que não é senão um conflito entre as forças da reacção e as forças progressistas. 

AQ - Já tomaram medidas?

AN - Claro que o MPLA já tomou medidas no sentido de combater e esses ataques da reacção. Já instruímos os nossos militantes para que não se deixem arrastar para esse tipo de luta. Não é a luta contra o branco ou contra os que não pertencem ao nosso grupo étnico que pode resolver os problemas em Angola. O problema de Angola, o problema angolano só é resolvido quando nós encontramos uma unidade perfeita entre todos aqueles que compreendem o objectivo da nossa acção, todos aqueles que aderem à causa da independência, para fazermos face em comum contra os ataques das forças imperialistas, que têm os seus apetites em Angola.

AQ - Dada a situação político e militar a data da independência e a realização das eleições, podem sofrer alterações?

AN - Bem, muitas coisas podem acontecer em Angola. Tudo depende do bom senso, da prudência e da combatividade daqueles que defendem a independência total e completa do povo de Angola. Nós temos de facto a ameaça de um conflito generalizado, um conflito que querem provocar, exactamente para que não cheguemos ao fim do processo de descolonização em condições de continuarmos a vida que desejamos, que é trabalharmos na construção um país livre e progressista após a independência. Há mesmo aqueles que querem destruir a ideia da independência no dia 11 de Novembro. 

AQ - Reconhece que estão em causa as eleições?

NA - Eu sei que haverá muitas dificuldades para a realização das eleições, já que é uma operação complicadíssima, especialmente nas condições que estamos a viver. Após séculos de colonialismo e dezenas de anos de fascismo, em que a prática eleitoral não foi aplicada em Angola, e o nosso povo, naturalmente ainda não educado para o exercício da democracia, há dificuldades em responder de uma maneira cabal às solicitações que se põem à realização das eleições. Haverá dificuldades também de carácter técnico, que não sabemos ainda se será possível ultrapassá-las. No entanto, penso que mesmo nessas condições e uma vez que todos concordamos, devemos fazer tudo para realizar as eleições. 

AQ - O Alto-Comissário Silva Cardoso  pensa assim?

AN - A meu ver, não é prudente chegarmos a este momento, quando ainda mal iniciamos a discussão sobre a Lei Eleitoral, quando ainda não aprovámos sequer uma Lei Fundamental, chegarmos à conclusão que não podemos efectuar as eleições. E as dúvidas que têm surgido ultimamente por causa dos conflitos, principalmente aqui em Luanda, não autorizam ninguém a dizer que as eleições são impossíveis. E é bom que se passe pelo teste das eleições para não continuarmos a viver esta dúvida sobre qual a tendência principal do povo angolano. Acho que o trabalho dos Movimentos de Libertação do Governo de Transição e de todo o povo, deve ser em prol da realização das eleições.

Nota: segue-se a entrevista a Carlos Alberto da Rocha Oliveira Dilolwa

Entrevista Carlos  (Agosto de 1975)

“Após a morte de Patrice Lumumba tivemos sempre no Zaire um país inimigo do MPLA e do povo angolano. Se não fosse o Zaire, a FNLA já teria desaparecido”, disse-nos o comandante Carlos Rocha (Dilolwa). Referindo-se às invasões do território angolano, a partir do Zaire e da África do Sul, afirmou o comandante Dilolwa: “Em Angola está em jogo a revolução africana, e mesmo o futuro e a sorte das forças progressistas a nível mundial”. Combatente da primeira hora do MPLA, Dilolwa participou em todas as fases da vida do movimento e, durante alguns anos, foi combatente na Frente Leste, onde pertenceu à Comissão Provisória de Reestruturação da Frente Leste. Membro do Comité Central e do Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola, o comandante é, também um dos mais competentes economistas africanos.

Em entrevista concedida ao jornalista Artur Queiroz para o jornal de Lisboa “Diário de Notícias”, o comandante Dilolwa analisou o significado político-militar e também económico de alguns acontecimentos que integraram o processo angolano, desde o 25 de Abril até à independência.

Artur Queiroz - O controlo da costa angolana pelas forças armadas do MPLA tem peso económico e militar? 

Carlos Rocha Dilolwa - Evidentemente que a resposta a essa pergunta exige que faça desde logo uma ligação à própria importância de Luanda no contexto angolano. Luanda é a capital, portanto, o centro de decisão política e não só. Luanda é também o centro onde se concentra metade da população urbana do nosso país. Tem um bom porto de mar e, além disso, concentra praticamente metade de toda a indústria transformadora de Angola. Por conseguinte, Luanda adquire um peso específico enorme no contexto de Angola e a expulsão da FNLA e da UNITA de Luanda constituiu uma derrota política e militar enorme para as duas forças e quem as apoia. 

AQ - Qual é o peso económico e militar dessa situação?

CRD - O MPLA, com o controlo da costa, passou a ter à sua disposição os três portos acostáveis de Angola. Passou a controlar toda a zona litoral que é, sem dúvida, a mais desenvolvida do país sob o ponto de vista económico, de infra-estruturas e até de concentração de quadros. Controlar a costa litoral angolana foi uma vitória mas não é menos importante controlar também a testa-de-ponte das vias férreas que penetram o interior. O MPLA. pode resolver, nos seus aspectos mais importantes, problemas económicos, de abastecimento e outros, porque os centros do litoral são ricos em relação ao resto do país. O inimigo ficou numa posição de isolamento no interior do país, porque o MPLA controla o litoral e o Leste de Angola, região das Lundas e a região do Moxico. 

AQ - A estratégia foi isolar a UNITA no Planalto Central?

CRD – A UNITA foi para a província do Huambo quando abandonou o Governo de Transição. Agora está encurralada e tem enormes carências de combustível, que recebe por via aérea e, evidentemente, só para as forças armadas, porque as viaturas civis não podem usufruir desses combustíveis. Assim, Nova Lisboa tornou-se numa cidade morta porque, por falta de transportes, é impossível o abastecimento de bens de consumo a partir do campo e também porque as populações tiveram de se refugiar no campo para sobreviver.

AQ - A fronteira de Angola com o Zaire é importante para as forças da UPA/FNLA e seus aliados zairenses que actuam no norte. Está em risco a divisão de Angola?

CRD - Angola tem uma fronteira de 2000 quilómetros com o Zaire. Esta situação constituiu um dos mais sérios óbices ao avanço da nossa luta, porque após a morte de Patrice Lumumba tivemos sempre no Zaire um país inimigo do MPLA e do povo angolano. Para a FNLA, o Zaire foi sempre uma base segura de enorme importância. Se não fosse o Zaire a FNLA já teria desaparecido, era impossível sobreviver sem o apoio do Zaire. Só um pequeno episódio, entre muitos, para ilustrar esta afirmação. Em fins de 1971, princípios de 1972, houve uma revolta militar na base da FNLA, em Kinkuzu, na fronteira do Zaire com Angola. Os comandantes militares não compreendiam o porquê da passividade de Holden Roberto, ele não ordenava operações militares contra o exército colonial português. Sabemos perfeitamente que não estava na estratégia do imperialismo desencadear operações militares contra o colonialismo português. Os comandantes da UPA/FNLA não aceitaram isso e por força de uma revolta militar tomaram o poder na base do Kinkusu.

AQ - Essa base era importante?

CRD - Naquele tempo, a base de Kinkuzu era toda a FNLA. Com a revolta, os comandantes deixaram Holden isolado nos seus escritórios em Kinshasa. Foi preciso o exército zairense entrar em Kinkuzu com blindados para repor Holden no poder.

AQ - O que aconteceu aos comandantes?

CDR - Poucos escaparam, as tropas zairenses assassinaram quase todos os comandantes militares do ELNA. Os actuais quadros militares da UPA/FNLA foram formados à pressa, já em 1972, prevendo a queda do regime colonial-fascista português. Holden tinha conhecimento da situação política em Portugal através dos serviços secretos norte-americanos. Portanto, para a FNLA o Zaire representa uma base política de valor inestimável, uma base de apoio logístico importante, e uma retaguarda militar segura para as suas agressões a Angola. Digo bem agressões, porque a UPA/FNLA é um partido estrangeiro em Angola. Mas não é só a FNLA que agride Angola. É o próprio exército regular zairense e que coloca no terreno unidades inteiras. Oficiais zairenses integram  o dito exército da FNLA.

AQ - Esse apoio pode viabilizar uma política de divisão de Angola?

CRD – Pode, até porque do ponto de vista económico, a fronteira do Zaire tem uma importância muito grande para a FNLA, uma vez que nas zonas que ocupa, não há nenhum porto de mar. O café é escoado pelo Zaire. Todos os produtos industriais que circulam pelas províncias do Uíje e Zaire são de proveniência zairense.

AQ - Como encara a evacuação gradual das forças militares portuguesas?

CRD - A evacuação das forças portuguesas não é assim tão gradual como isso. Umas vezes ela é gradual outras é precipitada. Os portugueses retiraram precipitadamente do noroeste de Angola ignorando o ponto do Acordo de Alvor que os incumbia de defender as fronteiras do nosso país. Até ao 11 de Novembro, a soberania de Angola pertence a Portugal e a parte portuguesa começou por não respeitar a cláusula mais importante do acordo, que é precisamente defender a integridade territorial do nosso país. 

AQ - A potência colonial não defende as fronteiras?

CFRD - Pelo contrário, as forças portuguesas retiraram-se das zonas controladas pela UPA/FNLA e pela UNITA. Concentraram-se nas zonas do MPLA. O caso mais recente Moçâmedes. As tropas portuguesas permaneceram na cidade até que as tropas do ELP (Exército de Libertação de Portugal) e as tropas sul-africanas lá chegaram. Nesse momento retiraram para se concentrarem em Luanda. Nós estamos a ver com grande apreensão esta grande concentração de tropas portuguesas em Luanda. Esse facto representa um perigo potencial enorme para o nosso povo, para o MPLA, para o progresso da nossa revolução e, indo mais longe, para os destinos de Portugal.

AQ - A concentração das tropas portuguesas na capital pode afectar Portugal?

CRD - Acredito que pode, porque se nós pensamos que a luta do povo português e do povo angolano é uma luta comum, uma luta pela libertação do Homem, as forças reaccionárias também sabem que todo o golpe reaccionário em Portugal tem imediatamente repercussões em Angola. O contrário também é verdadeiro. Aliás, já se verificou isso, depois do 25 de Abril, em Setembro de 1974. E em Março de 1975.

AQ - A invasão de Angola pelas forças de África do Sul e do ELP pode ser a parte visível de um vasto golpe contra Angola e Portugal?

CRD - É evidente que a invasão que as tropas da África do Sul efectuaram no nosso país, faz parte de uma grande estratégia imperialista que consiste em criar na África Austral um dos blocos mais reaccionários e agressivos do planeta. O objectivo é criar um bloco ultra-reaccionário e racista, dirigido de longe pelo imperialismo norte-americano e de perto pela racista África do Sul. 

AQ – E quem mais faz parte desse bloco?

CRD -  Além da África do Sul, a Rodésia, a Namíbia sobre domínio dos sul-africanos, Cabinda separada de Angola e o Zaire de Mobutu. Tal bloco seria extremamente forte, porque se situa na região mais rica do continente africano, aquela que potencialmente tem mais possibilidades de se desenvolver rapidamente. Tal bloco como é evidente representa um perigo enorme para a Zâmbia, a República Popular do Congo, a Tanzânia, Moçambique e ainda numa segunda fase para outros países progressistas. 

AQ - O MPLA aguenta esse embate?

CRD - Basta ter em conta a estratégia do imperialismo na África Austral para compreender claramente a importância da luta que o MPLA trava nesta parte do Mundo. Não é casual a intervenção das forças sul-africanas em Angola. Insere-se no mesmo quadro que a invasão pela fronteira norte levada a cabo pelo exército zairense. Quanto ao ELP, uma organização portuguesa nazi-fascista que se opõem à revolução do 25 de Abril, está a ser directamente financiado, municiado e enquadrado pela África do Sul.

AQ - O Alto-Comissário ou o alto comando português reagiram depois de elementos do ELP terem declarado a sua presença no Lubango, aos microfones do Rádio Clube da Huíla? 

CRD - Tal como anteriormente, nas invasões pelo Norte de Angola, também desta vez as autoridades portuguesas, obrigadas a garantir a integridade territorial de Angola, nem sequer denunciaram - já não digo opor-se pela força das armas - mas nem sequer denunciaram a invasão de Angola pelas tropas sul-africanas e do ELP. Mas às vezes o Alto-Comissário Silva Cardoso emite comunicados lembrando que ainda é soberano em Angola até 11 de Novembro. Pretende exercer a soberania nas zonas libertadas pelo MPLA mas é incapaz de denunciar a invasão de Angola por exércitos estrangeiros. Em Angola, está de facto em jogo a revolução africana, e mesmo o futuro e a sorte das forças progressistas a nível mundial.

AQ - Depois da mobilização geral contra os invasores qual é o potencial material e humano das FAPLA?

CRD - O potencial humano das FAPLA é imenso, porque nós dizemos o MPLA é o povo e o povo é o MPLA. A nossa força é enorme. Mas o problema não se põe quanto ao potencial humano. O problema, imenso, é enquadrar política e militarmente esta enorme massa de gente e o seu armamento. O o problema maior é o armamento, porque estamos a fazer frente a exércitos regulares, que dispõem de meios muito mais poderosos do que os nossos. Mas nós pensamos que o factor decisivo numa guerra é o homem e nunca a arma. Estamos convencidos de que embora esta guerra seja muito difícil vamos triunfar, porque a vitória é certa.

AQ - Qual é a situação político-militar nas zonas libertadas?

CRD - Estas confrontações militares tiveram a vantagem de clarificar a situação no plano político. Se antes algumas pessoas fora de Angola pensavam que existiam três movimentos de libertação, agora está claro que só existe um movimento de libertação. E há forças fantoches apoiadas por inimigos de África. As invasões estrangeiras permitiram uma demarcação política das forças em presença. 

AQ - O MPLA sozinho consegue derrotar as tropas estrangeiras?

CRD -  A guerra que se trava em Angola é uma guerra entre as forças do progresso, entre as forças realmente nacionais, as forças patrióticas, contra as forças da reacção, as forças tenebrosas do colonialismo materializadas no ELP, as forças do neocolonialismo mais abjecto e do fascismo. Porque não há dúvida nenhuma que a FNLA é um partido fascista, o ELP é uma organização fascista, o Zaire é um país fascista. A África do Sul é um país fascista que pratica o apartheid. Lutamos contra as forças mais obscuras do nosso planeta no momento actual. 

AQ - Há províncias nas mãos dessas forças. O que se passa nas áreas ocupadas?

CRD - O MPLA teve vitórias retumbantes. Controlamos 12 das 16 províncias do nosso país. Foi então que o Zaire pôs no terreno mais batalhões zairenses, tentando, em vão, repito em vão, tomar Luanda. A África do Sul tomou os distritos do Cunene, Huíla e Moçâmedes. Mas a resistência nessas províncias continua. Isto quer dizer que os invasores e os mercenários tomaram as capitais distritais mas não tomaram as províncias.

AQ - Depois do 11 de Novembro o MPLA vai aguentar a pressão militar estrangeira?

CRD - É evidente que com a aproximação do dia 11 de Novembro a agressão imperialista contra o nosso país vai progredir num crescendo cada vez mais acelerado. A situação não é, de forma nenhuma, dramática como as agências noticiosas internacionais fazem crer. Há uma forte disseminação de notícias falsas. Quando o MPLA passou a controlar 12 províncias, diziam que em Angola havia o caos económico, o que era absolutamente falso. Aliás, a comissão da OUA pôde constatar que a máquina económica e administrativa rodava em pleno. Actualmente fazem crer que há uma derrocada militar do MPLA. Os mercenários estão nos arredores de Luanda. Tomaram Lobito e Benguela. Mas o MPLA é absolutamente capaz de fazer face a esta agressão imperialista.

AQ - Há perspectivas de vitória nesta segunda Guerra de Libertação Nacional? 

CRD - Esta segunda guerra de libertação nacional assume a forma de resistência popular generalizada. Ela tem um carácter nacional, realmente nacional, porque se trata de uma luta da Nação Angolana contra as forças do estrangeiro, tal como na primeira guerra. Mas ainda mais do que na primeira guerra assume um carácter nacional, porque agora existe uma demarcação política no seio dos angolanos. Entre os angolanos que fazem parte do povo e aqueles que traíram a pátria e se juntaram ao imperialismo. 

AQ - É possível mobilizar forças para a guerra, depois da Independêmcia Nacional?

CRD - As condições objectivas nesta segunda guerra de libertação nacional permitem uma consciencialização muito mais profunda do nosso povo. Permitem que as massas apreendam mais facilmente a essência da nossa luta. Na primeira guerra de libertação nacional era fácil alguns manobradores dizerem que a luta era contra o branco. Agora é impossível isso. A luta tem de ser explicada. Temos que defender os interesses das massas mais exploradas, para perceberem do que se trata e o que está em jogo. Cada angolano defende os seus interesses legítimos. Vamos vencer os invasores estrangeiros! 

AQ - A África do Sul tem armas nucleares…

CRD - Esta guerra será dura, extremamente dura. Precisamente tendo em conta a estratégia do imperialismo que eu referi. Será uma guerra mais ou menos prolongada, mas nós nunca fizemos cálculos de quanto tempo duraria a primeira guerra de libertação nacional, portanto não podemos dizer quanto tempo durará a segunda guerra. Mas os exemplos do passado são encorajadores. O exemplo da nossa vitória na primeira luta de libertação nacional é também a vitória dos outros. 

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