quinta-feira, 21 de março de 2024

Portugal da marcha de pantufas para depois a das botas cardadas (esperança?)

O Expresso Curto a seguir. Seremos breves sobre o que aí vem de lavra da redação do Página Global. A opinião que anteriormente tivemos e mantemos viva como pedra e cal inamovível: vêm aí tempos muito danadinhos, janelas e portas escancaradas dão acesso ao edifício da democracia em vigor em Portugal. O ataque aos direitos humanos, aos direitos laborais, aos direitos das mulheres e da maioria dos cidadãos vão crescer exponencialmente. Escolha de uns poucos portugueses em contra corrente aos cerca de sete (7) milhões de leitores que expressaram o seu voto. Temos a extrema-direita nazi-fascista, xenófoba e racista, a colher a legitimidade para ainda mais nos atormentar a vida. Primeiro avançará na sua marcha de pantufas, depois virão as botas cardadas…

Leiam o Expresso (curto) ainda sem ser revisto por uma tétrica, nojenta e fascista Comissão de Censura de eminência parda e depois às claras e temerosa para os verdadeiramente democratas. A Europa caminha para esse quadro negro, Portugal também.

Bom dia, se conseguirem.

O Curto, para todos. A seguir.

Redação PG

Um exercício de ousadia: cultivar a esperança

Christiana Martins, jornalista | Expresso (curto)

Foi ontem que o calendário marcou o início da Primavera e é nesta energia, aqui simbolizada por esta imagem de David Hockney, que devemos ir buscar forças para exercitar a confiança no futuro, mesmo quando tudo à volta parece cada vez mais volátil. Desta vez, a promessa de mais calor e cor veio acompanhada pela indigitação de Luís Montenegro como o futuro primeiro-ministro de Portugal. De notar a hora que Montenegro, ainda candidato, regressou a Belém: 00h08. A nota da Presidência foi divulgada dez minutos depois e às 00h35 Montenegro saiu, já indigitado primeiro-ministro. Antes, com ar cansado, disse aos jornalistas que ainda hoje reúne-se com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e com os líderes do Partido Popular Europeu, em Bruxelas.

Antes disso, ontem, à tarde, o Presidente da República recebeu a AD em Belém e depois de terem sido conhecidos os resultados dos votos dos portugueses que residem no estrangeiro - que comprovaram o crescimento do Chega também neste espaço e ainda o afastamento de Augusto Santos Silva, que deixa a presidência da Assembleia da República sem conseguir reeleger-se deputado - Marcelo Rebelo de Sousa não perdeu tempo e avançou com o processo de indigitação de Luís Montenegro.

No dia 28, Montenegro apresenta a composição do Governo ao Presidente e a posse da nova Legislatura nacional acontecerá a 2 de abril, a seguir a qual, o novo governo terá dez dias para apresentar o seu programa.

Do primeiro encontro entre Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa percebeu-se que o líder da AD já saiu à espera de ser convidado para formar governo, invocando a “maioria” formada pelos votos conquistados pelo PSD e pelo CDS. Perante as câmaras dos jornalistas surgiu um político mais contido, cauteloso. Mas visivelmente satisfeito, à semelhança dos seus acompanhantes Nuno Melo e Hugo Soares.

Feitas as contas, o resultado final foi de 80 deputados para a AD, 78 para o PS e 50 para o Chega. Acompanhados em plenário por oito da IL, cinco do Bloco de Esquerda, quatro para a CDU e outros quatro para o Livre e uma para o PAN.

Resolvida a questão magna, o Presidente deverá dissolver Parlamento da Madeira antes de dar posse ao Governo da AD. Não esquecer, entretanto, que hoje é dia de eleições no PSD Madeira, que terá de escolher entre continuar com Miguel Albuquerque ou mudar para Manuel António.

Nessas alturas complexas, há que puxar pela nossa capacidade de sonhar e quando não nos ajudarem, teremos de a inventar. Se, como bem disse David Dinis no seu “Observatório da Minoria”, “Luís Montenegro não tem um problema por ter ganho por pouco – tem um problema por não sabermos bem o que é ‘mudar’, a palavra-chave que carregou nas legislativas… o que faltou na campanha do PSD, da AD ou de Montenegro não foi a estratégia, foi a ausência de sonho”, teremos de exigir que tal direito nos seja assegurado, uma exigência que passa também por nós e pelo pleno exercício da cidadania. De nada abdicar é o lema.

Dito isto, que são constatações, há que puxar por nós. Outro dia, a propósito de uma investigação que em nada para aqui é chamada, veio me parar às mãos, por equívoco de pesquisa, um pequeno livro de José Ortega Y Gasset. "Una interpretación de la historia universal", de 1959. Na lição VI, o autor debruça-se sobre o que os gregos diziam ser o "carisma", afirmando que aquele que o tem, "está mais perto dos deuses do que os demais".

"E como todo o povo dependia do favor dos deuses, esse homem será absolutamente imprescindível para a coletividade”. Em tempos de novas lideranças, é curioso pensar que, como diz Gasset mais adiante, esperamos que estas lideranças tenham essa "graça mágica a que chamamos dom ou 'carisma'". Muito já se escreveu sobre cada um destes conceitos, mas, trazidos para o quotidiano, corremos o risco de ficar esvaziados de expectativa quando olhamos à volta. Uma prova de que para “esperançar” é necessário ousadia. E perseverança.

Outras notícias:

. Exercitar: Hoje realiza-se em Lisboa uma manifestação nacional de estudantes, que parte pelas 14h30 do Rossio em direção à Assembleia da República. O mote é “Queremos Mais Abril Aqui” e visa "fazer convergir nas ruas várias estruturas do movimento associativo” estudantil. A expectativa é que pelo menos dois mil jovens andem sobre a cidade, fazendo-se ouvir e aos seus receios e o direito à habitação será uma reivindicação gritada.

. (In)Felicidade: Os jovens estão a tornar-se menos felizes do que as gerações mais velhas, revela o Relatório Mundial da Felicidade, um barómetro anual do bem-estar em 140 países, coordenado pelo Centro de Investigação do Bem-Estar da Universidade de Oxford, pela Gallup e pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável da ONU.

. Passivo-agressivo: O presidente-executivo da maior fabricante de munições da Europa, Rheinmetall, disse que os líderes da UE deveriam considerar a instalação de sistemas de defesa aérea de curto alcance semelhantes ao Iron Dome de Israel. Mau tempo no horizonte aquele em que a defesa tem de ser o melhor ataque.

. Estar (bem): Um dos temas que vai merecer a nossa atenção nos próximos tempos será certamente a questão da imigração. Para alargar as perspectivas, sugiro a abordagem crítica e positiva feita pela respeitada “Economist”, que nos conta a história da cidade inglesa de Reading, onde resultados positivos calam fantasmas. Por aqui, um estudo demonstra que os portugueses são os europeus mais preocupados com emigração e desconfiam das políticas socialistas de imigração.

. Estar (mas nem por isso bem): Com o resultado das últimas eleições, Portugal tornou-se mais um caso de estudo sobre o crescimento da extrema direita e desta vez foi o “Guardian” a nos retratar. Conta a história de Evalina Dias, que “durante anos tem trabalhado diligentemente para combater o racismo em Portugal”. No artigo a entrevistada fala sobre “o sucesso do Chega e o fracasso do país em abordar adequadamente o racismo”. Interessa ouvi-la: “Não falamos sobre isso, não discutimos, os portugueses dizem: 'Ah, não somos racistas’. Este vazio tornou mais fácil para o Chega fazer de bode expiatório as diversas comunidades para os males do país, apesar dos dados mostrarem que os migrantes contribuem quase sete vezes mais para os cofres públicos do país do que recebem.”

. O ar que respiramos: A poluição atmosférica está a piorar em alguns locais devido à recuperação da actividade económica pós pandémica e ao impacto tóxico do fumo dos incêndios florestais, mesmo assim sete países conseguem cumprir uma norma internacional de qualidade do ar. Dos 134 países e regiões pesquisados ​​num relatório divulgado esta terça-feira, apenas Austrália, Estónia, Finlândia, Granada, Islândia, Ilhas Maurício e Nova Zelândia cumprem as diretrizes da Organização Mundial da Saúde para as pequenas partículas expelidas por veículos. "Ainda há tempo de lançar uma bóia de salvação às pessoas e ao planeta" afirmou a este propósito o secretário-geral das Nações Unidas, alertando, contudo, que é preciso agir agora.

. Descer e subir: O Banco do Japão aumentou na terça-feira as taxas de juro pela primeira vez em 17 anos, pondo fim à última política de taxas negativas do mundo. Passam de um valor entre 0% e 0,1%, em lugar de menos 0,1%. A inflação japonesa tem estado acima do objetivo de 2% há 22 meses e o crescimento dos salários levaram o banco a mudar de rumo. Mário Centeno defende estratégia oposta para o espaço europeu, mas Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, voltou a afirmar que é preciso esperar por Maio e Junho para descer as taxas de juro, sem dar quaisquer garantias de que o fará. Entretanto, nos Estados Unidos, a Reserva Federal apontou para três descidas da taxa diretora este ano.

Outras notícias, mas telegráficas:

. Renúncia: O primeiro-ministro da Irlanda, Leo Varadkar, renunciou ao cargo na sequência de um anúncio surpresa, invocando “razões pessoais e políticas”.

. Chegada: O País de Gales elegeu o trabalhista Vaughan Gething, nascido na Zâmbia, filho de pai galês e mãe zambiana, como primeiro-ministro, o primeiro negro a assumir esta posição na Europa.

. Partida: António Costa está em Bruxelas, desde ontem e até amanhã, para se despedir de todas as autoridades com quem privou durante o seu governo e para assistir ao seu último Conselho Europeu.

. Parabenizar: O Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, enviou uma carta a Vladimir Putin cumprimentando-o pela vitória nas eleições russas.

. Provisória: O Tribunal de Barcelona ordena que o jogador de futebol Dani Alves, condenado por violar uma jovem, entregue os passaportes e proíbe-o de se aproximar ou comunicar com a vítima, mas o deixa em liberdade provisória mediante o pagamento de um milhão de euros.

. Na hora: O ex-presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, será detido quando regressar a Espanha, na sequência das buscas por supostas irregularidades em contratos, durante uma investigação por crimes de corrupção.

. Recompor: Um retábulo de Piero della Francesca, composto por oito painéis, foi remontado após 450 anos graças a empréstimos do Reino Unido, EUA e de Portugal (Museu Nacional de Arte Antiga). A maioria dos 30 painéis originais, contudo, continua desaparecida.

. Saga: Os criadores de “Game of Thrones”, em entrevista ao “New York Times”, falaram sobre “3 Body Problem”, uma nova série que chega hoje à Netflix e que desta vez será dedicada a uma a saga espacial alienígena, com uma história que, segundo contam, começa na China da Revolução Cultural.

. Confronto: Portugal e Suécia defrontam-se hoje em Guimarães num jogo de preparação para o Euro 2024, pelo caminho ficou o susto de João Cancelo, que teve de ser submetido a exames médicos para despistar um eventual problema cardíaco.

Frases:

"Há uma maioria constituída pelos deputados do PSD e do CDS, é com base nela que apresentaremos Governo", Luís Montenegro, à saída do primeiro encontro com o Presidente no Palácio de Belém

"É uma derrota política e pessoal", Augusto Santos Silva, ontem em entrevista à SIC Notícias

“Vamos assistir ao Bloco Central contra o Chega”, André Ventura em conferência de imprensa

"Não haverá mudança de política europeia ou de política externa portuguesa”, António Costa em Bruxelas

"Se não houver um grande esforço de negociação e melhoria dos acordos, entretanto, celebrados, [a resposta será] inevitavelmente o protesto de rua, antevendo um verão que será quente e um outono ainda mais quentinho”, José Abraão, secretário-geral da Federação de Sindicatos da Função Pública e membro da Comissão Política do PS

“Os sócios estão a passar ao lado da conversa. Vender o FC Porto não é o caminho”, André Villas-Boas em carta aos accionistas da FC Porto SAD

“Se tiver que morrer durante um mandato, para mim não é problema”, Pinto da Costa em reação a declarações de André Villas-Boas

Podcasts:

. “A História repete-se”: Henrique Monteiro e Lourenço Pereira Coutinho conversam sobre a crise que pôs fim à I dinastia e abriu caminho à dinastia de Avis, a primeira mudança de dinastia em Portugal.

“Perguntar não ofende”: Como se normaliza a direita radical? Daniel Oliveira nos ajuda a tentar perceber melhor a dinâmica do crescimento destas forças.

“Café da Manhã”: Paulo Baldaia conversa com Bernardo Ferrão sobre que país político sai das audiências em Belém.

O que ler:

Já sabem que este é o meu espaço de militância, de incentivo, em que a expressão “jornalixo” é absolutamente proibida. E aproveito para propor a sua substituição pelo conceito de “fontelixo”, referindo-se àqueles que têm interesse em instrumentalizar e promover o descrédito do Jornalismo.

Sinalizando que todos sentimos o mesmo, independente das geografias, sugiro a leitura do trabalho do “New York Times” sobre as consequências da falta de habitação digna. Começa com uma afirmação inquietante - “As pessoas estão sempre a dizer a toda a hora, ‘Eu compreendo'. ‘Não, não compreendes’” - e nos relata a difícil experiência de quem não tem casa. Aventurem-se em “A Life Without a Home - Voices from the tents, shelters, cars, motels and couches of America”.

Jornalismo também é denúncia e porque não nos podemos esquecer do território onde todos passam fome, há que honrar quem não desiste de o reportar. De mostrar o que preferiríamos não ver. Com o título simples de “Portraits of Gazans”, o texto nos confronta.

Eu já li, vocês estão convidados a ler o artigo de Gonçalo M. Tavares desta semana na Revista do Expresso. “Os Jornalistas”, surge no rescaldo da primeira greve desta categoria profissional em 42 anos e nos questiona sobre o espaço ocupado por estes profissionais na vida de uma sociedade que se quer informada. E fala sobre o peso do que transportamos e desta função tão próxima de um operariado missionário.

Há exatamente um ano eu estava a chegar, com mais três companheiros - dois do Expresso, Micael Pereira e José Cedovim, e um da SIC, José Silva - ao local de todas as distâncias: a Amazónia, o centro do universo, como a chama a Jornalista Eliane Brum, terreno imenso onde pereceram o Jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira, cujos trabalhos/missões fomos tentar completar no âmbito do ambicioso e meritório projeto “Forbidden Stories” e cujo resultado foi publicado no Expresso e visto na SIC.

Lá conheci o lado feio da Amazónia, a degradação do garimpo fluvial, e encontrei Flávia, garimpeira possante, de quem nunca esqueço o refrão que se cola à minha memória sempre que me debato com uma dificuldade: “Isso pesa! Isso pesa!” E como pesa, Flávia, mas estamos aqui para carregar esse peso. Hoje inaugura no Palácio Galveias, em Lisboa, um mês dedicado a este pedaço do Brasil que o Brasil não conhece. Estaremos presentes e fica feito o convite para que mais compareçam.

O que fazer:

Com a primavera vêm brisas quentes, esperemos que suaves. Como a que vai soprar em Salvador, onde Caetano e Bethânia, os irmãos baianos que nos acalentam a alma, farão um espetáculo fraternal no estádio Arena Fonte Nova. Os artistas vão passar por sete capitais brasileiras, mas em Salvador o ambiente será certamente especial. Será a primeira vez que os irmãos farão uma espetáculo conjunto em 46 anos. Os bilhetes começaram ontem a ser vendidos, Quem dera que lá estivéssemos.

E já que falamos em Caetano Veloso, deixo-vos com ele e com a regravação da música “La Mer”, um dos maiores sucessos de Charles Trenet (1913-2001). Os bastidores foram explicados num pequeno artigo da revista “Veja”.

Espero que não estejam cansados deste Expresso pouco Curto, mas reconheço que há dias em que “isso [a atualidade] pesa”… Mesmo assim fica o incentivo a que não se afastem da informação rigorosa, que nos guia por caminhos nem sempre estáveis. Amanhã há Expresso nas bancas presenciais e digitais para aprofundar muitas destas questões e outras tantas, inclusive com um suplemento sobre Inteligência Artificial. E já sabem, sejam ousados e exercitem a esperança. Afinal, hoje também é o Dia da Poesia.

"Poesia
jardins inabitados pensamentos
pretensas palavras em
pedaços
jardins ausenta-se
a lua figura de
uma falta contemplada
jardins extremos dessa ausência
de jardins anteriores que
recuam
ausência frequentada sem mistério
céu que recua
sem pergunta"

Ana Cristina Cesar, em “A teus pés”. São Paulo: Brasiliense, 1982

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