terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Angola | O Violino do Doutor Maravilhas – Artur Queiroz

<> Artur Queiroz*, Luanda

José Pereira do Nascimento foi médico da Marinha, filólogo, etnógrafo, mineralogista, geólogo, botânico, cartógrafo, publicista de créditos firmados e violinista que brilhava nos saraus culturais do Teatro Providência, na Luanda do final do Século XIX e primeira década do Século XX. Concluiu a licenciatura em medicina e cirurgia na Escola Médica de Lisboa, em Julho de 1885. 

A sua tese de licenciatura tem o título “Luxações da Extremidade Externa da Clavícula”. José Pereira do Nascimento teve como professores o republicano Miguel Bombarda (Fisiologia), Curry Cabral (Anatomia Patológica) e o angolano Carlos Tavares, professor catedrático de cirurgia e o médico da casa real. O primeiro negro a dar aulas de Medicina em Portugal e a cuidar da saúde dos reis.

José Pereira do Nascimento em Agosto de 1888 exercia a Medicina em Moçâmedes (Namibe). Posteriormente foi mobilizado como médico das tropas que combateram no sul de Angola. O seu desempenho valeu-lhe a mais alta condecoração da época: Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito (1893). 

Nesta fase José Pereira do Nascimento começou a revelar a sua propensão para a investigação científica. Em 1890 publicou o livro “Questões Médico-Coloniais”, que foi impresso na excelente tipografia da Missão Católica da Huíla. Na mesma oficina publicou “Da Huíla às Terras do Humbe”. Esta obra saiu em segunda edição profusamente ilustrada com mapas, croquis e fotografias.

Um pormenor importante. Os portugueses grafavam as palavras das Línguas Nacionais como lhes vinha à cabeça. O médico José Pereira do Nascimento uniformizou a escrita adoptando o “Alfabeto Padrão Lepsius”. Cordeiro da Mata e Augusto Bastos seguiram o mesmo método nos seus estudos. Augusto Bastos deixou-nos uma obra notável neste aspecto: “Traços Gerais Sobre a Etnografia do Distrito de Benguela”.

José Pereira do Nascimento publicou em 1892 outra obra científica de valor inestimável “O Distrito de Moçâmedes” onde já refere as consequências, para as pessoas e o gado, do avanço imparável da desertificação no Vale do Bero.

Nesta fase o médico José Pereira do Nascimento já dedicava mais tempo à investigação científica do que à Medicina e no ano de 1894 publicou obras de referência que devem ser estudadas nas escolas angolanas de todos os níveis: “Gramática de Umbundu” e “Exploração Geográfica e Mineralógica no Distrito de Mossâmedes” (Lisboa 1898). 

A Companhia de Mossâmedes publicou em língua francesa o livro “Journal de M le Docteur de Nascimento – Voyage de Mossamedès a Port-Alexandre”. Em 1897, o governo português nomeou-o “explorador naturalista de Angola”. Em 1904 publicou um relatório dos seus estudos intitulado “Estudo Mineralógico da Província de Angola”.

Em 17 de Maio de 1894 o médico José Pereira do Nascimento foi nomeado por decreto do ministro das Colónias para proceder ao estudo da fauna, flora, climatologia e recursos naturais no Sul de Angola. Pouco tempo depois a poderosa Companhia de Mossâmedes (grafia da época) contratou-o para fazer estudos geológicos e mineralógicos nas áreas das suas concessões.

O seu último cargo oficial foi o de presidente da comissão de estudos para a colonização do Planalto de Benguela, cargo que desempenhou entre 14 de Abril e 30 de Dezembro de 1910.Desta actividade deixou-nos mais um livro: “Breve Notícia Sobre o Planalto Colonizável de Benguela”, editado pelo Governo-Geral de Angola e impresso na Imprensa Nacional (Luanda, 1908).

Um dos seus trabalhos, muito raro, é sobre a Zona Aurífera do Lombige, no País dos Dembos. O autor refere que fez o estudo em 1902. Acontece que nessa data os soberanos Dembos estavam em guerra com Portugal. Como fez tais estudos? A resposta é simples. A poderosa Associação Comercial de Luanda era frontalmente contra o conflito porque estava a prejudicar as trocas comerciais de pombeiros e funantes com o Reino do Congo. Tudo leva a crer que a associação moveu as suas influências junto dos soberanos para o cientista fazer o seu trabalho no território dos Dembos, em plena guerra.

Nas suas pesquisas, o cientista José Pereira do Nascimento encontrou fortes indícios de ouro também na zona montanhosa do Golungo Alto, na época pertencente ao distrito de Luanda. À senhora ministra das Finanças deixo as outras regiões auríferas descobertas pelo cientista e médico José Pereira do Nascimento.

No Distrito de Benguela descobriu a Zona Aurífera de Cassinga, que nessa época era território benguelense e hoje da Huíla. Leiam o seu livro porque faz referências minuciosas dos locais onde existe o precioso metal. Ainda em Benguela, descobriu ouro em Ambuelas, rio Kussava. No concelho do Egipto encontrou abundantes pepitas de ouro nas areias do rio Balombo, que desagua a norte da povoação do Egipto Praia.

Ainda no então distrito de Benguela, o cientista descobriu fortes indícios de ouro no concelho de Caconda (Zona Aurífera do Rio Labo). Eis as coordenadas: 85 Graus NW-SE magnético. Não se esqueçam que o Labo é afluente do Cunene. Leiam o que escreveu o cientista sobre esta região aurífera: “A estratificação é quase vertical. Sob o ponto de vista indicativo de jazigos auríferos não de pode desejar melhor”. Mais ouro na Portela do Bruko (Serra da Chela). Mas também descobriu fortes indícios de ouro “nos jazigos de cobre do litoral angolano”.

José Pereira do Nascimento encontrou jazidas de prata na Jinga (Malanje), a 40 quilómetros do rio Luando (Paralelo 9 Graus). Em Cambambe Sudeste do Dondo. Mais prata no Munhino (Namibe). Muito cobre no Bembe e no Zenza do Itombe. Diamantes na Lunda, Bié, Moçâmedes e na bacia do Cunene. 

O cientista encontrou asfalto no calcário betuminoso de Calumbo, Barra do Dande e uma preciosidade no Libolo. José Pereira do Nascimento descobriu um betume de alta qualidade que baptizou de Libolite! Uma riqueza inexplorada, por desconhecimento dos estudos do médico e cientista. 

Na Faculdade de Ciências de Lisboa há peixes dos rios Cuanza, Bengo e Moíji (conservados em formol) que foram enviados pelo cientista s e médico José Pereira do Nascimento. 

Em Luanda José Pereira do Nascimento era conhecido como o “Doutor Maravilhas”. Dava consultas grátis aos pobres. Profundo conhecedor da Flora Angolana, ele próprio fazia os medicamentos que depois oferecia aos doentes. Uma figura da cidade que nos mais importantes saraus culturais tocava violino.

No muito antigo Bairro dos Coqueiros tinha morada Manuel Pereira do Nascimento, filho de José Pereira do Nascimento. Presidiu à Liga Africana durante décadas. Casou com Mamã Mascarenhas, uma angolana de origem indiana. Assim nasceram as Manas Mascarenhas, beldades que marcaram uma época na cidade. 

Todas tinham especial aptidão para a música e o canto. Concha de Mascarenhas, minha colega na Emissora Oficial de Angola, além de radialista excepcional é uma grande cantora. A Mana Tazinha é autora do primeiro Hino Nacional de Angola. Uma pianista exímia. Ana Maria e Carmo foram radialistas.  O avô paterno das Manas Mascarenhas, médico da Armada e cientista José Pereira do Nascimento, era um grande violinista! Têm a quem sair.

Manuel Pereira do Nascimento presidiu à Liga Nacional Africana e por sua iniciativa abriu a famosa Escola da Liga onde eram recebidos alunos dos musseques que não tinham acesso às escolas públicas. Daqui saíram muitos angolanos que deram corpo ao nacionalismo revolucionário sob a bandeira do MPLA. Uma das fundadoras e professoras foi Marta Bessa Victor, irmã do poeta Geraldo Bessa Victor e bisavó dos meus netos Luna e Lucas Queiroz.

Outra professora e fundadora da Escola da Liga foi a Dra. Olívia Conde, que também fundou e dirigiu o Colégio da Casa das Beiras que garantia o curso do liceu a quem não tinha dinheiro para as propinas.

Angola Independente nasceu há quase 50 anos. Mas ante já existia. O nosso passado tem futuro. Mas é preciso conhecê-lo.

* Jornalista

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