< Artur Queiroz*, Luanda >
Luanda é uma jovem cidade com 449 anos (nasceu em 25 de Janeiro 1576) e por isso precisa de cuidados especiais para manter a linha e sua estonteante beleza. Todos temos direito a reconhecer no Centro Histórico a urbe fundada por Paulo Dias de Novais. Restaurar, proteger, preservar. Essa não tem sido a opção dos governos centrais e provinciais. Pelo contrário, os mais graves crime contra o Património Luandense partiram dos poderes públicos ou tiveram a sua conivência. Ocupações selvagens e desalmada especulação imobiliária fizeram o resto. O risco de morte cultural é real.
O edifício do Jornal de Angola foi protegido pelo Governo Provincial de Luanda. O assédio para derrubá-lo e construir no seu lugar uma torre igual à da Sonangol era constante, mesmo depois da sua classificação. O jornalista José Ribeiro, director-geral da Empresa Edições Novembro, resistiu heroicamente à transacção, que ele herdou da administração anterior. Até tentaram incendiar as instalações, de madrugada! As chamas foram extintas antes de chegarem a um depósito com milhares de litros de combustível.
No edifício mora o mais antigo jornal angolano (centenário!) e o único periódico desportivo. Já foi casa de um marco cultural mas esse desapareceu. Alguns membros do Executivo, quando ouvem falar de cultura puxam logo da pistola. General Sanjurjo, estás desculpado!
Um texto de João Melo publicado no Jornal de Angola tirou-me o sono. Pistoleiros do imobiliário querem extinguir a União dos Escritores Angolanos (UEA) para se apoderarem da sede, que é um dos últimos edifícios públicos construídos em Luanda, ainda no regime colonial. Obra de luxo que está à altura da função. Sabiam que o MPLA nasceu impulsionado por alguns dos melhores escritores de Língua Portuguesa? Agostinho Neto, António Jacinto, Mário Pinto de Andrade, Viriato da Cruz, Luandino Vieira, António Cardoso.
Sabiam que a Luta Armada de Libertação Nacional foi dirigida por um dos maiores poetas de Língua Portuguesa e teve a participação de vários escritores? Líder: Agostinho Neto. Escritores: Maria Eugénia Neto, Deolinda Rodrigues, António Jacinto, Costa Andrade (Ndunduma), Artur Pestana (Pepetela), Emanuel Corgo (Comandante Eurico Gonçalves). Peço perdão aos que neste momento não me ocorrem. Os nomeados são fundadores da União dos Escritores Angolanos (UEA).Em nota de pé de página João Melo escreveu: “A União dos Escritores Angolanos tentou obter um patrocínio para fazer uma edição para o nosso país da Obra Completa de António Jacinto, organizada pelo poeta e antologiador Zetho Gonçalves, e não conseguiu. O livro sairá apenas em Portugal”. Ando com este pedregulho no sapato há muito tempo. Vou despejar o saco.
António Jacinto é um escritor angolano. A sua obra poética vale por toda uma literatura. O seu nome e alguns dos seus poemas estão gravados nas páginas da Literatura Universal. Foi fundador do MPLA. A sua militância levou-o ao campo de concentração do Tarrafal onde esteve preso durante dez anos. Em 1972 foi libertado e colocado em liberdade condicional. Em 1973 fugiu de Lisboa e foi juntar-se à guerrilha do MPLA, na II Região Política e Militar (Cabinda). Em 1974 integrou o Comité Central e o Bureau Político do MPLA. É por isso um dos Fundadores da Nação Angolana. Foi o primeiro ministro da Cultura na República Popular de Angola.
O primeiro centenário do seu nacimento (Golungo Alto) decorreu no ano passado (2024). No dia do seu aniversário, 28 de Setembro, a Fundação Dr. António Agostinho Neto homenageou o poeta e guerrilheiro. Uma notícia na sua página. A instituição ficou com as suas contas bancárias congeladas. Instalações ocupadas. Uma operação de destruição, até agora desconseguida, por parte de João Lourenço para atingir o patrono, perseguindo familiares. Pouco mais podia fazer do que fez.
A Academia Diplomática Venâncio de Moura e o Instituto Internacional da Língua Portuguesa homenagearam o poeta, no dia 28 de Setembro do ano passado. A Rádio Nacional de Angola abriu espaço a poemas de António Jacinto na perspectiva da denúncia do trabalho escravo no regime colonialista. Não sei o que aconteceu a quem na RNA ousou dar uns minutos ao centenário do nacimento de António Jacinto. O Ministério da Cultura ignorou o primeiro ministro da Cultura no Governo da República Popular de Angola. Um Fundador da Nação Angolana. O poeta guerrilheiro. O dirigente e fundador do MPLA. O Presidente da República e Titular do Poder Executivo também ignorou quem o pôs no poder.
No Dia da Paz, 4 de Abril, acontece em Lisboa um colóquio sobre António Jacinto. Participam Ana Paula Tavares, David Capelenguela, Francisco Soares, Francisco Topa e Pires Laranjeira, na qualidade de especialistas da obra do poeta e contista. Também participam o Doutor Jacinto Rodrigues, primo de António Jacinto, Luandino Vieira, Manuel F. Martins, Sofia do Amaral Martins e João Melo.
Na terceira parte do colóquio é apresentado o livro “Obra Reunida”, de António Jacinto, edição da Maldoror, com o apoio da Biblioteca Nacional (Portugal). Um trabalho de Zetho Gonçalves. Sei que a Embaixada de Angola em Lisboa está a fazer tudo para se fazer uma edição destinada a Angola. Em condições normais a UEA devia ser parceira nesta iniciativa. Não é. Soube pelo texto de João Melo que está a lutar pela sobrevivência. Existência ameaçada pelos recuperadores de activos às ordens do chefe.
Luta inglória. Nem João Lourenço nem ninguém da sua camarilha assinaram a Proclamação da UEA. Vai para o lixo tudo o que existia em Angola antes de 2017. Até o MPLA. Também vão os reformados e os combatentes da Luta Armada de Libertação, da Guerra da Transição, da Guerra pela Soberania e Integridade Territorial. Da operação de polícia e Forças Armadas Angolanas contra a rebelião do criminoso de guerra Jonas Savimbi.
Eu sou signatário da Proclamação da União dos Escritores Angolanos. Oponho-me com todas as minhas forças aos pistoleiros da especulação imobiliária, que querem abocanhar as nossas instalações. Aviso que vou ser um osso duro de roer. Não aceitarei nunca que encerrem ou extingam a UEA. Porque é um Crime de Lesa-Pátria e um Crime Contra a Humanidade. Os bandidos, sejam quem forem, vão arrepender-se de ter nascido.
O Sindicato dos Jornalistas de Angola tinha uma sede própria na Avenida dos Combatentes. Comprada com o nosso dinheiro. Roubaram-nos as instalações. Calei-me em nome da disciplina partidária e da revolução. Ma isso já lá vai. Nem pensem roubar a sede da UEA!
Na Argentina um fascista lunático ganhou as eleições e agora corta com uma motosserra todas as raízes da democracia. Os votantes que o puseram no poder, já perceberam que estão igualmente a ser serrados em fatias até serem reduzidos a nada.
A coisa começa a ser uma doença porque Cristina Lourenço, patroa da BODIVA, imita a motosserra Vera Daves na perfeição. Tudo uma cambada. Recolham as motosserras que querem usar na sede da União dos Escritores Angolanos. Caso contrário eu viro bicho!
Qual é o papel do Ministério da Cultura neste crime anunciado? Espero que não seja de motosserra. Ou de assobiador para o lado, como fez no centenário do nascimento de António Jacinto. Cuidado com as imitações.
* Jornalista
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