Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Nos últimos dias Portugal voltou a uma situação de visibilidade na imprensa internacional pelos piores motivos. Os nossos credores e agiotas, o sistema especulativo, continuam a agir para afundar o nosso país. Entretanto, o Governo, para além de juras de ocasião, de que não vai pedir novo empréstimo nem solicitar alargamento de prazos - afirmação sem o mínimo de validade - prossegue o rumo da austeridade e empobrecimento dos portugueses, ou seja, coloca o país a jeito para o afundamento.
Pode parecer um exagero o que vou expressar, mas parece-me um facto que a política de austeridade teve um novo impulso suicidário com o recente acordo de Concertação Social, desde logo, porque feito num contexto de rápido agravamento da situação do país. Vejamos como estes dois factos se relacionam.
Estamos, ao que tudo indica, numa rápida deterioração económica. E a fazer fé em artigos públicos na imprensa financeira ("Financial Times"), Portugal terá entrado no terreno do incumprimento da dívida. Desde 13 de Janeiro as três principais agências de notação classificam as obrigações soberanas portuguesas no nível chamado de "lixo". Na Zona Euro só a Grécia está na mesma situação. O resultado imediato foi o aumento dos juros da dívida e o disparo dos seguros contra o incumprimento da dívida.
Por outro lado, o Banco Mundial e o FMI prevêem a entrada em recessão da área do euro em 2012 (respectivamente -0,3% e -0,5%) o que, a confirmar-se, afectará as exportações do país. Espanha estará em recessão e a França e a Alemanha em estagnação. A possibilidade de uma nova crise global não é excluída e, se acontecer, terá efeitos mais prolongados do que a crise de 2008/09, pois os países desenvolvidos não têm agora os recursos monetários e fiscais necessários para estimular a economia.
O FMI está consciente da situação criada e Christine Lagarde veio a público defender o crescimento e afirmar, num tom dramático, estarmos num momento decisivo em que já não se trata de salvar este ou aquele país mas de salvar o Mundo de uma espiral económica recessiva. Espiral recessiva essa que o FMI ajudou a criar, pois em conjunto com as autoridades europeias e o Banco Central Europeu foi e é responsável por programas de austeridade brutais que conduziram à ruína a Grécia, o mesmo estando a acontecer connosco, e outros se seguirão.
As economias estão interligadas. Lagarde não pode dizer que está preocupada com a crise na Europa como um todo, ao mesmo tempo que defende a austeridade destruidora das sociedades em alguns dos países. Não pode, como diz Fitoussi, pedir o impossível, a austeridade e o crescimento, porque "sob o pretexto de uma dívida insustentável tornou-se a situação insustentável, com taxas de desemprego tão elevadas". Por isso, para Fitoussi urge "um momento em que os países têm de dar um murro sobre a mesa do Conselho Europeu e dizer basta" ("Diário Económico", 24.1).
Foi este o contexto em que Governo, patrões e UGT fecharam o acordo na Concertação Social. Ora, o seu âmago não é o estímulo da economia mas o reforço da austeridade e a desregulamentação do trabalho, ou seja, ele é um acrescento de medidas restritivas.
Disse esta semana Lagarde (J.Neg. 24.1) que "medidas restritivas adicionais durante uma queda da actividade (económica) podem exacerbar em vez de aliviar a tensão nos mercados financeiros". É caso para dizer, a austeridade, aparentemente, nem aos "mercados" serve.
Para além do retrocesso social que implica, com brutais perdas para os trabalhadores no activo, para os desempregados e pensionistas - sem precedente depois do 25 de Abril - o Acordo é do ponto de vista económico mais uma peça para o desastre.
No momento em que a procura externa irá declinar, afectando as nossas exportações; no momento em que as empresas enfrentam dificuldades, não por não terem capacidade produtiva mas simplesmente porque não há procura interna, o acordo é um revés ao reduzir ainda mais o poder de compra dos trabalhadores.
As justificações políticas dos comprometidos com o memorando da troika apenas têm validade no esbracejar do centrão político. Para os interesses do país não servem!
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