terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A “INTELIGÊNCIA” RESOLVE – IV




Martinho Júnior, Luanda

O “soft power” que dá pelo nome de AFRICOM, seria impossível se não houvesse uma panóplia de capacidades que compõem os imensos recursos da hegemonia norte americana que o sustentam operacionalmente.

É nessa panóplia que ele se integra e cumpre a posição “refinada e virtuosa” em relação aos interesses dessa hegemonia!

Por isso é por via do AFRICOM que se vão experimentando, da forma mais versátil possível, as capacidades que se distendem desde o espaço, até aos quesitos específicos de cada missão e operação nos mais diversos meios e ambientes físicos e humanos de África e da sua envolvência marítima.

Nesse aspecto a hegemonia conseguiu sobre os seus aliados um importante domínio no espaço, na cibernética e na mobilidade estratégica e táctica.

O AFRICOM alimenta-se, de forma articulada com várias outras fontes e componentes, no quadro das estruturas do Pentágono, entre elas o STRACOM (Comando Estratégico) e o CYBERCOM (Comando Cibernético) pelo que as suas missões e operações obedecem a um figurino desenhado a outros níveis, para que ele cumpra “no terreno”!

O STRATOM foi criado em 1992 e entre as suas missões destacam-se a operacionalidade, controlo e uso dos satélites militares e as capacidades inteligentes da informação de combate, o que obriga a integrar meios de inteligência, de observação e de reconhecimento a partir do espaço, a vários níveis de aproximação e manobra.

É um instrumento militar “multi-usos” que se desprende a partir do espaço, até aos focos precisos onde se cumprem as missões, contribuindo para as delinear, planificar e acompanhar!

No caso da actual operação Serval da França no Mali, o STRATCOM pode contribuir para o reforço do conhecimento em tempo real de tudo o que mexe na vastíssima região do Sahel com uma multiplicidade de sensores disponíveis e a altitudes variáveis!

Efectivamente a França terá algumas dificuldades de cobertura e movimento, tendo em conta as obrigações duma ampla cobertura consubstanciada nos múltiplos dispositivos sensíveis que possui espalhados na região (não necessariamente dispositivos militares), como por exemplo as minas de urânio no Níger, a observação de portos como os de Dacar e Abidjan, o acompanhamento dos interesses da TOTAL na Líbia…

Os parceiros africanos da França estão de tal modo fragilizados nesse aspecto que são apenas co-responsáveis de algumas questões técnicas e operacionais ao nível táctico, principalmente aqueles em uso nas crises… “carne para canhão” e “força de ocupação”!...

O Mali, o Tchade e o Níger são as três principais forças de estados africanos presentes até ao momento no âmbito da operação Serval… os exércitos dos estados avassalados, na base da pirâmide operacional…

Presos nas suas teias defensivas, os franceses precisam duma cobertura que seja um autêntico “guarda-chuva” para o seu sistema e para a sua implantação de cariz neo colonial no Sahel, no Norte e no Ocidente de África!

O CYBERCOM é outro dos Comandos que alimenta e reforça com conhecimento em tempo real as operações “no terreno” e conferem outras potencialidades às “correias de transmissão” como as que a França está a utilizar no Mali e no Sahel (desde o Tchade ao Senegal)!

Este Comando está capacitado para dominar o caudal de informações proveniente das fontes mais variadas que passem pelos satélites militares e civis, com vista a estabelecer sinergias que entre outras coisas são aplicadas nos mais diversos teatros operacionais dentro e fora dos Estados Unidos.

Foi criado em 2010 e está a ser neste momento reformulado: possui um orçamento que terá quintuplicado e organizar-se-á de acordo com três direcções principais.

As três direcções principais agora previstas cobrem:

1 – Os quesitos nacionais norte americanos (protecção das principais redes informáticas civis); consolidação do poder económico e financeiro intervencionista;

2 – Os quesitos de combate (operações e apoios aos aliados e parceiros); um sistema que se distende muito para além dos vínculos internos do Pentágono; um instrumento ofensivo;

3 – Os quesitos da defesa dos sistemas integrados ao serviço do próprio Pentágono; um instrumento defensivo.

Quer os empenhos de inteligência e operativos arábicos, como os da França, beneficiarão da 2ª Direcção, de acordo como é óbvio de ementas próprias que correspondem ao papel da sua manipulação pela hegemonia, que inclui a manipulação das tensões entre os dois fulcros, que repercutem nos estados da região!

A Tunísia, a Líbia e o Egipto encaram a operação Serval como contrariando os interesses da Irmandade Muçulmana que passou a dirigir seus respectivos espaços nacionais e, alinhamento com os financiadores arábicos das “Primaveras árabes”, conformados à hegemonia!

Em termos geo políticos a Irmandade Muçulmana alinhada à Arábia Saudita e ao Qatar procura expandir-se para já a norte do Sahel, face à influência da França a sul, por via do “cordão sanitário” na linha Tchade-Níger-Mali-Senegal, pelo que as disputas, na sequência da operação Serval, inclinam-se para um país que procura seguir um caminho próprio em defesa da sua soberania: a Argélia!

A guerra psicológica entre as duas pretensões neo coloniais que se abatem maduras sobre África, resguardadas debaixo do guarda-chuva da hegemonia norte americana, já começou!

Se com Sarkozy a França alinhou por inteiro com as monarquias arábicas, com Hollande a crispação no Sahel e no oeste africano é evidente, o que não passa despercebido aos anglo-saxónicos e ao pendor da hegemonia norte americana que só se está a envolver no caso africano de forma cautelosa… “quanto baste”!…

O AFRICOM mesmo assim possui seus próprios equipamentos de reconhecimento táctico sobre o terreno, de acordo com a sua missão que neste momento está assim sintetizada:

“Africa Command protects and defends the national security interests of the United States by strengthening the defense capabilities of African states and regional organizations and, when directed, conducts military operations, in order to deter and defeat transnational threats and to provide a security environment conducive to good governance and development”.

Com efeito sobre o Sahel assiste-se já à disseminação de bases de drones na Mauritânia, no Burkina Faso, no Uganda, no Sudão do Sul, na Etiópia, no Quénia e no Djibouti, ou seja: instalar-se-á um suporte táctico que reforçará a capacidade dos satélites militares e com eles funciona de forma integrada, correspondendo aos quesitos “no terreno” desde a costa do Índico Norte na Somália, a leste, até à costa do Atlântico Central, no Senegal!

Os dispositivos em Djibouti e na Mauritânia serão por isso os mais reforçados: há obrigações no Índico Norte e no Atlântico Central que estão dependentes deles!

Outros dispositivos poder-se-ão seguir no Mediterrâneo Oriental, no Egipto, na Líbia e na Tunísia.

É evidente que a França terá menor capacidade geo estratégica no uso desse tipo de engenhos e por isso mesmo, tal como aconteceu já com a experiência comum no Djibouti, “está pronta” a corresponder em todo o Sahel como um fiel “gendarme neo colonial” que beneficiará da multiplicidades de observatórios disseminados no espaço, à altitude dos satélites e à altitude dos drones!

A outra lacuna francesa é o movimento de unidades importantes via aérea (batalhões e companhias especiais), utilizando aviões de transporte militar de grande capacidade: se na operação Turquoise (em 1994) a França utilizou aviões dos países do leste fretados, agora (em 2013) com a operação Serval, utiliza os maiores aviões norte americanos e de proveniência do leste, de matrícula russa inclusive!

A França está também a beneficiar do reabastecimento em pleno voo de seus aviões de ataque ao solo que descolam de bases fora do território do Mali.

O Pentágono “está na maior”, pois no fundo é a sua “inteligência” que tudo resolve em benefício do que importa à aristocracia financeira mundial, enquanto Leon Panetta vai fazendo a propaganda entre “aliados” (visitou recentemente Portugal e a Espanha, provavelmente com os sentidos em Cabo Verde, na Guiné Bissau e nas Canárias, países situados no Atlântico central que poderão abrigar mais bases de “drones”).

Com efeito, enquanto manipula geo estrategicamente o braço arábico que agora é obrigado a mais se concentrar na Síria, com os sentidos no Irão, manipula em simultâneo o braço aliado que, com a França na “charneira” tende a “tocar a rebate” no oeste de África!

A Argélia poderá ser o grande alvo a seguir: a terceira batalha na sequência da conexão das explosões Líbia-Mali!

A Europa, se está interessada em levar a crise a leste, na direcção do Irão (e por isso a França e a Grã Bretanha “alinham” com os “terroristas úteis amigos” na Síria), dá sinais de não estar nada interessada, sob o ponto de vista geo estratégico, em ter uma crise na sequência do encadeado das “Primaveras Árabes” na Argélia, no Sul do Mediterrâneo, até por que a Argélia tem sua própria trilha histórica na sequência da luta pela independência contra o colonialismo francês e uma via distinta para o exercício da sua soberania.

O movimento de libertação na Argélia conseguiu forjar um modelo de patriotismo que pouco ou nada tem a ver com o patriotismo forjado a leste, na Tunísia e na Líbia pelo menos…. O movimento de libertação foi efectivamente feito pelos povos e pelas vanguardas de libertação, não por mercenários e oportunistas…

Por outro lado o movimento de libertação desencadeou-se para fazer frente a uma potência colonial, a França, a mesma França que procura reger um processo neo colonial na África do Oeste de feição ocidental…

A União Africana deveria melhor apreciar a sensibilidade argelina face aos riscos do momento e reforçar as suas aptidões geo políticas e geo estratégicas sobretudo em relação ao Sahel, ao invés dum alinhamento com a França!

Face ao terrorismo a Argélia não negoceia, ataca-o onde ele se manifestar e isso resulta da solidez das opções histórico-ideológicas e dos seus reflexos sócio-políticos.

Instrumentalizando os úteis estados aliados neo coloniais e seus parceiros africanos, como instrumentalizando os úteis terroristas com financiamento e identificação arábica (os feitos amigos como os da Líbia e da Síria, como os feitos inimigos como os do Sahel), o “soft power” possui os quesitos ideais de domínio a partir do espaço e da aplicação dos imensos recursos técnicos das novas tecnologias!

Com tantas riquezas naturais disponíveis, com tão imensos recursos financeiros e com tão poucas (quão poderosas) multinacionais prontas a abocanhar as presas, muito simplesmente a “inteligência” norte americana resolve, de forma expedita e muito mais barata na era Obama do que na era Bush… resolve em qualquer dos casos a favor do neo colonialismo!

Gravura: Símbolo AFRICOM dominante sobre o fundo do mapa de África (um novo módulo para usar e abusar de África)!

A consultar:
- Condamnation de la guerre au Mali et dénonciation du complot néocolonial de l’Occident – http://www.voltairenet.org/article177366.html
- France Requests U.S. Enablers for Forces in Mali – http://www.defense.gov/News/NewsArticle.aspx?ID=119032
- La reconquête de l’Afrique – http://www.voltairenet.org/article177305.html
- Panetta answers Mali questions in Europe – http://www.defense.gov/News/NewsArticle.aspx?ID=119011
- - United States Strategic Command – http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_Strategic_Command
- El Pentágono prevé quintuplicar el número de especialistas de su Cybercomando – http://www.cubadebate.cu/noticias/2013/01/30/el-pentagono-preve-quintuplicar-el-numero-de-especialistas-de-su-cibercomando/
- Rapidinhas do Martino – 59 – França: pequena radiografia do poder global – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/11/rapidinhas-do-martinho-59.html
- Rapidinhas do Martinho – 68 – Uma contínua ingerência neo colonial – Opération Corymbe! – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/rapidinhas-do-martinho-68.html
- Os erros de apreciação estratégica pagam-se caro – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/kadafi-os-erros-de-apreciacao.html
- Os erros de apreciação estratégica pagam-se caro – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/kadafi-os-erros-de-apreciacao_25.html
- Os erros de apreciação estratégica pagam-se caro – III – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/kadafi-os-erros-de-apreciacao_28.html
- Coisas que a globalização tece – Uma muito subtil “Françafrique” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/coisas-que-globalizacao-tece-04.html

*Relacionados em MARTINHO JÚNIOR

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