Em entrevista exclusiva a Opera
Mundi, ex-chanceler falou sobre Grupo de Puebla, América Latina, a situação na
Bolívia e a liberdade do ex-presidente Lula; assista na íntegra
O ex-chanceler Celso Amorim
disse, durante entrevista exclusiva concedida na última segunda-feira (11/11) a Opera
Mundi e ao coletivo QuatroV, que a América Latina atravessa um
momento histórico muito importante e que, neste contexto, México e Argentina, que
têm (ou terão, no caso do nosso vizinho) governos de esquerda, podem
representar um “eixo do bem” no continente.
“É um momento muito importante
para a América Latina, e isso preocupa muito a direita continental. O Brasil,
agora, está do outro lado, mas Argentina e México podem formar uma espécie de
“eixo do bem” na região, contrariamente ao “eixo do mal”, de que falava o
[ex-presidente dos EUA George W.] Bush, disse.
O México é governado por Andrés
Manuel López Obrador, representante da esquerda, e a Argentina, a partir de 10
de dezembro, será liderada pelo peronista Alberto Fernández, tendo a
ex-presidente Cristina Kirchner como vice.
Amorim se referiu ao Grupo de
Puebla, que reúne intelectuais e políticos da esquerda latino-americana - e do
qual o próprio ex-chanceler participa -, como um instrumento para pensar a
região e atuar frente a outros blocos. “O Grupo de Puebla é muito importante
porque tem capilaridade. Acho que um desafio nosso é nos aproveitarmos de um
mundo multipolar, não dominado por um único país. Nenhum país da América
Latina, nem o Brasil, é grande o suficiente para lidar com esse mundo de
blocos. Mas a América Latina é. E o Grupo de Puebla pode ajudar nisso”,
afirmou.
“A América Latina não é uma só,
são muitas, porque cada lugar tem suas características, mas, por outro, lado,
tem uma desigualdade imensa e a dependência em relação ao poder hegemônico do
continente, que são os EUA. Acho que essas duas coisas caminham juntas de
alguma maneira, e o Grupo de Puebla pode ter um papel importante nisso”, disse.
Bolívia
E a Bolívia é, talvez, o país
latino-americano mais em evidência no momento, por conta do golpe que levou à
renúncia do presidente Evo Morales no último domingo (10/11). Para
Amorim, o racismo e o rancor da elite boliviana, que nunca aceitou um líder
indígena cocaleiro, desempenharam um grande papel na queda.
“O ressentimento, os rancores e
ódios das classes dominantes bolivianas nunca aceitaram que um índio cocaleiro
pudesse ser Presidente da República e fazer uma política de distribuição de
renda, de benefício para os mais pobres. As elites bolivianas nunca aceitaram
que um líder cocaleiro pudesse ser presidente”, disse.
Amorim, que chefiou o Itamaraty
nos governos de Itamar Franco (durante o qual ocupou o posto entre 1993 e 1995)
e Luiz Inácio Lula da Silva (entre 2003 e 2011), relembrou uma conversa que
teve com Morales sobre o assunto.
“Em 2008, eu visitei a Bolívia, juntamente
com o chanceler da Argentina, [Jorge] Taiana, e com o chanceler interino da
Colômbia. E o Evo, na conversa particular que tive com ele, que durou muito
tempo, falou: ‘querem tumbar el índio’ [querem derrubar o índio]”, contou.
Na mesma época, Amorim disse que
se encontrou com representantes da direita boliviana, e que sentiu total
inflexibilidade por parte deles. “Esse pessoal, encarnado principalmente pelo
[Luis Fernando] Camacho, não quer conversa. Dessa vez em que estive na Bolívia,
aproveitei também para ter conversas com líderes da direita. Eles são
radicalmente contra a ascensão dos índios”, afirmou.
Lula
Amorim também falou sobre o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi libertado no último dia 8 de
novembro. Para ele, o petista virou um símbolo não só da esquerda, mas da
“justiça social”.
“Depois da prisão, ele virou um
símbolo do que é a luta por justiça social. Vinham [visitar o ex-presidente na
cadeia] pessoas de esquerda tipo o [francês Jean-Luc] Mélenchon, que não era
nenhum radical, nunca tocou fogo na Bastilha nem nada, mas também da
social-democracia alemã. O Brasil era o único país em que uma prisão de
província era mais visitada do que o palácio presidencial”, disse.
O ex-presidente, em entrevista
exclusiva a Opera Mundi em setembro, chegou
a dizer que Amorim foi “o melhor chanceler do mundo” no período em que ocupou o
Ministério das Relações Exteriores durante o período petista no poder. Por
sua vez, o chanceler disse que era “muito fácil ser chanceler do Lula”.
“O Brasil era requisitado. As
pessoas todas queriam sair na foto com o Lula, e não era só a esquerda não. A
direita pensante - claro que a extrema direita não - também: [o ex-presidente
francês Jacques] Chirac, o Bush... o Bush veio aqui e botou o capacete da
Petrobras na cabeça. Eu nunca pude imaginar isso, eu que sou antigo, da época
do ‘petróleo é nosso’...”, contou.
RAFAEL TARGINO,
São Paulo (Brasil), 16
de nov de 2019 – em Opera Mundi
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