segunda-feira, 11 de março de 2024

Portugal | Um país à beira de um ataque de nervos

Eunice Lourenço, editora de política | Expresso (curto)

Bom dia

Foi uma noite de nervos e muitos silêncios. A anunciar meses (ou anos) vividos à beira de não saber quanto tempo vai durar o governo ou com quem vai Montenegro aprovar os instrumentos para a governação. A noite ditou uma vitória à tangente da AD e o regresso do PS à oposição, lugar que há oito anos não conhece. Foi uma noite longa, em que AD e PS lutaram deputado a deputado, com a AD a tomar a dianteira, mas a distância a diminuir à medida que as hora passavam, com trocas de posições e até com momentos em que estiveram empatados. Ainda falta saber os resultados dos votos dos emigrantes, mas para já o PS assumiu a derrota e a AD proclamou a vitória, mas com a vantagem mais curta de sempre.

grande vencedor, contudo, é André Ventura, que quadruplicou a sua bancada parlamentar e ficou com uma das chaves para manter ou destruir qualquer maioria. Declarou a morte do bipartidarismo e desafiou Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa a perceberem o sinal dado nestas eleições e aceitarem o resultado que, do seu ponto de vista, implica abrir ao Chega as portas da governação.

À esquerda e à direita houve quem cantasse vitória a tentar encobrir derrotas. Bloco de Esquerda e Iniciativa Liberal até podem ter resistido ao voto útil: conseguiram manter as bancadas parlamentares exatamente com o mesmo número de deputados que já tinham e ficaram muito contentes por terem crescido em número de votos, como se esse crescimento não fosse uma consequência direta do grande aumento de votantes. A verdade é que falharam as metas - a do Bloco era recuperar deputados em distritos como Braga, Aveiro ou Coimbra, a da IL era aumentar de 8 para 12 a bancada parlamentar -, mas sobretudo falharam ambos o grande objetivo de serem necessários e suficientes para garantir maiorias estáveis aos seus respetivos campos políticos. Ficaram tão perdidos na noite eleitoral, que não pareceram perceber bem quem tinha ganho.

Um objetivo que Rui Tavares parece querer manter. O Livre foi, aparentemente, um vencedor da noite: cresceu muito, conseguiu eleger no Porto, Lisboa e Setúbal e passou de ter um deputado único a ter um grupo parlamentar do mesmo tamanho da bancada comunista. Mas a sua vitória é também a derrota do campo político com que há anos sonha governar e a medida do seu crescimento pode ter sido o que faltou ao PS para ter o tal voto a mais suficiente para ganhar. O porta-voz do Livre ainda vai tentar que o Presidente aceite a sua tese de que a minoria de esquerda é mais consistente do que a minoria de direita, mas nem Pedro Nuno Santos lhe dá razão. “Não nos compliquemos”, disse o líder do PS.

Quem viu a sua vida complicada foi o PCP, que quase viu a sua bancada voltar a passar para metade, mas à última hora ainda conseguiu ver a eleição de António Filipe por Lisboa. Como o Bloco ainda culpou o PS pelos resultados da esquerda e da direita, depois de duas semanas em que os dois partidos foram mais claros do que nunca na vontade de uma vitória socialista que precisasse deles para uma maioria.

A vitória mais derrota da noite foi, contudo, do PAN, que manteve a sua deputada única, Inês Sousa Real, que até foi capaz de dizer que o partido está numa “rota de crescimento”. A líder do PAN criticou o Presidente da República por ter convocado eleições e por ter, assim, aberto as portas ao crescimento da direita radical.

E é de facto para Marcelo que agora passa a responsabilidade de voltar a tomar decisões e tentar equilibrar o sistema num calendário e perante uma realidade com muitas limitações. Já tivemos vários governos minoritários e alguns até conseguiriam fazer aprovar orçamentos e até durar uma legislatura, mas nunca nenhum tão minoritário como o que sai desta realidade com que acordamos esta manhã.

Outras notícias

Óscares. Além de noite de eleições, foi noite de Óscares e aqui tem a lista dos vencedores e os momentos que marcaram a noite.

Bola. E além de eleições e de Óscares, foi também noite de futebol, com o Benfica a vencer o Estoril e o Sporting a ganhar ao Arouca.

Ramadão. Este domingo, 10, foi mesmo um dia cheio de acontecimentos. Para os muçulmanos, foi o início do Ramadão, um tempo de jejum e de oração, mas também de festa, que este ano tem “um início triste e tenso”.

Pão. Em Gaza, há fome e desespero, há bebés a morrer à fome e alimentos que não chegam a porto seguro. Para acompanhar aqui.

Guerra e paz. Sobre a guerra na Ucrânia ainda ressoa a polémica sobre as palavras do Papa Francisco que apelou à paz e disse que Kiev deve levantar uma bandeira branca e negociar.

Frases

“Só se vê uma solução. Difícil. Complicada. Complexa. Mas a única capaz de segurar o barco: o bloco central, a coligação, escrita, contratada, entre o PSD e o PS. Será que os seus líderes têm a grandeza suficiente?”

António Barreto, no Público

“A alternância é boa para o país e para a democracia; já o populismo não lhe faz bem nenhum.”

Henrique Monteiro, no Expresso

O que ando a ler

Entre as muitas publicações que têm saído e muitas outras que vão continuar a ver a luz dos leitores nos próximos tempos a propósito dos 50 anos do 25 de Abril, há um livrinho - pequeno, fácil de ler, com escrita escorreita de quem está habituado a escrever notícias - sobre o que não mudou apesar de tanta mudança. “Revolução Inacabada”, do jornalista João Pedro Henriques, ajuda-nos a identificar duas vertentes da nossa vida comum que ainda não tiveram a mudança que o desenvolvimento - o terceiro D de Abril - prometia: o domínio da política pelas elites e o machismo na justiça. A propósito deste último, ainda na sexta-feira, o Expresso trazia os mais recentes números divulgados pela Associação de Apoio à Vítima (APAV) e, além dos números, a constatação de que as queixas aumentam, mas as “condenações continuam a ser poucas”. E nem a entrada de tantas mulheres para o meio judicial veio mudar o panorama: bastaram menos de mil carateres para mudar a lei permitindo às mulheres serem juízes, mas 50 anos ainda não foram suficientes para mudar o olhar.

Caro leitor, por agora fico por aqui, mas no seu Expresso tem ainda várias análises e opiniões sobre os resultados eleitorais e atualização permanente do país e do mundo. Até já.

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Imagem: Henrique Monteiro | HenriCartoon

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