Nuno Peres Monteiro
– Jornal i, opinião
É preciso
renegociar a dívida, por uma razão muito simples: é impossível Portugal pagar o
que deve nos termos em que o deve
1. Não é a decisão
do TC que causa o falhanço do governo, que já se tinha mostrado incapaz de
cumprir os objectivos do Memorando de entendimento com a troika e de fazer as
necessárias reformas estruturais desde muito antes de o TC ter inviabilizado o
presente orçamento. O actual governo falhou por não ter tido a coragem política
de fazer reformas, tal como demonstra a parte mais patética do discurso do
primeiro-ministro reagindo ao acórdão do TC, onde, para além de alijar todas as
responsabilidades para os juízes, diz ir agora - agora, dois anos depois de ter
começado a governar - estudar reformas mais profundas.
3. O problema é que
fazer reformas estruturais agora será muito difícil porque o tempo político
deste governo está praticamente esgotado e a sua antagonização do PS desde o
início do seu mandato levou a que a liderança socialista adoptasse um tom
crescentemente crispado, que hoje roça o histriónico.
4. O caminho menos
horrivelmente difícil para Portugal continua a ser o das reformas estruturais,
incluindo reduções muito substanciais do peso dos salários e contribuições
sociais na despesa pública, o que só se conseguirá com diminuições do número
dos que trabalham para o Estado e com a racionalização das prestações sociais
de modo a que estas se centrem em quem não pode prescindir delas para
sobreviver e não na classe média.
5. Ao mesmo tempo é
preciso renegociar a dívida, por uma razão muito simples: é impossível Portugal
pagar o que deve nos termos em que o deve. Isto exigirá uma postura por parte
do governo português mais frontal em relação aos nossos credores, postura essa
que tenho dúvidas o actual primeiro-ministro saiba ou queira adoptar.
6. Significa tudo
isto que cada vez mais a governação de Portugal exige consensos alargados
enquanto o sistema partidário e a própria sociedade estão - em consequência,
por um lado, da inépcia governamental em realizar reformas e comunicar aos
portugueses uma estratégia viável e, por outro, do profundo populismo assumido
por toda a oposição - crescentemente fracturados.
7. Assim sendo, e
num quadro que me parece já configurar um irregular funcionamento das
instituições democráticas por não conseguirem estas gerar os consensos
essenciais à manutenção da soberania nacional, chegou a altura de o PR investir
o seu (hélas, reduzido) capital político, na criação desse entendimento através
da formação de um governo de iniciativa presidencial.
8. Tal governo,
para o qual seria possível angariar personalidades provenientes de todo o arco
governativo, incluindo a área socialista, deveria imediatamente constituir uma
“comissão de sábios” que determine onde e como vamos cortar os tais 4 ou 5 mil
milhões de euros na despesa pública de uma forma que maximize a competitividade
e, assim, a nossa capacidade de crescimento e, por isso, também de
redestribuição. Tal estudo, que deveria já ter sido feito de uma forma
socialmente abrangente, daria também ao governo um acrescido poder negocial
junto da troika no sentido de renociar prazos e taxas de juro da nossa dívida
pública.
9. Este cenário,
não sendo o ideal, é, como diria Churchill, preferível a todas as outras
alternativas que, no fundo, são apenas duas. A primeira é a manutenção de um
governo debilitado quer na sua capacidade de implementar reformas quer,
consequentemente, na sua capacidade de renegociar a dívida. A segunda é a
convocação de eleições de que resultaria a vitória de um PS com a liderança
mais populista de que há memória, que não acha serem necessárias quaisquer
decisões difíceis e que teria uma ainda mais reduzida capacidade negocial na
Europa porque qualquer cedência da troika a esta liderança socialista seria
premiar quem não quis ajudar o actual governo a cumprir o Memorando. Qualquer
destas possibilidades resultaria na continuação da degradação do funcionamento
das nossas instituições políticas, aumentando o risco de termos de sair do euro
e, pior ainda, virmos a ter um outro tipo de regime, de legitimidade democrática
ainda menos expressiva do que um governo de iniciativa presidencial, como aliás
tivemos durante quase metade do século passado em resultado do colapso do
processo político da primeira república.
10. Em resumo,
chegou o momento, Senhor Presidente!
Professor de
ciência política na Universidade de Yale
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