Patrícia Neves, da agência Lusa
Macau, China, 07
dez (Lusa) - A comunidade macaense, fruto de 500 anos de convivência entre
portugueses e chineses no sul da China, trava uma luta diária nos quatro cantos
do mundo para que a sua cultura secular e singular resista à força dos tempos.
Fernando Leopoldo
do Rosário nasceu em Macau há 68 anos, mudou-se para Hong Kong aos 18 e acabou
por seguir as pegadas dos seus antepassados portugueses ao decidir desbravar
novos mundos.
"Naquele tempo
era moda [emigrar], toda a gente ia à procura de um melhor futuro, porque Macau
não tinha nada. Falávamos inglês, português e chinês e, por isso,
desenrascávamo-nos em qualquer sítio", recordou em declarações à agência
Lusa, durante uma visita à terra natal para um encontro da comunidade.
Tinha 30 anos
quando chegou ao Canadá e nunca mais pensou em regressar a Macau. Passaram-se
quase quatro décadas e Leopoldo viu a família adotar a mesma capacidade de se
misturar com os locais que aquela que está na base da sua identidade cultural.
"Os meus
filhos só falam inglês, nunca falaram português, também raras vezes comem
comida macaense ou portuguesa, porque nasceram, cresceram e trabalham no
Canadá, é tudo à maneira canadiana. Mas já vieram a Macau e sentem alguma
coisa, lá dentro sentem" que são em parte macaenses, garante.
O português de
Leopoldo resiste ao tempo e à distância, tal como a vontade de preservar a sua
cultura que cresce com a saudade de Macau.
"Tenho pena,
mas sei que se vai perder tudo, mas as tradições ainda se mantêm, como o Natal
e a Páscoa. Sinto saudade e procuro manter a cultura de Macau, por isso, em
casa comemos bacalhau, feijoada, grão-de-bico, dobrada, 'tacho', 'minchi'
[pratos típicos macaenses], vaca estufada, tudo, sou eu que faço",
apontou.
Carlos Cabral, de
46 anos, nasceu e vive em Macau. Os seus olhos rasgados, a fluência na língua
de Camões e as palavras em patuá (crioulo de base portuguesa) que floreiam o
seu discurso não deixam dúvidas de que é macaense.
Carlos lançou
recentemente um livro de receitas macaenses, intitulado "Comê Qui
Cuza" (em patuá), para "preservar uma gastronomia de fusão" e
dar a conhecer os "segredos" desta cozinha aos "jovens da
diáspora", pois lamenta que esta "nova geração já não esteja muito
familiarizada com a cultura macaense".
"Não acredito
que a cultura se vá perder, mas era melhor haver mais restaurantes macaenses,
porque é uma forma de o mundo inteiro conhecer a nossa cultura", defendeu.
Silvana, de 42
anos, e Iana Assumpção, de 21 anos, mãe e filha, duas gerações de macaenses nascidas
no Rio de Janeiro, Brasil, levam a sério essa missão.
"O meu pai
passou-nos este amor por Macau e eu passei-o à minha filha e abrimos há quatro
meses o primeiro restaurante macaense fora de Macau para dar a conhecer ao
mundo a gastronomia macaense, que é muito rica, e também Macau", explicou
Silvana.
Iana, o "braço
direito" da mãe na cozinha do "Fat Choi", leva os "amigos
brasileiros a provarem a comida macaense", considerando que "a
culinária é uma forma de aproximar as pessoas, não só os macaenses, mas também
quem não o é à cultura macaense".
"Definir a
gastronomia macaense é o mesmo que definir o que é ser macaense, não há uma
definição certa, porque somos uma mistura. Vemos isso no patuá, que é uma
mistura de idiomas, na culinária, que é uma mistura de sabores e temperos, é
uma mistura única", observou.
Para a mãe, a
"miscigenação cultural de Macau está dentro da gastronomia" macaense,
que "é uma gastronomia do mundo, que 'pegou' o melhor de cada região"
e, por isso, defende a sua classificação como Património Mundial pela UNESCO.
Iana considera que
essa distinção seria um reconhecimento de toda a cultura macaense ao salientar
que o "medo é que ela deixe de ser vivida".
Luís Machado,
presidente da Confraria da Gastronomia Macaense, entidade que se bate pela
classificação da UNESCO, refere que "um dos pilares que une [os macaenses]
é a mesa, a cozinha macaense, além da fé cristã e do patuá".
"Não acredito
que esta cultura morra, porque enquanto houver um macaense haverá com certeza
um 'minchi' em casa", acrescentou, manifestando confiança na vontade e na
capacidade dos jovens macaenses de darem continuidade às tradições das suas
famílias.
Tânia Sales
Marques, de 31 anos, filha de pai macaense e mãe portuguesa, nasceu em
Portugal, mas cresceu em Macau, onde hoje vive e se afirma, sem hesitações,
como "macaense".
"Para manter a
identidade macaense viva é preciso adaptarmo-nos à realidade atual",
vincou, considerando que um macaense é cada vez mais aquele que se sente como
tal "pelo facto de muitos jovens terem já pouco sangue macaense e serem
ainda mais mistos do que os macaenses tradicionais".
Tânia garante que
os macaenses estão "cientes de que há uma maior diluição da [sua]
cultura", mas defende que é a "ligação emocional [a Macau] que acaba
por a manter viva", constatando que os jovens "começam a perceber a
importância de terem um papel ativo na sua preservação".
"Nós somos uma
comunidade única no mundo (...) e desde que haja pessoas que sintam que fazem
parte deste grupo cultural, desta etnia, de uma certa forma, desde que haja
esse sentimento de pertença, penso que esta cultura não se perderá",
concluiu.
PNE // ZO - Lusa
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