Nas
eleições europeias, volta do nazismo foi contraposta por emergência de nova
esquerda. Maiores derrotados são defensores da ordem atual
Boaventura
de Sousa Santos* – Outras Palavras
A
Europa que conhecíamos até ontem era a Europa virtuosa, construída politicamente com o objetivo de evitar
uma terceira guerra europeia, integrando a Alemanha, sempre imprevisível, num espaço político mais amplo. Assim se esperava
consolidar as democracias europeias por via de formas intensas de cooperação e transformar a Europa num continente de
promoção da paz num
mundo ameaçado pela guerra fria (e por vezes quente)
promovida pelos dois imperialismos, o norte- americano e soviético. Já sabíamos, por
experiência dolorosa própria,
que este projeto tinha colapsado. No domingo passado pudemos visitar as ruínas. Tiramos delas três
lições enquanto
as contemplamos, talvez menos calmos do que parecemos.
O
que vivemos foi em grande medida desolador, como é próprio
das ruínas, sobretudo enquanto
fumegam. O brilho dos vernizes ainda é
visível nas mobílias destroçadas onde o fogo ainda
não chegou. A história europeia sabe que um partido de
extrema-direita pode ser eleito democraticamente para destruir a democracia.
Começou assim a ascensão
do nazismo. Nas eleições
europeias, a extrema-direita e os ultraconservadores ganharam em França,
Reino Unido, Dinamarca e ficaram em segundo na Hungria, Letônia e, em terceiro,
na Áustria e na Grécia. Obviamente que estes partidos não teriam os mesmos resultados se as eleições fossem para os parlamentos dos diferentes
países. E, por isso, não há,
por agora, o perigo da nazificação
dos países europeus. Mas há certamente o perigo da nazificação da ideia de Europa. E não pode deixar de ser salientado que o
nazismo é uma herança
cruel da Alemanha do século XX
e que, se é verdade que a
Alemanha federal soube ao longo dos anos controlar a pulsão nazi no seu país, deixou-a à solta no resto da Europa. Imagine-se o que se diria hoje de
Portugal se os fascistas europeus pintassem a cruz de Cristo pelos cemitérios judaicos de toda a Europa. Em face da
sua história, o modo com a
Alemanha lidou com a crise europeia foi criminosa, já que ninguém como ela podia ter travado a pulsão nazi na Europa. Não o fez, e até parece lidar bem com os nazis, desde que não sejam alemães.
A
segunda lição
das eleições
europeias é mais animadora e
está nos antípodas da primeira. A contestação desta Europa não vem apenas da direita, vem também da esquerda e tem vários matizes. Syriza na Grécia, Movimento 5 Stelle na Itália, Podemos em Espanha e Coligação
Democrática Unitária (CDU) em Portugal. Nestas vitórias vibram as ideias de solidariedade, de
coesão social, de
democraticidade, de respeito pela soberania dos países que presidiram ao nascimento da Europa e
que os diferentes países
europeus adotaram como sua no pós-guerra
(Portugal, Grécia e Espanha,
logo que conquistaram a democracia). Ora, estas ideias começaram
a ser contestadas no interior das instituições europeias antes de o serem no interior de
cada país (com a exceção de Thatcher em Inglaterra) e foram
exercendo uma pressão
dessolidária, autoritária, hostil ao modelo social europeu sobre
cada um dos países, em
especial os mais vulneráveis.
Primeiro, usaram o caminho da institucionalidade (euro, tratados de Maastricht,
de Lisboa e de livre comércio
com a China); depois, o da extra-institucionalidade (causada diretamente pela
institucionalidade anterior): a crise. Esta mistificação perversa de salvar a europa (rica) à custa dos países europeus (pobres) acaba de ser
denunciada por estes partidos e é
neles que reside a esperança. Por que é que o BE, que pertence à
família geral dos partidos da
esperança, está fora
dela? Pessoas notáveis num
partido medíocre.
A
terceira lição
é que os grandes derrotados
desta eleição
são os partidos que mais
contribuíram para a construção da Europa como a conhecemos, os partidos
de centro esquerda e de centro direita, que continuam a pensar que, com mais ou
menos remendos, esta Europa sobreviverá.
Como se compreende que o partido que proclamou ser a alternativa à coligação partidária que presidiu ao maior desastre social em Portugal nos últimos 90 anos fique apenas a uns míseros quatro pontos acima dessa coligação? A ilação é
simples: para o PS ser a alternativa tem de se reconstruir em alternativa a si
mesmo.
*Boaventura
de Sousa Santos é doutor em sociologia do direito pela Universidade de Yale,
professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra,
diretor dos Centro de Estudos Sociais e do Centro de Documentação 25 de Abril,
e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa -
todos da Universidade de Coimbra. Sua trajetória recente é marcada pela
proximidade com os movimentos organizadores e participantes do Fórum Social
Mundial e pela participação na coordenação de uma obra coletiva de pesquisa
denominada Reinventar a Emancipação Social: Para Novos Manifestos.
Na
foto: Alexis Tsipras, do partido grego Syriza, integrante da Esquerda Europeia.
Depois de vencer eleições do fim-de-semana em seu país, ele prepara-se para
disputar governo.
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