terça-feira, 1 de julho de 2014

Angola: CLÃ PRESIDENCIAL METE A MÃO NAS NOVAS LINHAS DE CRÉDITO



Folha 8 – 28 junho 2014

Académicos, políticos e analistas angolanos dizem exis­tir falta de transparên­cia nas linhas de crédito estrangeiras concedidas ao Governo de Eduardo dos Santos. Nada de novo mas que, agora, revele a crescente onda dos que questionam a opacidade do regime em benefício próprio. Como há muito aqui se tem escrito, trata­-se de uma variante de uma velha metodologia autoritária em que, como sempre, os beneficiários são os mesmos de sempre, ou seja o clã presidencial e o seu séquito de bajulado­res.

O docente da Universi­dade Católica de Angola, Justino Pinto de Andrade, defende que as linhas de crédito estrangeiro, ao contrário do que deveria acontecer num Estado de Direito, têm servido para o enriquecimento da elite política no poder, dizendo que tal acontece por falta de fiscalização.

A nova abertura de uma li­nha de crédito de dois mil milhões de dólares para investimentos na cons­trução civil e energia em Angola, anunciada pela Presidente brasileira, Dil­ma Rousseff, durante uma visita do chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, fez ressuscitar uma antiga preocupação da classe política e acadé­mica: a transparência na concessão e aplicação das linhas de crédito obtidas pelo Governo angolano.

Mais uma vez, segundo uma tradição dos tem­pos de partido único e da florescente ditadura, em­bora agora mascarada de democracia, o Presidente da República é apontado como o grande beneficiá­rio das linhas de crédito estrangeiras, nomeada­mente através dos seus testas-de-ferro, mesmo que não pertençam ao clã por laços familiares.

Justino Pinto de Andrade diz que essas linhas de cré­dito têm servido para enri­quecer a elite política no poder, em detrimento de benefícios para o país, por falta de transparência, uma tese que aliás é advogada por diversas organizações internacionais que avaliam a impávida e impune cor­rupção que tomou conta do nosso país.

“As relações entre Estados têm uma grande compo­nente económica. Não há mal em obterem-se linhas de crédito no exterior, até é normal, agora tem de haver transparência nesse tipo de relacionamentos e sobretu­do não transformar esses mecanismos em mecanis­mos de enriquecimento ilícito”, refere Justino Pinto de Andrade, explicando que, “infelizmente, é isso que acontece em Angola”.

Uma das razões que faz com que o docente da Universidade Católica de Angola olhe com descon­fiança para a obtenção dos vários empréstimos efectuados pelo Governo angolano reside no facto de nunca ter sido ouvida a opinião da Assembleia Nacional sobre a matéria. Aliás, este órgão da nossa suposta democracia, ma­nietado pela maioria parla­mentar do MPLA, só serve para ampliar as posições do regime, pouco mais sendo que uma das muitas correias de transmissão de propaganda e de bajulação ao regime.

“É por isso mesmo que se age de costas viradas para o Parlamento, pre­cisamente para se poder agir sem qualquer fiscali­zação, sem qualquer con­trolo por causa da falta de transparência. São envol­vidos grandes valores e os grandes beneficiários são os mesmos de sempre. Naturalmente, não estão interessados em que haja uma acção fiscalizadora por parte do Parlamen­to”, explica Justino Pinto de Andrade numa análise que, apesar de crítica, é benevolente quanto ao pa­pel decorativo da Assem­bleia Nacional.

Por sua vez Alberto Ngala­nela, deputado da UNITA, pensa que é preciso limitar os poderes do Presidente José Eduardo dos Santos sob pena de se endividar o país através de linhas de crédito “duvidosas”. As linhas de crédito até nem são duvidosas. Duvi­doso – isso sim – é o seu uso exclusivo e privado por um regime que deveria prestar contas, nomea­damente através do Parlamento, do seu uso.

“Há uma gran­de concentra­ção do poder do titular executivo em relação aos ou­tros órgãos. É preciso limitar os poderes do Pre­sidente da República, para que todos os actos que envolvem Angola sejam devidamente autorizados pela Assembleia Nacional, aqueles que representam o povo, para podermos ex­plicar ao povo que Angola beneficiou de uma linha de crédito para determina­dos programas”, sustenta Alberto Ngalanela.

Em declarações à TPA, o ministro das Finanças, Ar­mando Manuel, disse que a nova linha de crédito eleva para 7,83 mil milhões de dólares o valor da dívi­da pública de Angola para com o Brasil.

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