Em
finais o ano passado uma ONG australiana calculava que existiam ainda na
Mauritânia 150 mil escravos, cerca de quatro por cento da população – embora
outras estimativas elevem essa percentagem para 10 ou 20 por cento. Essa
escravatura atinge maioritariamente as comunidades negras, populações
originárias da zona do rio Senegal que permanecem largamente excluídas do poder
político e económico, controlado pela minoria árabe-berbere.
Sem
surpresas, o presidente mauritaniano Mohamed Ould Abdelaziz foi reeleito com
quase 82% dos votos nas eleições de sábado, 21, boicotadas pela maior parte da
oposição.
Em
segundo lugar, a larga distância, com menos de 9%, ficou o candidato
anti-esclavagista Biram Ould Abeid, numa votação em que a taxa de participação
foi de 56% (estavam inscritos um milhão e 300 mil eleitores) e que decorreu sem
incidentes. Os restantes candidatos – Boidiel Ould Houmeid, do partido El-Wiam,
Ibrahima Moktar Sarr, representante da comunidade negro-mauritaniana, e Lalla
Mariem Idriss, gestora e a única mulher concorrente – obtiveram votações
residuais.
General
reformado, de 57 anos, Abdelaziz chegou ao poder em 2008 através de um golpe de
estado militar, apoiado pela França de Sarkozy. Um ano depois, organizou
eleições, denunciadas como uma farsa pelos seus opositores, e «legitimou» a
liderança com um mandato de cinco anos.
Em finais de 2013, em eleições legislativas igualmente boicotadas por parte da oposição, a UPR (União para a República), o partido do presidente, conquistou larga maioria parlamentar.
Agora,
depois de nova vitória sem adversários, Abdelaziz prometeu ser «o presidente de
todos os mauritanianos» e garantiu «os direitos de todos os cidadãos, a sua
igualdade perante a lei e perante os serviços do Estado». Com belas palavras,
renovou o compromisso de prosseguir políticas de reforço da unidade nacional,
de independência da Justiça, de luta contra as desigualdades sociais, de
redução da pobreza e de melhor redistribuição da riqueza nacional.
Os
resultados eleitorais não convenceram a oposição, agrupada no Fórum Nacional
para a Democracia e Unidade (FNDU), que tinha apelado ao boicote do escrutínio,
organizado por «um poder ditatorial». Segundo ela, a fraca participação foi uma
condenação popular do presidente reeleito, das suas políticas e do regime.
O
líder oposicionista, Sidi Ould Babamine, considerou que o presidente Abdelaziz,
apesar de ter concorrido «quase sozinho», foi «mal eleito», com apenas 80% «de
um quarto do eleitorado». Para a FNDU, a votação estava viciada desde o início
do processo, já que metade dos cidadãos não foi inscrita nos cadernos
eleitorais.
O
escrutínio foi acompanhado por 700 observadores, 200 dos quais estrangeiros. A
missão da União Africana foi dirigida por um antigo primeiro-ministro tunisino,
Béji Essebsi, que não encontrou irregularidades e exortou a continuação do
diálogo nacional.
Aliado
do Ocidente
Com
uma população que não chega aos quatro milhões de habitantes, a Mauritânia é um
enorme país onde o deserto desagua no Atlântico… Situado estrategicamente entre
o Magrebe e a África sub-sahariana, faz fronteira com o Sahara Ocidental
(ocupado por Marrocos), a Argélia, o Mali e o Senegal.
Antiga
colónia francesa, independente desde 1960, a Mauritânia iniciou em 2006 a exploração de
petróleo, actividade económica a que se junta a pesca e a extracção de minério
de ferro. O presidente Abdelaziz apresenta como balanço dos últimos anos um
significativo crescimento (mais 6% do PIB em 2013), a baixa da taxa de inflação
para menos de 5% e uma política de «ajuda aos mais pobres». No plano
securitário, com a ajuda de Paris e Washington, o regime militarizado erradicou
a actividade da Al-Qaida do Magrebe Islâmico (Aqmi), muito activa no país antes
de 2008. Daí que a Mauritânia do general Mohamed Abdelaziz seja considerada um
firme aliado do Ocidente na luta contra o «terrorismo» no Sahel.
A
par destes «êxitos» económicos e políticos, a Mauritânia é hoje um dos países
africanos em que persiste a escravatura, questão que a maioria dos media
estrangeiros prefere ignorar.
Em
finais o ano passado, uma ONG australiana, a Walk Free, calculava que existiam
ainda na Mauritânia 150 mil escravos, cerca de quatro por cento da população –
embora outras estimativas elevem essa percentagem para 10 ou 20 por cento.
Essa
escravatura atinge maioritariamente as comunidades negras, populações
originárias da zona do rio Senegal que permanecem largamente excluídas do poder
político e económico, controlado pela minoria árabe-berbere.
As
leis que desde 1981 puseram fim à escravatura e, a partir de 2007, penalizam a
sua prática, têm pouca eficácia real. Assim, não é de estranhar que o combate
abolicionista ainda faça todo o sentido na Mauritânia, onde há uma ONG como a
SOS Escravos e um movimento como a Iniciativa para o Ressurgimento
Abolicionista (IRA). O líder desta organização, Biram Ould Abeid, foi a votos
nas recentes eleições presidenciais precisamente para chamar a atenção para a
luta contra a escravidão no seu país.
*Este
artigo foi publicado no “Avante!” nº 2117, 26.06.2014
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