terça-feira, 19 de agosto de 2014

Angola: CASO BES…A - REGIME TIRA O TAPETE A PORTUGAL



Folha 8, 16 agosto 2014

Quando o im­pério do Gru­po Espírito Santos ruiu, o BES não tinha apenas uma participação, mas uma ex­posição creditícia ao BESA de cerca de 3 mil milhões de euros. E até aí tudo fa­zia sentido. Angola é pro­dutora de petróleo, dispõe de enormes recursos e a economia cresce de for­ma acelerada e sustentada. Com esta crise, Portugal esqueceu-se que sempre que vinha cá com a mão estendida o regime abria a torneira. Lisboa picou a onça. Mas o pau era cur­to…

Não admira, por isso, que Portugal apostasse tudo e a qualquer preço no regime de Eduardo dos Santos, o que é diferen­te – muito diferente – de apostar em Angola. Lisboa sempre soube que o regi­me é um dos mais corrup­tos do mundo e que os an­golanos na sua maioria são pobres. Mas isso nunca preocupou os diferentes governos portugueses.

Neste jogo sempre estive­ram duas variantes. Uma que nos diz que mais de 40% da nossa população vive com menos de 2 dó­lares por dia, que a maio­ria têm pouco ou nenhum acesso a água canalizada, saneamento básico ou electricidade. Outra que mostra à saciedade que Eduardo dos Santos é um dos homens mais ricos de África e que a sua filha Isa­bel é a mulher mais rica de África.

Por razões óbvias, Portu­gal sempre esteve ao lado do regime. Tanto roubou como ficou a guardar os que roubavam. Foi uma sociedade mafiosa que, como sempre, fez com que – em ambos os países – poucos tivessem mais milhões e mais milhões ti­vessem pouco ou nada.

Portugal esqueceu-se, contudo, que os donos do regime aprenderam com os melhores professores, os próprios portugueses. De forma quase contínua desde 1975, os sucessivos governos lusos fornece­ram quilómetros de corda ao MPLA que, suposta­mente, serviria para amar­rar as relações entre os dois países. Mas a prática mostrou que a estratégia de Eduardo dos Santos era outra. Essa corda vai ser­vindo para “enforcar” os próprios portugueses.

Mesmo sabendo que fazer negócios em Angola é pra­ticamente impossível sem o envolvimento directo de políticos do partido do go­verno, Portugal nunca se preocupou. Pelo contrário. Alinhou. Lisboa precisava e Luanda tinha.

Sendo que corrupção no caso BES é muito mais grave do que se imagina, o BESA é, sem dúvida, um parceiro do regime, o ban­co do regime. Não porque tenha investido de forma produtiva na economia angolana mas, antes, por financiar sem retorno os políticos do regime com dinheiro roubado ao erá­rio público.

Como todos os bancos an­golanos, o BESA concedeu empréstimos excessiva­mente nos últimos anos: a sua carteira de crédito duplicou de volume entre 2010 e 2012, deixando-a com um rácio de crédi­to/depósitos de cerca de 200% e a qualidade da carteira de crédito tem vindo a deteriorar-se ra­pidamente, levantando preocupações sobre a sua solvência e liquidez.

Em Dezembro de 2013 a própria Angop dizia que os accionistas concordaram com recapitalizar o banco, no montante de 500 mi­lhões de dólares. Ao mes­mo tempo, o Estado (re­gime) avalizou até 5,7 mil milhões de empréstimos contabilizados no BESA. A garantia foi concedida por insistência pessoal do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, após uma reunião com Ricar­do Espírito Santo Salgado, então o DDT (Dono Disto Tudo) do grupo.

Embora a maioria das jo­gadas tenha sido feita lon­ge de critérios de transpa­rência, no passado dia 1 o Banco de Portugal dividiu o BES em dois bancos, o “bom” e o “mau”, naciona­lizando temporariamen­te o “bom” e deixando os detentores de dívida su­bordinados às perdas no banco “mau”.

A parte angolana de inves­timentos do BES manteve­-se no banco “mau”. O regime de Eduardo dos Santos não gostou. No dia 4 o Banco Nacional de Angola pôs o BESA sob sua jurisdição e revogou a garantia soberana. Com isso o BES/“banco mau” teve uma perda imediata de cerca de 3 mil milhões de euros.

Ao contrário do que pen­sam os peritos de Lisboa, os homens do regime não são matumbos. O governo angolano concedeu uma garantia ao BESA que não foi retribuída pelo executi­vo português. Ao recusar o apoio aos investimentos do BES no BESA, Passos Coelho denunciou unilate­ralmente o acordo. A reta­liação era inevitável.

Mas será mesmo assim, ou há outras jogadas de bastidores? A garantia não foi revogada totalmente. O BNA irá injectar 5 mil mi­lhões de dólares no BESA. Injectar significa empres­tar ou recapitalizar?

Num artigo incisivo que, com alguma benevolência analítica, mostra a pro­miscuidade ente a políti­ca e actividade bancária, a revista norte-americana Forbes diz que a crise no BES poderá ainda estar no adro, muito embora os párocos de serviço digam o contrário. Desta feita, indica que o BESA pode­rá revelar-se o verdadeiro “calcanhar de Aquiles” ou, até mesmo, o epicentro de um pântano de areias mo­vediças.

“Como se ter sido posto de joelhos por um conglo­merado corrupto de base familiar não fosse o sufi­ciente, o Banco Espírito Santo poderá agora conhe­cer novas perdas devido ao falhanço da sua subsi­diária em Angola. O BES é dono de 55% do segundo maior banco de Angola, o BES Angola. Em anos re­centes, o BESA tornou-se criticamente dependente do BES para se financiar, por causa do seu rácio de depósitos/empréstimos e da deterioração da sua carteira de depósitos”, diz a Forbes.

Assim, desta forma pura e dura, a Forbes passa a pen­te fino as implicações do BESA no banco português, sobretudo pela exposição do BES ao banco angola­no, que rondará os três mil milhões de euros.

Na mesmo artigo diz-se que que o BESA, mais do que ser um banco como deveria ser entendido, acabou por ser um parcei­ro do governo de Eduardo dos Santos, tanto que os seus investimentos igno­raram pressupostos de produtividade, ficando o banco aos dispor dos po­deres instalados.

Explica a Forbes que, após a separação do BES em dois bancos, com os inves­timentos portugueses em Angola a permanecerem no “banco mau”, o gover­no angolano encarou isso como um ato hostil, tendo a garantia soberana sobre o BESA sido cancelada.

Agora, numa altura em que ainda há muita in­certeza relativamente à forma como será gerida a situação do “banco mau”, é certo que as relações eco­nómicas entre Portugal e Angola, através do BESA, poderão ter os dias conta­dos.

Por sua vez o The New York Times diz que um grupo de investidores que foi atingido pela crise do BES afirma que “alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiá­ria bancária do BES em Angola, o Banco Espíri­to Santo Angola (BESA), foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”. Os investidores ponderam avançar contra uma “ac­ção legal contra os regula­dores portugueses”.

O The New York Times escreve que “investidores de fundos de alto risco, furiosos por verem as suas participações no Banco Espírito Santo reduzidas a zero, estão a ponderar avançar com uma acção legal contra os regulado­res portugueses”.

“De acordo com banquei­ros e advogados envolvi­dos na iniciativa, os fun­dos incluem o Third Point, fundado por Daniel Loeb, e o GLG, em Londres, e grupos mais pequenos especializados em obriga­ções problemáticas, tais como Aurelius, Golden Tree e VR Global”, avança a publicação, acrescentan­do que “entre os maiores investidores que sofreram perdas encontram-se o EJF Capital, um fundo se­diado em Arlington, Virgí­nia., e a unidade de gestão de activos com sede em Londres do BTG Pactual, o banco de investimento brasileiro”.

Sublinhando que “os títu­los em causa constituíam uma variedade especial­mente arriscada de dívida júnior que o BES emitiu no ano passado”, e que passa­ram agora para o “banco mau”, o correspondente de Economia e Finanças do NYT, Landon Thomas Jr., afirma que “este episó­dio realça até que ponto as taxas de juros baixíssimos nos EUA levaram muitos investidores a fazerem apostas arriscadas em títu­los de alto rendimento de bancos e do governo em Portugal e na Grécia”.

“Durante mais de um ano, estes investimentos obti­veram altos rendimentos. Mas à medida que sur­giam dúvidas sobre a ca­pacidade de crescimento da Europa e a capacidade dos bancos para suportar um número crescente de maus empréstimos, estas obrigações e acções alta­mente rentáveis inverte­ram a sua direcção”, escla­rece o jornalista.

No seu artigo, Landon Thomas Jr. assinala ainda que “o grupo de investi­dores afirma que alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiá­ria bancária do BES em Angola, o Banco Espíri­to Santo Angola (BESA), foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”.

“Eles alegam que este conjunto de cerca de 3,3 mil milhões de euros em empréstimos duvidosos vai melhorar o seu valor ao longo do tempo por­que os credores incluem membros poderosos da elite política e económica angolana. E dizem que os reguladores portugueses encaminharam estes acti­vos para o banco bom por forma a aumentar o seu valor – assumindo que os empréstimos vão crescer em valor”, avança o cor­respondente do NYT.

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