Folha
8, 16 agosto 2014
Quando
o império do Grupo Espírito Santos ruiu, o BES não tinha apenas uma
participação, mas uma exposição creditícia ao BESA de cerca de 3 mil milhões
de euros. E até aí tudo fazia sentido. Angola é produtora de petróleo, dispõe
de enormes recursos e a economia cresce de forma acelerada e sustentada. Com
esta crise, Portugal esqueceu-se que sempre que vinha cá com a mão estendida o
regime abria a torneira. Lisboa picou a onça. Mas o pau era curto…
Não
admira, por isso, que Portugal apostasse tudo e a qualquer preço no regime de
Eduardo dos Santos, o que é diferente – muito diferente – de apostar em Angola. Lisboa
sempre soube que o regime é um dos mais corruptos do mundo e que os angolanos
na sua maioria são pobres. Mas isso nunca preocupou os diferentes governos
portugueses.
Neste
jogo sempre estiveram duas variantes. Uma que nos diz que mais de 40% da nossa
população vive com menos de 2 dólares por dia, que a maioria têm pouco ou
nenhum acesso a água canalizada, saneamento básico ou electricidade. Outra que
mostra à saciedade que Eduardo dos Santos é um dos homens mais ricos de África
e que a sua filha Isabel é a mulher mais rica de África.
Por
razões óbvias, Portugal sempre esteve ao lado do regime. Tanto roubou como
ficou a guardar os que roubavam. Foi uma sociedade mafiosa que, como sempre,
fez com que – em ambos os países – poucos tivessem mais milhões e mais milhões
tivessem pouco ou nada.
Portugal
esqueceu-se, contudo, que os donos do regime aprenderam com os melhores
professores, os próprios portugueses. De forma quase contínua desde 1975, os
sucessivos governos lusos forneceram quilómetros de corda ao MPLA que, supostamente,
serviria para amarrar as relações entre os dois países. Mas a prática mostrou
que a estratégia de Eduardo dos Santos era outra. Essa corda vai servindo para
“enforcar” os próprios portugueses.
Mesmo
sabendo que fazer negócios em Angola é praticamente impossível sem o
envolvimento directo de políticos do partido do governo, Portugal nunca se
preocupou. Pelo contrário. Alinhou. Lisboa precisava e Luanda tinha.
Sendo
que corrupção no caso BES é muito mais grave do que se imagina, o BESA é, sem
dúvida, um parceiro do regime, o banco do regime. Não porque tenha investido
de forma produtiva na economia angolana mas, antes, por financiar sem retorno
os políticos do regime com dinheiro roubado ao erário público.
Como
todos os bancos angolanos, o BESA concedeu empréstimos excessivamente nos
últimos anos: a sua carteira de crédito duplicou de volume entre 2010 e 2012,
deixando-a com um rácio de crédito/depósitos de cerca de 200% e a qualidade da
carteira de crédito tem vindo a deteriorar-se rapidamente, levantando
preocupações sobre a sua solvência e liquidez.
Em
Dezembro de 2013 a
própria Angop dizia que os accionistas concordaram com recapitalizar o banco,
no montante de 500 milhões de dólares. Ao mesmo tempo, o Estado (regime)
avalizou até 5,7 mil milhões de empréstimos contabilizados no BESA. A garantia
foi concedida por insistência pessoal do presidente angolano, José Eduardo dos
Santos, após uma reunião com Ricardo Espírito Santo Salgado, então o DDT (Dono
Disto Tudo) do grupo.
Embora
a maioria das jogadas tenha sido feita longe de critérios de transparência,
no passado dia 1 o Banco de Portugal dividiu o BES em dois bancos, o “bom” e o
“mau”, nacionalizando temporariamente o “bom” e deixando os detentores de
dívida subordinados às perdas no banco “mau”.
A
parte angolana de investimentos do BES manteve-se no banco “mau”. O regime de
Eduardo dos Santos não gostou. No dia 4 o Banco Nacional de Angola pôs o BESA
sob sua jurisdição e revogou a garantia soberana. Com isso o BES/“banco mau”
teve uma perda imediata de cerca de 3 mil milhões de euros.
Ao
contrário do que pensam os peritos de Lisboa, os homens do regime não são
matumbos. O governo angolano concedeu uma garantia ao BESA que não foi
retribuída pelo executivo português. Ao recusar o apoio aos investimentos do
BES no BESA, Passos Coelho denunciou unilateralmente o acordo. A retaliação
era inevitável.
Mas
será mesmo assim, ou há outras jogadas de bastidores? A garantia não foi
revogada totalmente. O BNA irá injectar 5 mil milhões de dólares no BESA.
Injectar significa emprestar ou recapitalizar?
Num
artigo incisivo que, com alguma benevolência analítica, mostra a promiscuidade
ente a política e actividade bancária, a revista norte-americana Forbes diz
que a crise no BES poderá ainda estar no adro, muito embora os párocos de
serviço digam o contrário. Desta feita, indica que o BESA poderá revelar-se o
verdadeiro “calcanhar de Aquiles” ou, até mesmo, o epicentro de um pântano de
areias movediças.
“Como
se ter sido posto de joelhos por um conglomerado corrupto de base familiar não
fosse o suficiente, o Banco Espírito Santo poderá agora conhecer novas perdas
devido ao falhanço da sua subsidiária em Angola. O BES é dono
de 55% do segundo maior banco de Angola, o BES Angola. Em anos recentes, o
BESA tornou-se criticamente dependente do BES para se financiar, por causa do
seu rácio de depósitos/empréstimos e da deterioração da sua carteira de
depósitos”, diz a Forbes.
Assim,
desta forma pura e dura, a Forbes passa a pente fino as implicações do BESA no
banco português, sobretudo pela exposição do BES ao banco angolano, que
rondará os três mil milhões de euros.
Na
mesmo artigo diz-se que que o BESA, mais do que ser um banco como deveria ser
entendido, acabou por ser um parceiro do governo de Eduardo dos Santos, tanto
que os seus investimentos ignoraram pressupostos de produtividade, ficando o banco
aos dispor dos poderes instalados.
Explica
a Forbes que, após a separação do BES em dois bancos, com os investimentos
portugueses em Angola a permanecerem no “banco mau”, o governo angolano
encarou isso como um ato hostil, tendo a garantia soberana sobre o BESA sido
cancelada.
Agora,
numa altura em que ainda há muita incerteza relativamente à forma como será
gerida a situação do “banco mau”, é certo que as relações económicas entre
Portugal e Angola, através do BESA, poderão ter os dias contados.
Por
sua vez o The New York Times diz que um grupo de investidores que foi atingido
pela crise do BES afirma que “alguns empréstimos duvidosos concedidos pela
subsidiária bancária do BES em Angola, o Banco Espírito Santo Angola (BESA),
foram para o banco bom e não para o banco mau, onde pertenciam”. Os
investidores ponderam avançar contra uma “acção legal contra os reguladores
portugueses”.
O
The New York Times escreve que “investidores de fundos de alto risco, furiosos
por verem as suas participações no Banco Espírito Santo reduzidas a zero, estão
a ponderar avançar com uma acção legal contra os reguladores portugueses”.
“De
acordo com banqueiros e advogados envolvidos na iniciativa, os fundos
incluem o Third Point, fundado por Daniel Loeb, e o GLG, em Londres, e grupos
mais pequenos especializados em obrigações problemáticas, tais como Aurelius,
Golden Tree e VR Global”, avança a publicação, acrescentando que “entre os
maiores investidores que sofreram perdas encontram-se o EJF Capital, um fundo
sediado em Arlington, Virgínia., e a unidade de gestão de activos com sede em
Londres do BTG Pactual, o banco de investimento brasileiro”.
Sublinhando
que “os títulos em causa constituíam uma variedade especialmente arriscada de
dívida júnior que o BES emitiu no ano passado”, e que passaram agora para o
“banco mau”, o correspondente de Economia e Finanças do NYT, Landon Thomas Jr.,
afirma que “este episódio realça até que ponto as taxas de juros baixíssimos nos
EUA levaram muitos investidores a fazerem apostas arriscadas em títulos de
alto rendimento de bancos e do governo em Portugal e na Grécia”.
“Durante
mais de um ano, estes investimentos obtiveram altos rendimentos. Mas à medida
que surgiam dúvidas sobre a capacidade de crescimento da Europa e a
capacidade dos bancos para suportar um número crescente de maus empréstimos,
estas obrigações e acções altamente rentáveis inverteram a sua direcção”,
esclarece o jornalista.
No
seu artigo, Landon Thomas Jr. assinala ainda que “o grupo de investidores
afirma que alguns empréstimos duvidosos concedidos pela subsidiária bancária
do BES em Angola, o Banco Espírito Santo Angola (BESA), foram para o banco bom
e não para o banco mau, onde pertenciam”.
“Eles
alegam que este conjunto de cerca de 3,3 mil milhões de euros em empréstimos
duvidosos vai melhorar o seu valor ao longo do tempo porque os credores
incluem membros poderosos da elite política e económica angolana. E dizem que
os reguladores portugueses encaminharam estes activos para o banco bom por
forma a aumentar o seu valor – assumindo que os empréstimos vão crescer em
valor”, avança o correspondente do NYT.
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