sábado, 30 de agosto de 2014

São Tomé e Príncipe: “VOTAR DE CARA TAPADA”, OUTRA VEZ?



Jorge Coelho* – Téla Nón (st), opinião

À luz das próximas eleições legislativas, autárquicas e regionais que se avizinham, achei pertinente enaltecer alguns aspectos para todos reflectirmos profundamente sobre a discrepância predominante entre os objectivos do eleitorado santomense e os interesses de grupos que usam o Estado para enriquecerem, seus associados nomeadamente homens de negócio de natureza diversa à procura de imunidade parlamentar e pessoas sem alternativas senão andar, consoante as circunstâncias, à volta dos chefes dos partidos políticos mais endinheirados e poderosos à procura de um lugar ao Sol nos Ministérios, Embaixadas e outros.

Este artigo é um contributo para todos procurarmos o aprofundamento da democracia através da participação efectiva dos eleitores na escolha dos representantes mais devotos à causa nacional, regional ou local, ou cidadãos com legitimidade conferida pelos eleitores para serem Deputados, Presidentes das Câmaras Municipais e respectivos Vereadores.

Num sentido figurativo, optamos por usar o termo “votar com cara tapada” para ilustrar o cenário actual no qual o eleitor vota nos partidos políticos, desconhecendo por completo aquele que vai decidir sobre a sua vida, a justiça e o desenvolvimento do país. “Votar de cara tapada” significa a inexistência de qualquer compromisso com o povo, depois de o mais “endinheirado” ou o grupo dos mais influentes do partido “vencedor” seleccionar novos dirigentes.

Os eleitores apenas votam para criar espaços para cada partido, sem conhecer a cara das pessoas em quem votam. Isto muito se assemelha a uma antiga brincadeira infantil da cultura santomense intitulada “jogo de cabra-cega”, onde os meninos de quintal proporcionam exercícios difíceis com a cara tapada para “apanharem” colegas menos espertos e se rirem um pouco. Do mesmo modo e, por analogia, pode-se ironicamente apelidar o cenário da votação legislativa actual de “Votar com Cara Tapada” uma vez que o eleitor continua a não ser decisor, movido pela consciência própria.

Ao longo do processo da criação do Estado de STP a partir de 1975, reforçado com a adopção do sistema de votação multipartidária nos anos 90, várias eleições legislativas tiveram lugar neste país. Todas apresentavam o propósito de seleccionar os melhores, entre os indivíduos credíveis, para desempenharem o papel de legisladores e representantes do povo. Mas nunca se pronunciaram sobre os “candidatos” exceptuando o caso das eleições presidenciais após a implantação do regime democrático, em 1991.

Aos deputados incumbe discutir, auditar, opinar e defender políticas, legislando sobre matérias que constituem preocupações do povo, tanto ao nível nacional como também das suas zonas regionais, cidades e distritos. Protegidos pela Constituição da República, o âmbito desse direito de representatividade outorgado pelos partidos políticos, se expande ao nível nacional, sem distinção partidária, embora que individualmente ainda possa também exprimir política partidária.

Em contrapartida, os deputados beneficiam de protecção incluindo imunidade parlamentar (direito de não ser julgado sem autorização da Assembleia), além de remuneração condigna, passaporte 2 diplomático, subsídios de viagens e outras regalias de representação inerentes ao órgão de soberania, plasmado na Constituição da República. Os “ainda-mais-afortunados” chegam a ser membros do Conselho de Administração de Empresas Públicas ou com capitais do Estado.

Porém, o sistema de votação actualmente aplicado em STP ainda não protege cabalmente as aspirações do povo, nem tão pouco ajuda a proceder mudanças qualitativas dos seus representantes. O mesmo sistema conduz eleitores a votar nos partidos e não na qualidade dos candidatos. A título de exemplo, uma votação legislativa pode neste momento produzir como resultado as seguintes percentagens de votos, que serão depois transformadas em números de deputados ganhos: partido A= 10%, B=15%, C=25% e partido D = 50% dos 55 lugares estabelecidos para deputados na Assembleia.

Não seria melhor proporcionar ao eleitor de cada localidade ou círculo eleitoral condições para conhecer pormenorizadamente o seu candidato (a), para indicar a pessoa da sua confiança quem o vai representar na Assembleia? Quando um eleitor (a) não detém informações sobre os candidatos constitui uma grandiosa discrepância de resultado no sistema em relação às suas intenções.

A outra discrepância também absurda surge depois das eleições. Verifique que depois das campanhas e das eleições, os partidos ganham em percentagem ou número de deputados, mas ainda não ficou explicito ao eleitor quem são seus novos deputados.

Afinal quem vai definir aquele ou aquela que se torna deputado ou deputada dentro da percentagem ganha por cada partido? Terá o eleitor participação? Não, não sejam intrometidos, camaradas! Cabe aos barões influentes de cada partido decidir quem fica deputado na lista vencedora e mediante critérios pouco transparentes. O mesmo acontece com o cargo de Primeiro Ministro. O povo tem  votado no candidato ao PM? Ou pelo menos a Assembleia tem votado no futuro Primeiro Ministro?

Não, Não, Não. Essas decisões ficam sempre no segredo dos Deuses dentro de cada partido, sem quaisquer participação popular ou da militância partidária. Portanto, na fase decisiva para exprimir a genuína vontade popular, o sonho dos eleitores torna-se irrelevante, senão desrespeitada ou ignorada pela elite escudada dentro dos partidos.

Com o seu precioso voto, o povo eleitor delega ingenuamente o seu direito de escolha para mãos desconhecidas que, após as eleições, podem manipular misteriosamente a configuração da lista de pessoas que lhe vão representar. Isto funciona como se o eleitor tivesse passado um “cheque em branco” ao partido, que por sua vez se afigura altamente influenciado por interesses de grupos elitistas, querelas ideológicas ou, melhor, monetárias, entre outras enfermidades sociais de que sofre a frágil sociedade de famílias santomenses – infelizmente muito aquém da verdadeira aspiração à mudança amplamente reclamada durante a campanha.

Consequentemente, muito longe de produzir a mudança almejada, as eleições legislativas e autárquicas continuam sendo oportunidades de disfarces dos mais espertos para legitimar e manter “compadres” e “comadres” de agrado partidário no cerne do poder como a melhor forma para reter melhores empregos, regalias (passaporte diplomático para viagens pessoais) e cargos públicos. Em vez das eleições possibilitarem renovação e mudança de rostos, assistimos à evolução crescente para o estatuto de “dinossauros políticos” (deputados com várias décadas de legislatura) ou deputados sem afinidades 3 com algum círculo eleitoral, sem profissionalismo nem espírito inovador.

Assim sendo, o sistema actual matou a esperança para fazer mudar o rosto da Assembleia através das eleições.

Voltamos ao cerne da questão. Vota-se sem conhecer o candidato, o que por analogia significa “votar com cara tapada”. Vocês não acham que já chegou a hora de abrir a cara do povo? E se melhorássemos a apresentação da lista de nomes proveniente dos partidos?

É bom que os nomes apareçam nas listas dos partidos políticos, mas seria ainda melhor com as fotografias dos mesmos publicadas para que o eleitor conheça bem o candidato.
 Seria elegante e transparente se todos os partidos tomassem essa necessidade em consideração para as próximas eleições. Também existem casos em que alguns nomes chegam a aparecer como “isca”, apenas para estimular a obtenção de votos para o partido. Depois das eleições, muitos desses nomes permanecerão como deputados suplentes, sem hipótese alguma de virem a ser titulares da bancada parlamentar até ao fim da legislatura. Na verdade, no sistema actual existem inúmeras possibilidades para os partidos ocultarem verdades, ou mesmo utilizarem abusivamente a boa reputação de alguns indivíduos credíveis nas suas zonas, explorando a integridade de pessoas apenas para “cassação” de votos para o partido.


Na verdade, ele ou ela nunca seria deputado caso não pertença ao ciclo de “compadres” onde coincidem grandes jogos de interesse. Se o objectivo da votação é procurar caras mais credíveis e actualizadas para fincar novas ideias, cada partido concorrente poderia apresentar transparentemente a lista dos seus candidatos claramente definidos com sua região do país e com as suas fotografias. Entre os candidatos e os partidos ficariam estabelecidos compromissos e garantias jurídicas de que, se fossem eleitos os candidatos teriam que ser eles mesmos a vir representar o povo por dever e direito adquirido nas urnas, com a obrigação de reunir periodicamente com a população do seu ciclo eleitoral, mantendo o povo informado sobre a situação do país.

Compatriotas!

Quando todos os partidos e candidatos independentes da sociedade civil facilitarem informações e respeitarem escrupulosamente cada vencedor como legitimo Representante Nacional por mérito, poderemos então regozijar a chegada da mudança genuína para o País e o rosto da Assembleia Nacional. Poderemos então dizer que “o povo de STP manda nas urnas”, pois ele está informado e agora já “vota com cara aberta”. Em suma, a voz do eleitor é prioridade.

Não se pretende que a Assembleia seja uma casa de santos, nem de pessoas perfeitas, mas todos devemos dedicar o nosso melhor, para que ela seja uma casa onde gente de boa reputação ilibada se torna requisito fundamental.

*Diáspora Santomense, Estados Unidos de América


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