Dennis
de Oliveira – Revista Fórum, novembro 19, 2013
O
Dia da Consciência Negra sempre me faz lembrar um grande ativista e intelectual
e que foi uma das minhas principais referências da luta contra o racismo que
foi o jornalista Hamilton Cardoso (1953-1999). Conheci-o por conta do meu
início de militância no movimento negro, estava ajudando a construir uma
entidade do movimento negro junto com outros ativistas. O tempo de convivência
foi curto devido a sua morte prematura, mas foi proveitoso em termos de
aprendizado. Uma das frases que até hoje me lembro do Hamilton era que o
movimento negro precisaria construir uma estratégia de articular todos os
espaços em que os negros estivessem juntos, não apenas os espaços políticos.
Hamilton ia até mesmo nos concursos de Miss Afro que alguns clubes negros
organizavam nos anos 1970 e 1980, eventos que vários militantes desprezavam por
considerá-los despolitizados.
O
racismo no Brasil hoje cada vez mais mostra a sua face: trata-se de um
genocídio em variadas manifestações. Por que genocídio? A palavra genocídio vem
do grego “genos” que significa raça, nacionalidade, tribo e da raiz latina
“Cida” que significa matar. Portanto, genocídio é um processo sistemático de
extermínio de pessoas com motivação étnica, racial, nacionalidade.
Como
o racismo se manifesta no Brasil atualmente?
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Três em cada cinco jovens assassinados no país são negros;
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Os salários dos trabalhadores negros são, em média, 36,1% inferiores ao dos
trabalhadores brancos;
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Os autos de resistência têm sido um instrumento institucional utilizado para
que as forças policiais justifiquem assassinatos cometidos nas suas incursões
em bairros periféricos e a grande maioria das vítimas é negra;
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Os grupos culturais de jovens negros têm sido sistematicamente reprimidos nas
suas manifestações nos bairros periféricos. Os bairros da cidade do Rio de
Janeiro ocupados pelas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) tem sido um
exemplo deste motivo. Ações culturais negras são criminalizadas.
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Os espaços e sacerdotes das tradições de matriz africana são atacados,
impunemente, por pessoas de outras religiões de matriz cristã. Casas de
candomblé são invadidas, adeptos das tradições são perseguidos. Conteúdos de
História da África e de Cultura Afrobrasileira, previstas na lei 10639/03
referentes as tradições encontram dificuldades de serem implementados por conta
da intolerância religiosa de profissionais e gestores da educação.
-
O racismo institucional impede que medidas legais já vigentes sejam
implementadas por conta do preconceito dos agentes responsáveis pela sua
aplicação.
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Intervenções no espaço urbano têm sido realizadas de forma a desrespeitar os
direitos dos moradores de periferia, expulsando-os para lugares mais distantes
num processo de faxina étnica.
Na
última Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a
presidenta da República reconheceu, no discurso de abertura, a existência do
genocídio. Entretanto, os dados mostram um corte orçamentário significativo nos
programas de combate ao racismo, a começar pelos órgãos responsáveis como a
Seppir (corte de 25%) e a Fundação Palmares. Com isto, programas como o Juventude
Viva têm dificuldade de sair do papel. A implementação da lei 10639/03
fica na dependência do voluntarismo de educadores negros e comprometidos com a
luta anti-racista.
Motivo
de tudo isto? O professor Clóvis Moura, que foi para o Orùn há 10 anos, dizia
que o Estado brasileiro tem o DNA racista porque foi estruturado para garantir
os privilégios de uma elite cuja riqueza e poder é acumulada com base no
racismo. É uma elite herdeira dos escravocratas. A superação do racismo passa,
segundo Moura, pela radical democratização das estruturas sociais do país. É
uma luta política, portanto, e que deve ser desenvolvida para além dos espaços
institucionais cujos limites são nítidos. Infelizmente, parcela significativa
do movimento negro organizado optou em priorizar a ocupação de espaços
institucionais como forma de manutenção estrutural e financeira das suas
organizações e até mesmo pessoal. E, por esta razão, tem dificuldade de dar
resposta ao agravamento da violência racial por conta dos limites dos espaços
institucionais.
A
luta contra o racismo tem um caráter de ativismo constante. É uma luta que se
desenvolve no trabalho, na escola, nos espaços de manifestação das tradições
africanas, nos grupos culturais, nos bairros, na universidade. É uma luta pelo
direito de ser afrodescendente brasileiro, portador de uma tradição, com
direito a uma vida digna e um futuro promissor. Somos todos ativistas
anti-racistas.
Assim,
o que se observa é o espraiamento da ideologia e do ativismo anti-racista para
além destes espaços tradicionais. Não se trata da negação ou rejeição destes,
ou mesmo de considerar a importância da ocupação dos espaços. É de grande
importância e até de caráter histórico, representantes do Poder Público
reconhecerem oficialmente a existência do racismo e até adotar medidas para
combatê-lo. Mas como o próprio Clóvis Moura demonstrou que quando a luta saiu
dos quilombos e foi para os gabintes, a abolição da escravidão ficou inacabada.
O mesmo erro pode se repetir com esta institucionalização. O lado bom é que
cresce o número de ativistas anti-racistas que estão criando novos espaços de
ação política negra. Hamilton Cardoso falava: é preciso articular todos os
espaços, é preciso que se trace uma estratégia política para isso e não apenas
para ter empregos nos gabinetes públicos.
Na
foto: Hamilton Cardoso, jornalista e liderança do movimento negro, morto em 1999
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