Diogo
Vaz Pinto - jornal i
A
dois dias da votação, a campanha atinge o clímax e os jornais britânicos
declaram guerra aos independentistas
A
calculadora foi afastada para um canto da mesa onde têm sido equacionados os
dois cenários possíveis do referendo sobre a independência escocesa que, pelo
menos até quinta-feira, irá dominar a atenção do mundo inteiro. Já não se trata
de listar prós e contras calculando o que, com as costas escocesas viradas a
uma união de mais de três séculos, terá de mudar a nível de impostos ou o que o
país terá a beneficiar retendo a totalidade das suas receitas petrolíferas do
Mar do Norte. Nos últimos dias, o debate centrou-se decisivamente em questões
de identidade e poder. Um súbito fervor dos escoceses face a uma oportunidade
histórica de assumirem as rédeas dos seus destinos, levou a campanha
indepentista a um ameaçador sprint final aproximando-se do "Não" nas
sondagens. Ao ponto das apostas sobre a vitória não passarem hoje de simples
palpites. O "Sim" continua atrás, mas houve pelo menos uma consulta
em que a maioria dos inquiridos garantiu que ia ignorar os avisos de catástrofe
e exigir o divórcio.
O
primeiro-ministro britânico, David Cameron, que há uns anos deu o aval ao
chamado Acordo de Edimburgo sem sonhar então os trabalhos em que se estava a
meter, regressa pela segunda vez no espaço de uma semana à Escócia para lutar
até à última pelo futuro do Reino Unido. O primeiro-ministro escocês e líder da
campanha pró-independência, Alex Salmond, insistiu que a nação se encontrava
perante uma oportunidade que surge "uma vez a cada geração, quem sabe
apenas uma vez na vida" e mostrou-se confiante numa vitória por uma
"maioria substancial". Já o líder da campanha pelo "Não" e
antigo ministro britânico das Finanças, Alistair Darling, lembrou que "não
há volta a dar" se o país votar pela independência e garantiu que, para
começar, há cerca de um milhão de postos de trabalho que estão dependentes da
permanência da Escócia no Reino Unido.
"Por
esta altura não fazemos ideia de como havemos de evitar a perda de empregos,
com várias empresas a afirmarem que irão deslocar as suas sedes para fora da
Escócia - o que seria um desastre para o país", disse Darling.
"Também não fazemos ideia de como vamos compensar o financiamento
adicional que recebemos para a garantia do Serviço Nacional de Saúde. E não
sabemos quem é que vai pagar as pensões."
À
medida que a vantagem do "Não" se esbatia, o referendo começou a
gerar nervosismo nos mercados financeiros, com os analistas a preverem
inclusivamente que a libra poderia ser fortemente desvalorizada caso o
"Sim" vença, foram mobilizados fortes argumentos de ordem económica
para dissuadir os ânimos nacionalistas que se alevantaram. O diário
"Sunday Telegraph" citou uma sondagem a 100 presidentes de empresas
britânicas, com 80% deles a afirmarem que aquele cenário teria "um
significativo efeito económico negativo" no Reino Unido e dando crédito
aos avisos de que a economia escocesa poderia sofrer uma contracção económica
de até 5% do seu PIB, perdendo muitos senão mesmo todos os seus bancos para
Londres, além da libra. As receitas do petróleo deveriam também ver-se
diminuídas, enquanto os preços nos supermercados iriam subir e a factura dos
telemóveis também reflectiria o suposto passo em falso dos escoceses.
Bastaria
seguir os editorais da maioria dos jornais com sede em Londres este
fim-de-semana para se radiografar uma campanha que atinge o seu clímax num
ambiente de quase histeria. Não há já margem para contemplações. Desde os
títulos, a mensagem era bastante directa: "Vote Não". A guerra aos
independentistas foi declarada, com os jornais de domingo a cederem páginas e
páginas não só a notícias como aos artigos de opinião. O "Sunday
Times" cobriu oito páginas debaixo da advertência: "A Batalha pela
Grã-Bretanha", com a bandeira da união em fundo.
Que
dizem então os analistas que irá acontecer no caso da Escócia abrir caminho à
mutilação da Grande Ilha? Para começar, as grandes companhias e bancos -
orientadas exclusivamente pelas suas perspectivas de lucro - têm já bem
definidos os planos de fuga. Estas entidades vão do gigante japonês Nomura ao
Royal Bank of Scotland, que tomaram medidas para se protegerem dos efeitos de
uma vitória do "Sim" e estão de malas feitas se for necessário mudar
de escritórios de um momento para o outro, além de preventivamente terem dado
início a uma transferência substancial de fundos de Edimburgo para Londres.
Com
as últimas sondagens a reforçarem a tendência para o nervosismo dos mercados, a
libra tem vindo a cair e quase 1,24 mil milhões (cerca de 1,55 mil milhões de
euros) foram retirados dos fundos de acções britânicas. Naturalmente, isto é
apenas um aperitivo e é relativamente insignificante comparado com as
consequências do caos que irá abalar os mercados se o "Sim" se
impuser.
O
executivo britânico tem negado a possibilidade da Escócia segurar a libra
enquanto parte de uma união monetária, mas Salmond garante que esta não passa
de outra ameaça da campanha que irá desvanecer-se face à nova realidade que o
"Sim" virá desenhar. O primeiro-ministro escocês garante que se a
união monetária for negada à Escócia, esta não irá assumir a sua parte na
dívida do Reino Unido. O resultado seria uma subida da dívida para 85% do
rendimento nacional britânico, o que, segundo os analistas, representaria
dificuldades sérias no esforço do Reino Unido para recuperar a avaliação AAA do
seu crédito. Em contrapartida, a Escócia independente teria a vida dificultada
quando quisesse pedir dinheiro emprestado aos mercados.
Com
o debate cada vez mais polarizado, as duas campanhas vão nestes últimos dois
dias concentrar os seus esforços nos indecisos. Entretanto, Joseph Stiglitz
veio reequilibrar a balança quanto aos argumentos económicos ao rebater a
opinião do colega também galardoado com o Nobel da economia, Paul Krugman, que
recentemente advertiu que a Escócia irá enfrentar "enormes riscos" se
decidir caminhar a sós no futuro, garantindo que os escoceses devem encarar
"com muito medo" a eventual vitória do "Sim". Stiglitz
defendeu que mesmo que o "Sim" comporte alguns riscos, o risco da
Escócia permanecer ligada ao Reino Unido e deste abandonar a União Europeia é
ainda "mais significativo".
Num
artigo que publicou no "Sunday Herald" e no "Scotsman",
Stiglitz encorajou os escoceses a preocuparem-se acima de tudo com "a
visão e os valores" que querem promover na hora de irem votar.
"Krugman, por exemplo, prefere notar que há que ter em conta as diferenças
de escala das economias: uma pequena economia, segundo parece sugerir, não tem
grandes hipóteses. Mas uma Escócia independente ainda estará integrada na
Europa, e o grande sucesso da UE está na criação de uma grande zona económica",
sublinha. Mas Stiglitz lembra ainda que "por uma razão de magnitude, bem
mais importante do que o tamanho é a busca das políticas correctas".
Não
sendo possível prever o desfecho do referendo, é importante notar como as
sondagens parecem indicar o quanto os escoceses estão dispostos a arriscar para
desferir um rude golpe na poderosa união que é descrita pelos seus defensores
como "uma das mais bem-sucedidas da história". A Grã-Bretanha pode
estar na iminência de perder um terço do território e um décimo da população, e
isto quando os séculos de guerras e rivalidades entre Londres e Edimburgo nem
sequer foram chamados para firmar a divisão no debate.
Alex
Salmond concebeu uma estratégia melhor. A campanha preferiu nutrir--se do
descontentamento e desconfiança dos escoceses face à elite que, na distante
Westminster, os governa. As políticas de austeridade impostas por Cameron
ajudaram a aprofundar estes sentimentos. No fundo, e o que foi destacado por
publicações como a "Economist" - que assumiu um apoio claro ao
"Não" -, o sucesso da campanha do "Sim" passou por
convencer os escoceses de que em Londres não há alternativa que alguma vez
possa servir os interesses escoceses.
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