terça-feira, 14 de outubro de 2014

Portugal: ELES MENTEM. UMA E OUTRA BES



Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Nós já nem estranhamos. Que nos mintam, que nos façam passar por tolos, que nos colem uma etiqueta na testa a dizer "idiota". Achamos normal. Encolhemos os ombros. "São todos iguais".

Podem dizer tudo e o inverso, podem pulverizar os pés com rajadas de tiros autoinfligidos. Podem, até, construir piadas com aqueles cujas vidas estão a extorquir que nós vamos continuar a achar normal. Abrutalhados eles, abrutalhados nós. Entorpecidos. Já não importa. Mas é importante.O presidente da República, o primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o governador do Banco de Portugal juraram a pés juntos que o resgate do BES e a decorrente criação do Novo Banco não iriam custar um centavo aos contribuintes. Confesso que os escutei com aquela abertura de espírito típica da vítima que afaga o carrasco quando este lhe injeta uma substância letal nas veias e lhe sopra ao ouvido: "É para teu bem".

Mas não foi, como, aliás, se tornou óbvio desde o início. Ou alguém acreditava que a Banca privada, de repente, ganhara uma consciência cívica? E que ia comprometer-se de braços abertos com um esforço financeiro de largas centenas de milhões de euros num fundo de resolução apenas para salvar a pele de um banco que se estatelou com estrondo depois de uma queda vertiginosa? Pior: alguém acreditava, honestamente, que envolver nesta jogada de alto risco a Caixa Geral de Depósitos, um banco público, e por sinal dos maiores financiadores do tal fundo, não iria ter o fim que se adivinhava?

É bom recordar o que foi feito: para começar a funcionar, o Novo Banco recebeu, à cabeça, 4, 9 mil milhões de euros, que deveriam ter sido suportados pelo tal fundo de resolução da Banca. Acontece que esse fundo não tinha, em agosto, o montante necessário. Teve, por isso, de ser o Estado a adiantar o grosso do dinheiro, através de um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros. Tudo seria perfeito se o Novo Banco, cada vez menos a lagarta viscosa que se transforma numa colorida e esvoaçante borboleta, fosse vendido pelo mesmo valor "investido", ou seja, os 4,9 mil milhões de euros.

Mas como estamos a falar do BES, a palavra perfeição apenas se aplica na perspetiva do lucro pessoal dos que o afundaram. E, por isso, com a galopante descapitalização do Banco bom, por via de uma constante degradação da imagem pública e quebra de confiança dos clientes, o mais certo é que esta novel entidade seja despachada por um valor bem menor do que o esperado, tornando, assim, ainda mais suicida o esforço de solidariedade da Caixa Geral de Depósitos. Só nos faltava agora essa: que o BES, depois da PT, também afundasse o banco público.

Não questiono a solução técnica encontrada, aliás respaldada nas melhores práticas europeias. Seria, porventura, pior efetuar uma recapitalização estatal pura, com dinheiro dos contribuintes. O que me inquieta verdadeiramente nesta história é a desfaçatez com que nos mentiram. Sabiam que havia riscos, mas mesmo assim preferiram contar ao país apenas a parte da história em que o caçador mata o lobo mau. Esquecendo-se de que, antes disso, o bicho já tinha engolido a avozinha e o Capuchinho Vermelho.

Sem comentários:

Mais lidas da semana