Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Nós
já nem estranhamos. Que nos mintam, que nos façam passar por tolos, que nos
colem uma etiqueta na testa a dizer "idiota". Achamos normal.
Encolhemos os ombros. "São todos iguais".
Podem
dizer tudo e o inverso, podem pulverizar os pés com rajadas de tiros
autoinfligidos. Podem, até, construir piadas com aqueles cujas vidas estão a
extorquir que nós vamos continuar a achar normal. Abrutalhados eles,
abrutalhados nós. Entorpecidos. Já não importa. Mas é importante.O presidente
da República, o primeiro-ministro, a ministra das Finanças e o governador do
Banco de Portugal juraram a pés juntos que o resgate do BES e a decorrente
criação do Novo Banco não iriam custar um centavo aos contribuintes. Confesso
que os escutei com aquela abertura de espírito típica da vítima que afaga o
carrasco quando este lhe injeta uma substância letal nas veias e lhe sopra ao
ouvido: "É para teu bem".
Mas
não foi, como, aliás, se tornou óbvio desde o início. Ou alguém acreditava que
a Banca privada, de repente, ganhara uma consciência cívica? E que ia
comprometer-se de braços abertos com um esforço financeiro de largas centenas
de milhões de euros num fundo de resolução apenas para salvar a pele de um
banco que se estatelou com estrondo depois de uma queda vertiginosa? Pior:
alguém acreditava, honestamente, que envolver nesta jogada de alto risco a
Caixa Geral de Depósitos, um banco público, e por sinal dos maiores
financiadores do tal fundo, não iria ter o fim que se adivinhava?
É
bom recordar o que foi feito: para começar a funcionar, o Novo Banco recebeu, à
cabeça, 4, 9 mil milhões de euros, que deveriam ter sido suportados pelo tal
fundo de resolução da Banca. Acontece que esse fundo não tinha, em agosto, o montante
necessário. Teve, por isso, de ser o Estado a adiantar o grosso do dinheiro,
através de um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros. Tudo seria perfeito se o
Novo Banco, cada vez menos a lagarta viscosa que se transforma numa colorida e
esvoaçante borboleta, fosse vendido pelo mesmo valor "investido", ou
seja, os 4,9 mil milhões de euros.
Mas
como estamos a falar do BES, a palavra perfeição apenas se aplica na perspetiva
do lucro pessoal dos que o afundaram. E, por isso, com a galopante
descapitalização do Banco bom, por via de uma constante degradação da imagem
pública e quebra de confiança dos clientes, o mais certo é que esta novel
entidade seja despachada por um valor bem menor do que o esperado, tornando,
assim, ainda mais suicida o esforço de solidariedade da Caixa Geral de
Depósitos. Só nos faltava agora essa: que o BES, depois da PT, também afundasse
o banco público.
Não
questiono a solução técnica encontrada, aliás respaldada nas melhores práticas
europeias. Seria, porventura, pior efetuar uma recapitalização estatal pura,
com dinheiro dos contribuintes. O que me inquieta verdadeiramente nesta
história é a desfaçatez com que nos mentiram. Sabiam que havia riscos, mas
mesmo assim preferiram contar ao país apenas a parte da história em que o caçador
mata o lobo mau. Esquecendo-se de que, antes disso, o bicho já tinha engolido a
avozinha e o Capuchinho Vermelho.
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