sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Angola. OGE FEITO À MEDIDA E POR MEDIDA



REGIME BRINCA COM COISAS SÉRIAS E TRANSFORMA ASSEMBLEIA NACIONAL EM TEATRO

O Orçamento Geral do Estado, na versão rectificada, é só por si uma brilhante peça, dir-se-ia que é mesmo uma obra-prima, do anedotário internacional. Mas como é para matumbos, siga a farra que o bordel precisa de bobos que animem a corte.

Oswaldo Calonda e Kuiba Afonso - Folha 8 (ao) Digital - 28 fevereiro 2015
  
A bancada maioritária do MPLA, como era de esperar, no cumpri­mento das orientações expressas e expressivas do Titular do Poder Executivo, José Eduardo dos Santos e, na prática, o verdadeiro Presidente da Assem­bleia Nacional, cumpriu a rigor o previsto e sem pestanejar aprovou, na generalidade, o rectifica­do Orçamento Geral do Estado, fundamentado na crise da baixa do preço do petróleo, no mercado internacional.

Este acto, para desgraça colectiva não tem ne­nhum significado, nem relevância, para a melho­ria da vida da maioria dos angolanos, pelo contrário, uma vez ser mero rega­bofe, porquanto, diferen­temente, do normal em qualquer parlamento de­mocrático, a Assembleia Nacional de Angola é in­competente para fiscali­zar os actos do Executivo.

Se assim é, que interesse tem este exercício, senão o de se assemelhar a um “teatro de fantoches”, que aprova algo relevante, mas que não pode fiscali­zar, nem questionar, pelo facto de uma engenharia “gabinetal constitucio­nal de cariz partidocra­ta”, com a chancela do Tribunal Constitucional colocar o Presidente da República como órgão de soberania, quando nunca foi nominalmente eleito, pelo povo soberano e o sistema de governo a luz da actual constituição ser parlamentar, pois os elei­tores elegem a lista dos partidos políticos ou co­ligação de partidos, que têm um cabeça de lista...

Mas essa é a postura do MPLA e, com este parti­do, toda batota ou inter­pretação fraudulenta da norma, parece valer a jus­tificação dos meios, para atingir os fins.

Desta forma o OGE retifi­cado, prevê, para as des­pesas com os “serviços públicos gerais”, na visão dos peritos do regime, uma reserva de 15,32% do orçamento, sendo que para os “órgãos exe­cutivos” estão previstos 11,02% e para os “órgãos legislativos” a colossal ci­fra de 0,38%. No caso dos “serviços gerais da admi­nistração pública não es­pecificados”, a percenta­gem é de 0,81%, a quarta maior fatia desta rubrica.

A “defesa militar” conta com 7,79%, acima da “se­gurança e ordem pública” para que estão reservados 7,59% do OGE. Anote-se, contudo, que só os “servi­ços de segurança e ordem pública não especificados” contam ainda com uma percentagem de 7,11%.

Em matéria dita de “educa­ção”, o OGE prevê 8,59% e 1,18% para o “ensino supe­rior”. O “ensino primário” é o principal privilegiado com 5,79%, estando pre­visto para o “ensino pré­-escolar” a enorme per­centagem de 0,02%.

Quanto à “saúde”, sector onde o país não enfrenta – na versão do governo – problemas especiais, o or­çamento aponta despesas de 4,95%. A prova de que tudo está bem nesta maté­ria é que aos “serviços de saúde ambulatórios” toca 0,03%.

Relativamente à “protec­ção social”, o OGE prevê despesas de 12,97%, caben­do a maior fatia (7,12%) aos ditos “serviços de protec­ção social não especifica­dos”.

De acordo com o OGE, a “habitação e serviços co­munitários” conta com 4,67%, cabendo ao “desen­volvimento comunitário” a importante percentagem de… 0,01% e de 0,06% ao “saneamento básico”.

Para a rubrica de “recrea­ção, cultura e religião” o Executiva aponta 0,84%, cabendo a fatia de leão aos “serviços de difusão e pu­blicação” com 0,39%.

Mostrando uma rara va­lentia, os peritos do regime apostam forte (à sua medi­da, é claro) nos “assuntos económicos”, com 10,72%. Revela-se, aliás e de forma clara, a decisão paradig­mática feita na agricultura, sector para o qual o OGE prevê nada mais nada me­nos do que… 0,45%.

E na previsão do “boom” da agricultura, o Gover­no atribui ao sector dos “transportes” 1,26%.

Na mesma linha, a rubri­ca dos “combustíveis e energia” terá à sua dis­posição 3,07%.

Os “assuntos económi­cos gerais, comerciais e laborais” são dotados com 4,94%, sendo 4,79% para os “assuntos eco­nómicos e comerciais em geral”, 0,05% para os “assuntos laborais em geral” e 0,10% para o “tu­rismo”.

Outra grande e decisiva aposta do Governo é nas “comunicações e tecno­logias da informação”, sector para o qual o OGE aponta 0,30% das despe­sas. Igualmente relevante é a “protecção ambiental” que conta com 0,49%, ten­do – a título de exemplo – a rubrica “gestão de águas residuais” orçamentada despesas de 0,01%.

Por último, o OGE prevê para as “operações da dívi­da pública interna” 12,70% e 13,23% para as “operações da dívida pública Externa”.

O OGE, revisto devido à quebra da cotação do petróleo no mercado in­ternacional, implicará um corte de um terço nas des­pesas totais. O documento define que a previsão da cotação do barril de crude para exportação, necessá­ria para a estimativa das receitas fiscais, desce de 81 para 40 dólares. Esta revi­são fará reduzir o peso do petróleo nas receitas fis­cais angolanas de 70% em 2014 para 36,5% este ano.

Em resultado da quebra do preço do petróleo, as difi­culdades sentem-se, designadamente, no envio de divisas em moeda estran­geira para fora de Angola, num contexto de acentua­da diminuição das receitas fiscais e da escassez de di­visas estrangeiras, nomea­damente dólares.

A proposta fixa um défice orçamental de 7% do Pro­duto Interno Bruto (PIB), face aos 7,6% do documen­to que entrou em vigor a 01 de Janeiro. O “buraco” nas contas públicas angolanas de 2015 está agora avaliado em 806,5 mil milhões de kwanzas (6,7 mil milhões de euros). O limite da re­ceita e da despesa do OGE desce de 7,251 biliões de kwanzas (60,7 mil milhões de euros) para 5,454 biliões de kwanzas (45,6 mil mi­lhões de euros), na versão revista (corte de 25% nas despesas correntes).

A previsão da taxa de cres­cimento do PIB angolano é reduzida de 9,7 para 6,6%, enquanto a inflação esti­mada sobe de 7 para 9%.

A bancada parlamentar da CASA-CE, a segunda força da oposição, diz-se excluí­da de participar no debate, por ter sido convocado para um período que coin­cide com as suas jornadas parlamentares.

Já a UNITA acusou o Governo, liderado pelo MPLA, de “não aprender a lição” da crise petrolífe­ra de 2009 e que a revisão que agora chega ao parla­mento confirma as críticas de “falta de realismo” que o partido lançou aquando da discussão do Orçamen­to ainda em vigor.

A suposta discussão do novo OGE tinha a apro­vação garantida à partida, desde logo porque o presi­dente do MPLA é também, para além de Presidente da República, Titular do Poder Executivo e, bem vistas as coisas, Presidente da Assembleia Nacional, já que esta não tem sequer capacidade de fiscalizar os actos do executivo, por o seu titular se chamar, nada mais nada menos que o ci­dadão super especial, José Eduardo dos Santos.

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