quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

China, Macau. JOVENS ESTÃO CADA VEZ MAIS ORGANIZADOS E ATIVOS POLÍTICAMENTE



Filipa Araújo - Hoje Macau

EU QUERO – E POSSO – FALAR

Parece que os jovens começam a acordar para a vida política de Macau e todas as suas questões inerentes. Deputados, políticos, docentes, académicos e activistas mostram-se contentes com esta postura activa, mas defendem que apesar do maior interesse há ainda um grande caminho a percorrer

Os jovens querem saber mais sobre a política e querem ter um papel activo e uma voz audível. É o que defendem agentes activos entrevistados pelo HM. Éric Sautedé, ex-docente da Universidade de Macau, explica que “ao contrário do que a maioria da sociedade de Macau pensa, os jovens do território interessam-se efectivamente pela sua política”. Para o académico, pensar que eles não querem saber é um erro. “Não é verdade, eles querem e isso nota-se.” 

Para o ex-docente de Ciência Política seria impensável não acreditar que os jovens querem saber, e principalmente fazer, mais política, tornando-se parte integrante da sociedade. 

“Tendo eu dado aulas de Ciência Política só poderia acreditar que os meus alunos têm interesse e querem participar na vida política. Não poderia acreditar noutra coisa”, argumenta. 

Também o docente Ky Leung, do Instituto Politécnico de Macau, defende que “os jovens de Macau estão muito mais interessados na política da sua cidade”. O professor diz-se um fiel acompanhante do interesse pelos jovens e aponta que, “apesar de ainda [haver] alguma timidez, os jovens já vão dando as suas opiniões”, principalmente através da internet, nas redes sociais. Ky considera que “há uma clara mudança no comportamento da nova gerações” quando comparadas com as passadas, principalmente depois da transferência da soberania para a China. 

Prova disso podem ser as inúmeras associações políticas criadas por jovens. E os próprios intervenientes.

Jason Chao, um jovem activista bastante presente nos últimos momentos mais conhecidos de actividade política de Macau, é um deles e admite que “existe cada vez um maior número de jovens interessados a política”. Também Isaac Tong, membro da Tri-Decade Union, reforça esta tendência. Para o representante há “de facto cada vez mais jovens atentos”, algo indiscutível. “Macau sempre foi visto como uma região com política para velhos e feita por eles, mas agora isto já não corresponde à verdade”, argumenta. 

Da mesma opinião é Rita Santos, presidente da Comissão de Juventude criada pela Associação de Trabalhadores da Função Pública de Macau, que argumenta que “no tempo da soberania portuguesa as pessoas não se sentiam muito à vontade para dar opiniões”. Algo que, agora, mudou. 

“Agora é muito diferente, noto que toda a sociedade está muito mais atenta, sejam jovens ou não, reclamam e querem saber o que se passa em Macau”, conta. 

Cecilia Ho, académica e também responsável do Grupo de Cidadãos pela Violência Doméstica como Crime Público, afirmou ao HM que “os jovens estão cada vez mais críticos politicamente e preparados para erguer as suas vozes e lutar pelas injustiças”, especialmente quando essas injustiças estão “directamente relacionadas com os seus próprios interesses”. 

A também docente aponta que a sociedade, de forma geral, está habituada a que os jovens estejam focados apenas nas suas questões como estudantes e a pensar no seu futuro depois de terminarem os seus cursos. Contudo, diz, o que uma outra parte da sociedade consegue ver – e defende – é que “esta nova geração e as seguintes vão enfrentar várias dificuldades e desafios para conseguir ter uma vida decente e respeitosa vida em Macau”, ressalva, referindo-se às altas rendas praticadas, à inflação e aos salários pouco competitivos. “Tudo aquilo que de facto está relacionado com política”, afirma.

Cecília Ho acredita que os jovens vão conquistar um lugar a longo prazo, mas que para já, a sua voz “não está representada nas decisões políticas do Governo”. 

CRESCER MAIS

Representando a Associação Nova Juventude Dinâmica, Lei Kuok Keong, assinala que “apesar de alguma indiferença existente nos jovens”, a tendência dos últimos anos é de um ‘acordar’ para o meio político de Macau.

Apesar disso, e como afirma Cecilia Ho, mesmo com os novos movimentos, Macau continua longe do que se pretende. “Os jovens de Macau são demasiado passivos relativamente aos assuntos políticos, e eu vejo isso até pelos meus alunos da área de Assistência Social”, defende a docente, sublinhando que “os estudantes de hoje em dia são educados para não se preocuparem com os assuntos sociais e políticos”.

Jason Chao concorda. O activista considera também que “o movimento político de Macau, quando comparado com Hong Kong fica muito aquém do que se pretende”.

Para Chao, os jovens da região vizinha estão muito “mais acordados” para as questões políticas, tendo por isso uma maior disposição para organizar e fazer acontecer.

A RAIZ DA QUESTÃO

As razões para o crescimento desta postura mais activa no mundo da política são variadas, dependendo da perspectiva de cada entrevistado. Defende a académica que a aposta no estímulo dos jovens para o mundo político deve começar na própria escola.

“Em nenhum ano escolar é oferecido, no seu plano curricular, a disciplina de Educação Cívica. Os estudantes são desencorajados a participar em eventos políticos. O Governo age passivamente e de forma intencional para a não presença dos jovens nas actividades políticas. Os jovens são disciplinados a não se envolverem em questões sociais e políticas e aqueles que lutam e participam são vistos como os ‘problemáticos’”, argumenta Cecilia Ho, rematando que tudo esta passividade, mantendo-se, trará problemas sérios ao futuro de Macau. 

Da mesma opinião é Rita Santos, que defende que, na altura da soberania portuguesa, “a escola era muito mais estimulante para os alunos”, ao passo que, tal como a representante considera, o ensino chinês “limita os estudantes”.

“No meu tempo o professor pedia-nos para debater temas, de forma livre. Tínhamos discussões sobre vários assuntos. Isso fazia com que houvesse estímulo ao pensamento, que os meus colegas e eu nos questionássemos. Não foi em vão que desde pequena me envolvi na vida política e nas questões sociais. Fazia perguntas, queria saber. Agora, com o ensino chinês, o método mais usado é o de decorar, os jovens – e eu vejo isso nos grupos de trabalho da associação – não têm bases, falta-lhes o espírito de pergunta”, defende. 

As dificuldades enfrentadas no dia a dia são, defende Rita Santos, uma forma de levar os jovens ao mundo político.

“Esta geração devido às facilidades recebidas numa economia como a de Macau, muito devido à indústria do Jogo, não percebe que há outras realidades. As facilidades camuflaram os problemas e afastaram esta geração das questões sociais. Agora com os problemas de espaço, de tráfego, de habitação, de trabalho, os jovens começam a perguntar-se: então como resolvo isto? E é então aqui que começam a despertar”, remata.

Os mesmos motivos apresenta Lei Kuok Keong como prancha de lançamento para a nova postura da camada mais nova. “A habitação, os transportes e a inflação impulsionaram este maior interesse, porque mexeu directamente com a confiança dos jovens no seu próprio futuro”, argumenta.  

Tal como Cecília Ho e Rita Santos, também Éric Sautedé considera que o interesse está portanto directamente relacionado com a formação e o ambiente escolar. Ainda assim, o académico considera que as coisas estão melhores do que antes.

“Esta tendência [de maior interesse por parte dos jovens] está a crescer e vai crescendo cada vez mais especialmente devido à educação que os jovens estão a receber, principalmente das universidades”, começa por argumentar, adiantando que devido a este conhecimento adquirido pelo ambiente escolar e curricular, os jovens começam a perceber, e muitas vezes a descobrir, que é “importante para eles serem cidadãos responsáveis”.
Para o académico numa sociedade com uma economia tão focada para os negócios, e claro para o mundo do Jogo, não tem muito “para oferecer em termos de significado para a vida”.

“As pessoas, neste caso os jovens, comecem a ganhar vontade e estímulo para se tornarem activos com o objectivo de fazer a diferença noutras áreas”, daí também o maior interesse na participação. 

Éric Sautedé não tem dúvidas “fazer parte da política traz um outro significado à vida dos jovens”, sendo que saber o que se passa na sua própria sociedade pode ser algo muito benéfico para esta nova geração mais atenta. 

Importante é referir que, todos os entrevistados afirmaram que a manifestação de Maio de 2014 contra o Regime de Garantias para os Titulares dos Principais Cargos – que reuniu entre cerca de 20 mil pessoas em frente às instalações da Assembleia Legislativa e originou outra manifestação de cerca de dez mil pessoas -, foi o momento mais visual deste acordar juvenil...

Informação

De braços abertos

Apesar de ainda existirem em baixo número, já são algumas as associações de jovens que começam a ganhar forma no cenário político de Macau. Exemplos disso são a Associação Novo Macau, que tem agora uma divisão entre os membros, mais jovens, e os deputados da AL, o Conselho da Juventude da Federação das Associações dos Operários de Macau (FAOM), a Tri-Decade Union, a Nova Juventude Chinesa e a Nova Juventude Dinâmica, entre outras. Issac Tong, da Tri-Decade Union, explica que se “tem sentido uma abertura com os novos Secretários, do actual Governo”. Sem descurar da importância dos jovens na política, o activista afirma que o Governo deve, e tem tido, alguma “mente aberta”, ou seja, disposição para receber “ideias frescas e actuais dos jovens”. “Precisamos de olhar para outros países, aqueles que renovam e apostam nos jovens para participar na vida política, Macau precisa disso, desta participação”, defende, sublinhando acreditar “num bom cenário futuro”, relativamente aos jovens.

Da Nova Juventude Dinâmica, pela voz de Lei Kuok Keong, o sentimento é o mesmo. “Dá a sensação, pelo comportamento do novo Governo, que este está disposto a uma reforma, a uma participação de cada vez mais jovens, de ouvir as nossas opiniões”, conta, realçando que “não será, nem pode ser, uma reforma total porque há directrizes que devem ser respeitadas”.

Política online

Em sintonia na forma de divulgação e aposta para estimular os jovens para o mundo da política, estão os docentes Cecilia Ho e Ky Leung, que acreditam que a internet é a melhor forma para tal. “Já encontrei vários grupos  de jovens politicamente activos nas redes sociais. Ali os jovens mostram as suas opiniões, criam eventos, debatem temas. Tenho a certeza que esta é a forma do futuro”, afirma o académico do IPM. Para Cecilia Ho não há dúvida, as redes sociais são as forma mais rápida e eficaz para “espalhar a palavra sobre assuntos sociais” e também de “chamar a atenção para os jovens que tanto tempo passam na internet”. Apesar disso, defende a docente, uma reforma no sistema de educação é precisa, oferecendo a oportunidade aos jovens para participarem na vida social. “No que me diz respeito, irei sempre introduzir problemáticas sociais nas minhas aulas, irei encorajar os meus alunos a lerem publicações independentes, cultivando o seu espírito critico”, remata. A propagação de assuntos políticos através da internet é uma constante nas redes sociais em Macau, sendo que até a organização de protestos é feita, maioritariamente, através destas plataformas.

Para jovens, sobre jovens

Dividida em 20 departamentos, a Comissão de Juventude da ATFPM, criada em 2012, originou, recentemente, um Secretariado Permanente e vem mostrar assim a sua vontade de fazer mais por Macau. “Desde as últimas eleições para a Assembleia Legislativa que vários jovens começaram a vir ter connosco e a querer participar. Nós íamos ajudando, mas decidimos agora, para facilitar a organização e estruturar os vários grupos criar este Secretariado que tem a sua própria autonomia”, esclarece Rita Santos. Este é um passo, diz a presidente, que mostra a vontade dos jovens de Macau, “e não só”, fazerem mais e perceberem. Contudo, Rita Santos assume que os mesmos ainda não estão preparados para assumirem um lugar no cenário político local, devido à sua falta de preparação. “É preciso que eles percebam, conheçam a realidade do território, é preciso que eles aprendam a fazer perguntas, a interrogarem-se, a perceberem que a parte social está sempre ligada à parte política. Sem saber o porquê das coisas não conseguem ser agente activos da política”, esclarece. O primeiro encontro da Comissão de Juventude com Chui Sai On já está agendado para o dia de hoje, sendo que também o deputado José Pereira Coutinho marcará presença.

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