Inês
Cardoso – Jornal de Notícias, opinião
Se
um dia destes me chegar alguma carta incómoda sobre eventuais dívidas que me
tenha esquecido de pagar, está decidida a fórmula a usar em minha defesa:
"Estava convencida de que, na época, era opção" pagar ou não. Todos
os contribuintes a braços com penhoras, pagamentos dolorosos a prestações e
descontos quase tão altos como os rendimentos devem socorrer-se do inspirador
exemplo do primeiro-ministro.
De
pouco interessa se tudo está legalmente justificado no caso das dívidas de
Pedro Passos Coelho à Segurança Social - beneficiou, com mais 107 mil
contribuintes, de um "erro básico" dos serviços que impediu a
cobrança, acabando o processo por prescrever. Ouvir um primeiro-ministro
invocar desconhecimento de uma lei aprovada enquanto era deputado é tão absurdo
que desobriga da benevolência de ouvir as demais justificações. Se desconhecer
a lei justifica os incumprimentos, simples: quem quiser pisar o risco com
nível, apenas precisa de evitar escrupulosamente o "Diário da
República". E serviços públicos para esclarecer os cidadãos? Não é
preciso. Aguardemos que as cobranças coercivas (não) funcionem.
Percebo
o incómodo do primeiro--ministro com esta aborrecida manipulação de "dados
pessoais e sigilosos" divulgados "em ano eleitoral". Como
percebo, de resto, que de imediato tenham surgido nas redes sociais bocas sobre
outros incumprimentos no pagamento de impostos por parte de candidatos de
partidos da Oposição.
Temas
como evasão fiscal ou contributiva, quando estão em causa titulares de cargos
públicos, não são de todo tabus que possam ser remetidos para a esfera privada.
Demonstram o grau de rigor e respeito pela legalidade que podemos esperar deles
no desempenho de funções. Será muito pedir a quem nos governa que tenha a
decência de dar o exemplo e de mostrar, no seu percurso profissional, o mesmo
rigor que exige aos contribuintes?
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