No
período pós-independência em Moçambique "nunca houve formal e oficialmente
qualquer censura à imprensa", mas o governo da Frelimo "sempre"
ameaçou prender ou enviar jornalistas para campo de reeducação, diz à Lusa o
jornalista moçambicano Fernando Lima.
"O
regime (da Frelimo -- Frente de Libertação de Moçambique) tinha uma mão pesada.
Havia sempre ameaça de expulsão, prisão, de ser enviado para campo de
reeducação. Isso encorajou muito a autocensura, uma vez que nunca houve formal
e oficialmente qualquer censura à imprensa em Moçambique no período
pós-independência. Formalmente, não havia o lápis azul como houve no tempo
colonial", considera à Lusa Fernando Lima, que iniciou a carreira
jornalística em março de 1976 no Notícias, o diário de maior circulação no
país.
Antes
do 25 de junho de 1975, data da independência, a quase totalidade as redações
moçambicanas "foi assaltada, em maior ou menor grau", por militantes
da Frelimo, que vinham da clandestinidade e que tinham simpatia pela
independência de Moçambique e pelo partido que gere o país há 40 anos.
Essa
decisão de integrar as redações "não foi por ordem da Frelimo, foi por
espontânea iniciativa de todos esses militantes", assegura Fernando Lima,
em declarações à Lusa sobre a situação da liberdade de imprensa em Moçambique
nas últimas quatro décadas.
"Embora
houvesse um espaço liberal para as pessoas poderem escrever alguma coisa",
as redações admitiam "sobretudo pessoas que não fossem negras", o
que, desde então, fez com que o setor dos `media` moçambicanos se tornasse
"palco de luta muito interessantes", além de que os partidários
"não eram subservientes à Frelimo", acrescenta Lima.
"Portanto,
à altura da independência, a Frelimo enfrentou este dilema: tinha redações com
muita gente simpatizante da independência e do partido mas que não era seus
fiéis militantes, dispostos a acatar ordens e orientações. Não tinham este tipo
de disciplina, nem estavam dispostos a aceitar esta disciplina", sublinha
o presidente do conselho de administração da Cooperativa de Media (Mediacoop),
que detém o semanário Savana, o primeiro a ser criado no país.
Desde
então começaram as contradições nas redações que se mantiveram até 1991 quando,
finalmente, foi aprovada a primeira Lei de Imprensa em regime de
multipartidarismo, uma vez que a primeira Constituição multipartidária foi
autorizada em dezembro de 1990.
É
por via deste instrumento jurídico que Moçambique previu a liberdade de
imprensa como preceito constitucional e, hoje, a generalidade dos jornalistas
dá crédito ao então Presidente moçambicano Joaquim Chissano pela aprovação do
documento, embora tenha "resultado de luta dos jornalistas".
"Não
foi a Frelimoque ofereceu a liberdade de imprensa numa bandeja à sociedade
moçambicana e aos jornalistas", esclarece Fernando Lima, que hoje acusa o
mesmo governo da Frelimo de mover "pressões em geral sobre toda a
imprensa", pública e privada.
No
último relatório deste ano sobre o Índice de liberdade de imprensa, a
Repórteres Sem Fronteiras atribuiu a Moçambique a 85.ª posição na tabela World
Press Freedom, com 29,98%, enquanto, na mesma matéria, a Freedom House confere
o estatuto de país "parcialmente livre", com o valor de
"3,5" (numa escala de 1 a 7), média resultante de "4" nas
liberdades civis e "3" nos direitos políticos.
"Nos
últimos anos, temos assistido a um desrespeito flagrante por aquilo que é
consignado na Constituição e na Lei de Imprensa em relação à comunicação social
do setor público, ou seja, a Rádio e a Televisão de Moçambique, que por lei
deveriam ter uma postura independente, que não têm, são muito alinhados com o
partido Frelimo e com o governo do dia", afirma Fernando Lima.
Aliás,
"nos últimos 10 anos, houve alguma regressão no tocante às
liberdades", diz por seu turno Jeremias Langa, jornalista da Soico, o
maior grupo multimedia em Moçambique, criado há uma década.
"O
Presidente (Armando) Guebuza não estimulou muito as opiniões contrárias,
portanto, isso começou dentro do seu governo e partido e teve uma repercussão
óbvia dentro da comunicação social, incluindo a imprensa privada. Houve um
maior fechamento do partido Frelimo, que é a instituição de referência, porque
é ela que indigita o governo. É como se nós tivéssemos regressado para aquele
período a seguir a 1975 em que a Frelimo era partido Estado, ainda que não
houvesse uma proclamação disso como valor", considera Jeremias Langa.
A
suposta falta de liberdade nos órgãos públicos é reconhecida à Lusa pelo
presidente do Conselho Superior da Comunicação Social, Tomás Vieira Mário, que
atribuiu essa tentativa do controlo político sobre o setor público da imprensa
à "relação de alguma subordinação do nomeado por parte de quem
nomeou".
"Há,
obviamente, situações de apetências, ou tentativa de influência política do
setor público, nomeadamente da RM e TVM. Há tentativas, sim, do controlo
político destes órgãos. E esta tentativa também deriva da forma que são
constituídos os órgãos de gestão destas empresas, porque os gestores destas
empresas são por nomeação governamental. Logo, desde ai, cria-se uma relação de
alguma subordinação do nomeado por parte de quem nomeou", diz Tomás Vieira
Mário, para quem essa "é uma questão mais estrutural que vem do processo
de nomeação do gestor que não é transparente, nem livre da vontade do governo
do dia".
Contudo,
acrescenta, "em termos de quadro formal, estes órgãos têm estatutos
editoriais que garantem autonomia, independência. Mas há questões estruturais
que acabam minando aquilo que está garantido".
Lusa, em RTP
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