ANDREIA SANCHES - Público
Têm
sido contactados pela Lusófona para entregar diplomas. E mostram-se
surpreendidos. “Nunca me passou pela cabeça que as coisas não estivessem bem.”
Há quem já tenha arranjado um advogado.
São
de várias áreas e formações: há agentes das forças de segurança e militares,
técnicos de obras, engenheiros, funcionários públicos... O PÚBLICO falou com
alguns dos ex-alunos da Universidade Lusófona que têm sido surpreendidos com a
cassação dos seus diplomas ou certificados por irregularidades detectadas nos
processos de atribuição de créditos. O nome mais mediático — sobretudo pela sua
carreira artística — é Nuno da Câmara Pereira. Que, tal como muitos outros
detentores do antigo curso de regente agrícola — equivalente ao bacharelato —,
decidiu "há uns anos" completar estudos para ter a licenciatura em
Engenharia do Ambiente.
Outro
ex-aluno da Lusófona que aparece na lista dos que estão em situação idêntica é
João Salgueiro, presidente da Câmara de Porto de Mós (PS). Mas este garante não
ter recebido “qualquer creditação” da universidade, porque lá não se licenciou
— diz que concluiu apenas uma especialização em Ciências do Ambiente, “para a
qual não houve qualquer creditação curricular”.
André
Gomes, que foi durante dez anos comandante da Polícia Municipal em Lisboa, e
possui uma folha de serviços com várias condecorações e louvores das forças de
segurança, também recebeu recentemente uma carta da universidade a pedir-lhe
para entregar o diploma de Estudos de Segurança. “Nunca me passou pela cabeça
que as coisas não estivessem bem”, diz. Este subintendente da PSP garante que
para a sua carreira já não precisava da licenciatura, fê-lo, como outros que
conhece, “por carolice”.
Já
o advogado José Carlos Valério, que representa “mais de 10 ex-alunos” do curso
de Estudos de Segurança, a quem foi igualmente pedido que entregassem os
certificados, afirma: “Sobre a declaração da nulidade dos certificados, a
universidade vai ter que responder por ela” porque os seus representantes
“agiram de boa-fé”. Lamenta nomeadamente a divulgação dos nomes dos
ex-estudantes. Diz que aguardam desenvolvimentos.
“Não
preciso da licenciatura”
Mas vamos por partes: só no curso frequentado por Nuno da Câmara Pereira, Engenharia do Ambiente, foram 14 os ex-alunos em que foram detectadas irregularidades na forma como a Lusófona geriu os processos de atribuição de créditos.
“Durante
anos tinha sido uma reivindicação dos regentes agrícolas” a possibilidade de
aceder ao ensino superior, recorda ao PÚBLICO o fadista e ex-deputado (eleito
pelo PSD). “Até que o ministro Mariano Gago [em 2008] aprovou um diploma que
abria a porta dos regentes agrícolas ao ensino superior.” Esse diploma legal
dava aos equiparados a bacharéis o direito de prosseguirem estudos e de verem
reconhecida para esse efeito a sua experiência profissional, mediante a
atribuição de créditos que lhes permitiriam ter equivalências. Era o seu caso.
Câmara
Pereira e outros 17 regentes agrícolas — todos com experiência, sublinha, e, no
seu caso, com um passado na suinicultura, na hortofruticultura, nos quadros do
Ministério da Agricultura... — dirigiram-se à Lusófona. Os processos foram
analisados. E tal como lhe foi proposto, recebeu créditos, frequentou um curso
de especialização em Ambiente e algumas cadeiras no plano de estudos da
licenciatura de Engenharia do Ambiente. “Cheguei a ter de repetir cadeiras
porque chumbei a uma ou duas, nos exames.”
Certo
é que em Novembro de 2012, estava licenciado (segundo o seu processo
tinha-se matriculado na licenciatura em Fevereiro) e não se conforma com isto
de ver o seu nome numa lista de alunos cujos processos foram declarados nulos.
“O absurdo é que o Ministério da Educação que tutela as universidades devia
fiscalizar no tempo próprio, não é três anos depois. Só há uns 2 meses fomos
chamados à universidade que nos disse que havia um problema e que o ministério
os obrigava a anular o curso.”
E
continua: “Isto põe em causa a nossa respeitabilidade, o nosso
profissionalismo.” Lembra que tem 64 anos: “Não preciso da licenciatura para
nada.” Fê-la por gosto.
O
caso dos regentes
O chamado “processo Lusófona” que culminou com o ministério de Nuno Crato a mandar a universidade declarar nulos 152 certificados e diplomas, por irregularidades na atribuição de créditos, foi consultado na segunda-feira pelos jornalistas,
As
múltiplas pastas do processo estão preenchidas por relatórios, despachos e
respostas da universidade ao ministérios — com datas que remontam a 2012 quando
estoirou o “caso” Relvas, o aluno mais famoso da Lusófona (ver cronologia).
O
reconhecimento e creditação de competências está previsto na lei há vários anos
e, até 2013, não havia qualquer limite ao número de créditos que as
universidades podiam atribuir depois de avaliar o percurso académico e
profissional dos seus candidatos. Mas havia — e há — regras.
É
no curso de Estudos de Segurança que há mais processos onde foram detectadas
irregularidades na atribuição de créditos (47). Engenharia do Ambiente também
tem um número considerável: 14. Muitos são detentores do curso de regentes
agrícolas, que entraram ao abrigo de um processo com características especiais.
Em 2008, depois do despacho de Mariano Gago, o director da Faculdade de
Engenharia e Ciências Naturais da Lusófona elaborou um documento intitulado
“Reconhecimento da Experiência Profissional e da Formação dos Alunos
Habilitados com o curso de Regentes Agrícolas”. Propunha-se que fossa
reconhecida a formação académica e profissional destes bacharéis através da
atribuição de até 125 créditos. O reitor autorização a frequência do plano de
estudos para esses candidatos num despacho ainda de 2008.
Houve
depois uma proposta de alteração do director da Comissão Científica do curso
que aumentava o limite de créditos que podiam ser atribuídos para 130 (para uma
licenciatura são necessários, em regra, 180). A IGEC não encontrou a
autorização do reitor a essa proposta. Mas vários candidatos acabaram mesmo por
ter mais do que 125.
Para
além disso, vários deles só apresentaram candidatura à licenciatura Engenharia
do Ambiente depois de 2011, porque antes ainda fizeram, também na Lusófona,
um curso de Ciências do Ambiente para regentes agrícolas. Resultado:
quando foram para a licenciatura de Engenharia do Ambiente, esta já tinha um
plano de estudos que entretanto havia sido alterado. “Os percursos
académicos efectuados e registados na certificação emitida no âmbito do curso
de Engenharia do Ambiente não se encontram de acordo com os planos de curso em
vigor”, conclui a IGEC que pede a declaração de nulidade destes processos.
Incluindo o de Câmara Pereira.
E
também o do presidente da Câmara de Porto de Mós, que a IGEC considera que não
podia sequer ter recebido créditos ao abrigo deste regime. Contactado pelo
PÚBLICO João Salgueiro contesta, numa nota escrita onde esclarece: “O aluno
frequentou a universidade durante dois anos, tendo concluído a especialização
em Ciências do Ambiente, para a qual não houve qualquer creditação curricular.
A conclusão da especialização decorreu das avaliações com classificação igual
ou superior a 10 valores, das disciplinas leccionadas durante quatro semestres.
A situação referente à anulação da creditação diz respeito, apenas, ao grau de
licenciatura, caso que não se verifica na situação académica do aluno em causa
que ainda não obteve o grau de licenciatura, de modo que não seria possível
usufruir de qualquer creditação curricular.” Acrescenta que tudo isto foi
esclarecido numa audiência com a Universidade Lusófona.
Aos
alunos visados a universidade está a propor a reinstrução de processos. André
Gomes, que se aposentou este ano, é dos que nem se importa de fazer novas
unidades curriculares se for caso disso. Está “de consciência tranquila”. Teve
uma carreira com cargos de chefia. Já tinha feito cadeiras na Universidade
Lusíada antes de ir para a Lusófona. Aqui fez as cadeiras que lhe disseram para
fazer, em regime nocturno, licenciou-se em 2011. Só mudou porque as propinas
eram mais baratas: “A Lusófona tinha um protocolo com a PSP.”
Nesta
terça-feira a Universidade Lusófona emitiu um comunicado onde garante: “A
fase de reinstrução de processos está em curso e é completamente individualizada,
dependendo a sua conclusão da situação concreta de cada aluno. Concluída a
reinstrução, aplica-se a estes processos, de acordo com o definido no código do
processo administrativo, o princípio da retroactividade, produzindo os actos
presentes efeitos sobre o momento passado – momento em que foi declarada a
nulidade. Ou seja, da reinstrução administrativa do processo não resulta para o
visado qualquer tipo de lesa.”
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