Verdade
(mz) - Tema de
Fundo
Um
relatório de investigação conclui que a desorganização e a fraude que se
registaram um pouco por todo o país fizeram do processo eleitoral de 2014 um
falhanço. O estudo, com o título “Crónicas de uma eleição falhada – Moçambique,
Outubro de 2014”, foi desenvolvido por uma equipa de pesquisadores do Instituto
de Estudos Sociais e Económicos (IESE), no âmbito do projecto de pesquisa “O
Eleitor Evanescente: Análise da participação eleitoral/abstenção em
Moçambique”, e observou ainda o envolvimento dos líderes comunitários e dos
observadores na fraude eleitoral, e o medo que muitos cidadãos têm de exprimir
as suas opiniões.
A
pesquisa foi formulada com o objectivo de sistematizar e desenvolver o
conhecimento do fenómeno da abstenção no país. A equipa de pesquisa dividiu-se
em dois grupos de trabalho que acompanharam o final da campanha e a votação em
dois distritos, nomeadamente Manjacaze e Murrupula.
Em
Manjacaze, na província de Gaza, onde a Frelimo tem sempre obtido votações
superiores a 90 porcento desde 1994, observou-se o medo que muitos cidadãos têm
de exprimir sem constrangimentos as suas opiniões. Além disso, no mesmo local,
constatou-se que os “serviços de segurança assumem uma postura partidária em
favor do partido no poder, como grupos de jovens mais ou menos marginais são
usados para acções de intimidação, por vezes com recurso à violência”.
Ainda
em Manjacaze observou-se que o envolvimento dos líderes comunitários e outros
responsáveis administrativos intimidou, de forma indirecta, as comunidades, e
os pseudo-observadores eleitorais se prestaram a colaborar na fraude eleitoral,
para além da violação deliberada de algumas disposições centrais da legislação
eleitoral, abrindo o campo para a viciação dos resultados das eleições.
Constatou-se
ainda vários casos de irregularidades e fraudes flagrantes. A título de
exemplo, numa escola do posto administrativo de Nguzene, as filas eram
organizadas por um líder comunitário, que não fazia parte dos membros das mesas
de voto. “Aqui, depois de votar, os eleitores ficavam todos no pátio da escola,
onde preparavam refeições, sem serem incomodados pela Polícia, ao contrário do
que é habitual acontecer noutras regiões quando os eleitores querem ficar a
'tomar conta' do seu voto”, lê-se a dada altura no relatório. Ainda em Nguzene,
segundo a pesquisa, num outro estabelecimento de ensino, a secretária da mesa
de voto estava na posse de dois boletins preenchidos a favor da Frelimo.
Em
Murrupula, onde se tem registado historicamente um maior equilíbrio entre a
votação da Frelimo e a da Renamo, não foi diferente. Nesse local, observou-se,
na EPC de Tapatero, um líder comunitário a orientar as pessoas para as suas
mesas de votação com a missão de garantir a vitória da Frelimo. A mesma
situação verificou-se nos postos administrativos de Nihessiue e Chinga, onde o
líderes comunitários junto à porta do local de votação procuravam orientar os
eleitores que chegavam mostrando as suas mesas de votação.
Desempenho
negativo do Governo não interfere no voto
Embora
o partido Frelimo disponha de maior influência nalgumas zonas da província de
Gaza, o estudo detectou certa insatisfação com o Governo, particularmente
devido ao desemprego e à falta de oportunidades de melhoria da situação
económica. Não obstante essa realidade, a avaliação negativa das acções
governamentais não interferiu nas opções de voto.
Por
exemplo, em Manjacaze, constatou-se que um número considerável de pessoas,
através dos seus discursos, mostrava estar desiludida com o Governo e, apesar
dessa desilusão, continuava a expressar lealdade a Frelimo.
Abstenção
Desde
as primeiras eleições multipartidárias de 1994, tem-se registado uma redução
significativa da participação dos eleitores, com o nível de abstenção nos
últimos três processos eleitorais a rondar os 60 porcento. A desorganização nas
mesas de voto, as demoras prolongadas nas filas e os comportamentos destinados
à favorecer o voto dos amigos são apontados, segundo o relatório do IESE, como
principais factores que levam os eleitores a desistiem de votar.
Em
Manjacaze, na vila sede, no bairro Liberdade, estavam instalados vários postos
de votação, alguns dos quais registaram enchentes e muita confusão. Nesses
locais, ainda de acordo com a pesquisa, algumas pessoas bem conhecidas
organizavam as filas e permitiam que pessoas conhecidas passassem à frente, o que,
de certa forma, criava descontentamento nos que haviam chegado mais cedo.
O
distrito de Murrupula teve 34 locais de votação distribuídos pelos seus três
postos administrativos, com um total de 113 mesas. Mas as longas distâncias
constituíram um forte desincentivo ao voto.
Desorganização
e problemas logísticos
A
desorganização e os problemas logísticos por parte dos órgãos eleitorais
facilitaram as práticas de fraude. “Os órgãos de gestão eleitoral não só foram
incapazes de garantir uma organização adequada do processo, como também
demonstraram serem susceptíveis de interferências partidárias ao ponto de
comprometerem a sua necessária independência e neutralidade. É muito difícil
por vezes distinguir a simples desorganização da fraude, mas ambas foram uma das
principais características das eleições de Outubro de 2014”, conclui o
relatório.
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