O
caso grego tem sido muito elucidativo e revelador do problema de fundo que
atravessa a sociedade ocidental e os seus sistemas políticos.
Rui Pulido Valente – Esquerda, opinião
As
democracias, ditas modernas, só o são (democracias) no quadro do sistema em
vigor, isto é, no âmbito do sistema em que existe um domínio dos mercados
(diga-se do interesse financeiro daqueles que dominam os mercados de capitais e
bens transaccionáveis). Poder-se-ia dizer do sistema capitalista. É-o de facto,
mas acontece que hoje, e sempre, houve perspetivas diferenciadas sobre o
próprio capitalismo.
À
medida que os problemas se vão agravando e as soluções se revelam ineficazes,
todos compreendemos que o que divide as pessoas e os partidos são os diferentes
objetivos de fundo, uma vez que também todos percebemos que não é possível
conciliar o inconciliável: a justiça social é incompatível com a sede de lucros
das multinacionais (esse dinheiro não é para investir na sociedade e os
impostos pagos, muitas vezes, também não); o interesse das pequenas e médias
empresas não é conciliável com a ganância da banca quando aplica as taxas de
juro nos empréstimos (também esse dinheiro não é aplicado socialmente nem os
impostos que os bancos pagam); os paraísos fiscais não trazem vantagens para as
populações, mas sim, para os donos do capital; a corrupção é uma ferramenta de
trabalho fundamental para a manutenção do atual sistema económico e político
que não tem qualquer benefício para o cidadão comum [a ideologia, estúpido!!!].
Podemos
concluir então o que já há muito é evidente. Há interesses antagónicos
inconciliáveis pelo que qualquer política passa por definir quais os interesses
que devem prevalecer: os daqueles que controlam o dinheiro e dominam a finança,
ignorando toda a sociedade e os seus valores de justiça, equidade, bem comum,
desenvolvimento equilibrado, ambiente sustentável, transparência, ética,
seriedade, respeito pela diferença; ou os da maioria da população, que sabe que
as assimetrias atuais são sempre impeditivas de poder cumprir aqueles valores
básicos da vida em comum.
Será
possível governar sem corrupção? Parece que no atual sistema, tal não é
possível, basta olhar para os exemplos que todos os dias nos aparecem à frente!
O
caso da Grécia mostra que a ideologia dominante quer manter a ideia de que o
sistema apenas funciona com aquelas regras, sendo inevitável a austeridade para
alguns enquanto que outros recebem os juros resultantes de um modelo de
desenvolvimento que não tem por base os próprios recursos nacionais e políticas
de industrialização e de crescimento económico bem definidas.
O
sistema capitalista tem outras variantes, a democracia tem outras dimensões, a
sociedade exige novos modelos de organização. Quando se refere que não há
alternativa ao capitalismo mantemo-nos num quadro que tem por base o paradigma
de uma sociedade sempre em crescimento baseada nas assimetrias entre ricos e
pobres e no domínio do dinheiro. Se o paradigma mudar as alternativas surgem e
não é necessário acabar primeiro com o capitalismo pois ele próprio encontrará
um caminho que levará a um sistema de sociedade diferente.
O
que temos presenciado é a paranoia de alguns grupos políticos quanto à
possibilidade de existirem soluções alternativas que deixem de se basear nos
valores do individualismo, do nacionalismo, da xenofobia e da ditadura do
dinheiro.
Quando
se diz que um partido é contra o sistema como o caso do Syriza ou do Bloco de
Esquerda estamos a dizer que são contra o que hoje personifica o sistema
capitalista com toda a carga de valores anti-sociedade (ou anti-sociais) que
acarreta, traduzida também por inúmeras figuras públicas corruptas, pouco
sérias, vivendo na ostentação, contradizendo-se sistematicamente (são precisos
nomes?). Chegamos então aos partidos e à prática democrática que também está
excessivamente marcada por este sistema capitalista que de democrático tem
pouco, escondendo-se na sua burocracia e nas leis, quando necessário (e nas
regras).
No
seu livro “Rebooting Democracy” ou na versão portuguesa “Reinventar a
Democracia”, Manuel Arriaga, investigador português a trabalhar em Inglaterra e
nos Estados Unidos, refere várias experiências de democracia participativa e
fala claramente da necessidade de mudança na prática partidária e no sistema
partidário. Não são exemplos teóricos que ele refere mas práticas concretas com
bons resultados em países tão próximos como Malta, Irlanda, Canada, Austrália e
Estados Unidos.
Há,
hoje, problemas nas sociedades que não têm resolução através do sistema
político tradicional, que exigem outras formas de participação dos cidadãos e
novas oportunidades de intervenção cívica. Mas para tal é necessário que os
carreiristas abram mão do seu poder e o cidadão deixe de depositar nos
políticos, de 4 em 4 anos, o tratamento exclusivo dos problemas e a defesa dos
seus interesses.
Também
muitos já compreenderam que o futuro das sociedades passa por uma redefinição
do papel do Estado nas democracias. A ideia de que não é necessário um poder
público interventivo e responsável por algumas áreas e as experiências de
Reagan e Tatcher, já deixaram as suas marcas negativas. Há quem queira insistir
nessas receitas mas a crise veio criar-lhes novas dificuldades. Mesmo na
discussão do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento o problema passa
pelo total desrespeito pela soberania dos Estados, dando mais força e valor às
multinacionais do que aos próprios países. Será?
Havia
quem anunciasse o fim da História! Há os que agora pretendem o fim da Política,
impedindo os Estados e os seus cidadãos de terem uma palavra no futuro das suas
pátrias. São aqueles que se vendem para obterem uma reforma dourada! Mas morrem
como os outros! E não mudam o Mundo, pelo contrário, são avessos à mudança!
Artigo
publicado em portalegre.bloco.org em 16 de setembro de 2015
*Rui Pulido Valente
- Professor do Instituto Politécnico de Portalegre e da Escola Superior de
Gestão e Tecnologia. Cabeça de lista do Bloco de Esquerda nas eleições
legislativas de 2015, pelo círculo de Portalegre, como candidato Independente
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