terça-feira, 29 de setembro de 2015

Angola. DEFESA DOS PRESOS POLÍTICOS ADMITE RECORRER PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL



Conferência de imprensa reuniu familiares e advogados dos 15+1 no Teatro Elinga. Quatro dos detidos estão em greve de fome.

Miguel Gomes – Rede Angola

A defesa dos 15+1 presos políticos, detidos desde 20 de Junho, em diversos estabelecimentos prisionais das províncias de Luanda e Bengo, admite recorrer para o Tribunal Constitucional para garantir a liberdade imediata dos seus clientes. Passados mais de 90 dias de reclusão, de 85 dias em solitária sem acusação formada e de oito dias de greve de fome (quatro dos detidos) ficamos também a saber que o processo está na 14.ª secção do Tribunal Provincial de Luanda, que fica em Cacuaco.

A conferência de imprensa, realizada ontem no Teatro Elinga, em Luanda, juntou advogados e familiares dos presos políticos com o objectivo de esclarecer a opinião pública. Foi um desfiar de relatos trágicos, apesar de os detidos terem sido entretanto retirados das celas solitárias. Neste momento estão na companhia de outros presos.

Walter Tondela, um dos causídicos que faz parte da equipa de defesa, explicou que esteve na passada quinta-feira, 24, em Cacuaco, para tentar obter mais informações sobre o processo mas o procurador de serviço não o quis receber. “A única coisa que nos disse foi: este é um processo conduzido por ordens superiores”, contou o advogado. A estratégia da defesa passa por esgotar todos os recursos possíveis para, em última instância, recorrer ao Tribunal Constitucional e requerer (pelo menos) a liberdade provisória ou a liberdade mediante caução.

As arbitrariedades ao longo do processo, segundo os advogados e as famílias dos detidos, são de toda a ordem. Não se cumprem os prazos legais de prisão preventiva (já ultrapassados), os advogados queixam-se das enormes dificuldades que enfrentam para falar com os seus constituintes, a Procuradoria Geral da República demorou cerca de dois meses a analisar o pedido de habeas corpus, as mulheres são revistadas com agressividade e, em alguns casos, obrigadas a tirar a roupa para a revista (sob pena de não poderem aceder ao estabelecimento prisional).

Para além disto, e ao contrário do que está plasmado na Constituição (que garante o direito a visitas por parte de amigos e dos advogados, para além dos parentes directos), as famílias lamentam que as regras para as visitas mudem consoante o oficial que está de serviço. E que sejam diferentes entre os estabelecimentos prisionais.

Esperança Gonga, mulher de Domingos da Cruz (jornalista e autor de diversas obras sobre direitos humanos), explica que o “sofrimento e o descontentamento é muito grande. O corpo deles começa a dar sinais de que não está a aguentar todas estas privações. Só de os olhar ficamos logo com a moral em baixo. Apresentam um semblante de grande sofrimento – e apenas perguntam: o prazo de prisão preventiva já acabou? O que se diz lá fora sobre o nosso caso?”, conta Esperança Gonga.

“Nós precisamos de respostas. Eles estavam a construir mentes, juntavam-se para trocar ideias e falar de política, nunca utilizaram violência para nada e já demonstraram que não são agressivos. Exigimos paz, amor, democracia e liberdade já!”, reforçou Esperança Gonga.

Depois tomou a palavra Pedro Beirão, irmão do músico e activista Luaty Beirão (conhecido nas lides artísticas como Ikonoclasta). “O meu irmão está há oito dias em greve de fome, depois de ter ficado 85 dias em solitária, sem acusação formada. Fiquei chocado com o peso que ele perdeu nos últimos dias. Acredito que, se nada mudar na sua alimentação, o Luaty vai deixar de ter forças para andar”, explicou.

António Ventura, membro e ex-presidente da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), lembrou que “os funcionários do Estado, seja qual for a sua função, têm o dever de respeitar a Constituição e a legalidade e devem rejeitar a participação em actos contrários a estes princípios. Neste sentido, a greve de fome é uma forma legitima de pressionar os órgãos de justiça, para que se dignem a dar resposta aos anseios dos detidos. É uma forma de pressionar o cumprimento da lei”, defende o dirigente associativo e activista dos direitos humanos.

“Decorrido o prazo legal de 90 dias de prisão preventiva, que pode ser prorrogado mediante justificação do Ministério Público (MP) – o que não aconteceu – é obrigatória a libertação dos detidos. É obrigatória. Não há outra hipótese”, defende o advogado Luís Nascimento.

“No dia 21 de Setembro, depois de se completarem os tais 90 dias de prisão, enviamos um requerimento dirigido ao procurador junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC), que foi recebido no mesmo dia, a exigir a libertação provisória dos detidos mediante constituição de termo de identidade e residência. Não houve resposta, até agora. No dia 24 de Setembro, repetimos a diligência, mas agora dirigida ao próprio Procurador Geral da República. Também estamos sem qualquer resposta”, explica Luís Nascimento.

Nascimento frisa que todo o processo “é uma violação extrema e flagrante da Constituição, quer do lado da Procuradoria Geral da República, quer do Ministério Público”.

Os 15+1 detidos são suspeitos de preparar um acto de rebelião ou um atentado contra o Presidente da República, José Eduardo dos Santos. O crime está tipificado no âmbito dos crimes contra a segurança do estado. A maioria foi detida no dia 20 de Junho (nos dias seguintes o SIC concretizou mais detenções em vários pontos da capital), numa casa do bairro Vila Alice, em Luanda, quando preparava-se para analisar e discutir um livro do autor norte-americano Gene Sharp.

Neste momento, os presos estão repartidos por quatro estabelecimentos prisionais: Viana (4), Hospital-Prisão de São Paulo (devido a complicações de saúde), Kalomboloca (7) e Kakila (4).

Foto Ampe Rogério/RA

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