Miguel
Guedes – Jornal de Notícias, opinião
O
lado para onde o vento sopra é um fenómeno natural, volátil mas compreensível à
luz das ciências da atmosfera. Num mundo de zeros e uns, tão carregado de
previsibilidade e de adequados comportamentos, saúdam-se as denominadas
"lufadas de ar fresco". O resultado destas eleições está a revelar-se
uma autêntica lição de democracia para alguns, pelo que é evidente que para
esses alguns o vento sopra, denominado de golpista e agreste pelos
"observadores", em redemoinho. Atente-se mais ao mapa do que à
lateralidade da esquerda/direita: no centro do país político há gente a ser
levada pelo vento e que vem a jogo. E é nestes momentos que se torna legítimo
assobiar a "Trova do vento que passa" e, na tempestade, observar
Assis.
O
eurodeputado socialista vai, anuncia-se, reunir apaniguados na Las Vegas dos
leitões. Consigo imaginar o autor da brilhante ideia e os aplausos ululantes:
"se queremos puxar o país ao centro, reunamos no centro do país",
terá dito. Ideia genial, Mealhada. Coordenadas, precisam-se, para o senhor.
Francisco Assis inaugura, seguramente, a primeira de muitas parcerias
público-privadas comunicacionais com alguns dos seus "camaradas" de
partido. Sábado, à mesa, discutir-se-á o futuro do PS. A punho cerrado, mas
baixo, traçar-se-ão as mais importantes linhas estratégicas alternativas a
apresentar ao Congresso Socialista após as eleições presidenciais. Haverá ordem
de encomenda. As correntes de aço inoxidável serão a grande tendência invernal
de Assis, procurando resistir às agruras e à corrosão do seu particular inverno
socialista, perante um PS que (pasme-se!) governe à esquerda no poder. A dor do
momento, a exclusão das listas parlamentares. Imagino a força do vento. Que
sábado esse, grandioso, recheado de magnas questões para o país, esse, o que se
revelará na coligação particular de Assis. De repente, se o vento sopra um
pouco mais por um instante, naquele em que se encosta de supetão à face,
dir-se-ia PàF, não fossem seguristas, desavindos ou proscritos a assegurar que
não ou nem pensar. Quando todo o PS deveria estar a debater as grandes questões
nacionais, eis que parte do PS se encontra a discutir as suas típicas questões
comensais.
E
todos assistimos ao jogo. Imediatamente após as eleições, Assis assegurava a
necessidade de "evitar a tribalização do partido, a sua transformação num
espaço de confronto de claques, a consagração da disputa personalizada".
Agora, Assis prepara uma candidatura ao partido no momento em que se decide o
futuro da governação do país. Em Fevereiro de 2013, Assis defendia que se o PS
vencesse as eleições legislativas que se seguiriam, sem uma maioria absoluta,
"devia coligar-se com os partidos de direita". Em 2011, quando
disputou a liderança com António José Seguro, defendia alianças à esquerda nas
eleições autárquicas para "iniciar um diálogo construtivo com o PCP e o
BE", de forma a "superar a dificuldade histórica de relacionamento
que prejudica as opções dos eleitores de esquerda". Suponho que, para
Assis, as posições do PCP e do BE sobre a Europa e a NATO tenham mudado
significativamente desde 2011. Só isso me fará perceber que não é a ventania
que faz girar um cata-vento.
"Mesmo
no tempo mais triste / Em tempo de servidão". A inteligência de Francisco
Assis é inquestionável mesmo quando a inteligência lhe dá para isto. António
Barreto, pensador e cientista social, também se tem enganado nos exemplos.
Teixeira dos Santos, a correr contra o tempo, apressa-se a aconselhar o Governo
a aprovar uma lei autónoma para evitar que os cortes salariais na Função
Pública sejam suprimidos em Janeiro, face a um Orçamento de Estado que -
previsivelmente - só entrará em vigor em Março de 2016. "Há sempre alguém
que resiste". Mesmo pelos piores motivos. O novo ministro Calvão da Silva
(é preciso dizer mais?...) ainda foi a tempo de entrar no anedotário político
quando reage às cheias algarvias como aquele avô que descompõe um neto depois
de uma traquinice inconsequente, "uma lição de vida" porque
"Deus nem sempre é amigo", que o seguro morreu de velho. "Há
sempre alguém que diz não". Soma-se uma bela lição democrática e
constitucional para os nomeadores de "boys" ultra-sónicos em fim de
mandato: a esquerda parlamentar soma 50,7% nas últimas eleições e o acordo é já
dado como inevitável. Como o vento que sopra.
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